Amazônia desconhecida - O ouro do Brasil

29/08/2021 às 10:44 Ler na área do assinante

Foram dois dias de viagem, saindo do Sudeste, de avião. Uma parada em Brasília, turbulência no caminho, o céu azul e a bela paisagem retratavam bem o que me aguardava do outro lado do país.

A Amazônia, tal qual a viagem, é assim: extremamente bela e exuberante, como um dia lindo de verão, mas cheia de conflitos que envolvem muitos grupos e muitos interesses.

O resultado de tudo isso é que a Amazônia se torna uma parte desconhecida para a maior parte dos brasileiros e cobiçada pelo resto do mundo que não quer saber de mais nada da Amazônia além daquilo que a maioria imagina a que ela se resume: floresta, solo fértil e biodiversidade.

Só que a coisa não é bem assim! Na verdade, a coisa não é assim. Mais que belezas naturais e riquezas minerais, no meio da floresta existe um povo que se chama brasileiro. E esse povo tem impedido o avanço de interesses diversos na região.

Fruto de ações irresponsáveis dos governos anteriores, planejamentos que desconsideravam esse povo, ou que só o faziam no papel, mas não se efetiva na prática, os conflitos na selva não se restringem ao fogo, ao desmatamento e à preservação, mas se expandem para tantas e tantas outras frentes, como a sobrevivência daqueles que dependem da floresta e que ali estão desde o processo de formação do Brasil.

A chegada ao paraíso dos conflitos

Depois que o voo saindo do Rio de Janeiro chegou à Brasília para a escala da conexão com o estado do Pará, tive que esperar cerca de quatro horas para embarcar num voo que estava previsto sair do aeroporto por volta das 10 horas da manhã. A companhia aérea informou o fechamento de três aeroportos na região, o que teria prejudicado outro veículo para nos buscar, depois que a aeronave que faria o trecho ter enfrentado “problemas de manutenção”. Melhor o atraso que o risco!

Mas estranhei, obviamente, o fechamento de três aeroportos na região num dia que, para mim, era um dia normal. Pesquisei na internet, não encontrei nada. Ficou por isso mesmo.

Voamos!

Paisagem linda ao longo de todo o percurso. Saindo do frio que estava Brasília, mesmo com céu azul e sol aparente. Por vezes, alguns espelhos d’água refletiam bem forte a luz na janela do avião.

“Espelhos grandes!”.

E eram. Eram represamentos de água para sustentar o boi da região. Eu estava chegando na terra do boi gordo. “Onde tem mais gado que gente”. Onde alimentamos o mundo e de onde saem também muitas polêmicas sobre a nossa pecuária.

Chegando ao aeroporto de Marabá, estava tarde para pegarmos a estrada, de acordo com o motorista. Mas, no céu, o sol ainda estava lá radiante. Lugar quente! Era quase outro Brasil, pelo menos no que se refere à temperatura.

Nosso país é realmente continental! Uma coisa é falar isso olhando para o mapa, outra coisa é cruzar o país e ver essas diferenças, até mesmo climáticas, viajando em apenas algumas horas de voo. A informação era de que a viagem de carro para onde teríamos que ir garantiria 600 quilômetros de estrada. E como as condições da estrada não eram as melhores, a viagem foi adiada para o dia seguinte.

Tive a oportunidade de conhecer Marabá. Terra desenvolvida, com atividade econômica pautada na siderurgia, além do extrativismo, pesca e pecuária. Ao longo do passeio, tive a oportunidade de ouvir alguns moradores da região reclamarem que Marabá não recebe a devida atenção do poder público, principalmente por conta da quantidade de pessoas que habitam na região.

“O eleitorado está em Belém”, disse uma moradora.

Explicando que, por isso, há o anseio pela criação do estado de Carajás. Em 2011, foi realizado um plebiscito para a separação da região do restante do Pará. O novo estado teria Marabá como capital. O projeto não se concluiu, pois com 18% apenas do eleitorado, o restante do estado decidiu manter o Pará como ele estava desenhado, aumentando ainda mais o sentimento que não se distingue daquele presente em populações que moram em regiões mais distantes dos grandes centros em todo o país:

De que a riqueza e o desenvolvimento só chegam para os grandes centros por interesses políticos e eleitoreiros. Enquanto o povo continua produzindo e, ainda assim, desatendido e alheio aos resultados da riqueza que produz. O Brasil é mesmo grande e diverso, mas é igual em muitas coisas do norte ao sul, principalmente quando se trata de política.

Um passeio na Beira Rio do rio Tocantins, um clima quente à noite, meio abafado, meio húmido, diferente até do calor escaldante do Rio de Janeiro. O calor era forte, mas não incomodava. A pele não estava colando e o vento ajudava a aliviar a sensação. É o rio e sua água doce. Essa sim, de fato, refrescante. Experimentei o famoso tucunaré e fui descansar.

No dia seguinte, pé na estrada!

Saímos às 7h da manhã para chegarmos ao nosso destino final às 15h. Estrada boa, estrada média, estrada de chão e estrada ruim. Estrada, enfim. Muita estrada! São quilômetros e quilômetros de terra, mato, mato, terra, mato até avistarmos uma cidadezinha. Cidade à vista e logo passamos por ela. E lá se vão mais quilômetros e quilômetros de terra, mato, mato, terra, mato até avistarmos outra cidadezinha.

A região, com um todo, não é muito desenvolvida. O povo tem sua própria forma de se organizar e sua cultura, mas os acessos ainda são muito escassos. E, apesar da natureza e das possibilidades de exploração turística, isso não acontece. Faltam escolas, hospitais e infraestrutura básica para atender à população. A única coisa que não falta, como pontuam os moradores, é polícia e fiscalização.

Onde a Vale se instalou, é possível perceber o crescimento econômico e desenvolvimento diferenciados. O município de Ourilândia do Norte é a prova disso. Foi criada toda uma infraestrutura para receber os profissionais que ali fossem trabalhar na empresa que tem permissão para explorar a mineração na região.

Mas, passando Ourilândia, longe de tudo e de todos, o que temos são outras pequenas comunidades. E para mato adentro não há motivos para preocupação. Diferente do que se espera, em muitas áreas funciona e muito bem a internet. Afinal, como os índios iriam usar seus celulares? Ou vocês acham mesmo que eles têm Iphone para tirar foto? Nada disso!

Ao longo da estrada, aprendi um pouco sobre a pecuária. O que não faltava era tempo para uma boa aula com especialista. Morador, nascido e criado na região. Confesso que, a princípio, também me assustei com a quantidade de área aberta, por conta da atividade econômica que move aquela região. Região que é cercada pela floresta Amazônica.

Eu via e ouvia tudo refletindo sobre o quanto nós, brasileiros, desconhecemos nosso próprio país e a cultura de nosso próprio povo. E o quanto estrangeiro quando chega aqui deve ficar doido por dois motivos: primeiro, pela quantidade de natureza que conseguimos preservar; segundo, por preservarmos tanto e desmatarmos outro tanto. Na cabeça deles, deve restar apenas uma solução, “preserva tudo, não usem nada, já que não souberam usar até aqui”. Afinal, é fácil querer preservar no Brasil o que eles não souberam fazer em seus próprios territórios.

Me explicaram que, ali, na região, é criado o tal do “gado verde”. Em superfície plana, diferente do gado mineiro que sobe desce morro, o gado é criado naqueles planos, com boa água (lembram dos espelhos?) e uma área vasta para pastar. E aí é que tá: vasta área para pastar. Me foi explicado que, para cada cabeça de gado, uma determinada quantidade de alqueires é necessária para ser viável a criação. Numa região que tem mais gado que gente, imagine então o que acontece? Além disso, a questão do gado verde também está ligada à alimentação do rebanho.

Os gados da região não se alimentam de ração. São criados exclusivamente com o capim da área desmatada. E essa área fica campo aberto de verdade. Não existe, na prática, um planejamento do governo, juntamente com esses pecuaristas, para tornar sustentável a atividade econômica deles que, apesar de envolver questões ambientais, também contribuem para o avanço econômico e mercado de exportação no Brasil.

A coisa não pode ser vista por uma única ótica. O que me pareceu é que falta gestão e boa vontade do Estado. E, enquanto isso, ninguém vai parar de trabalhar esperando o governo brasileiro deles se recordar. E, assim como pecuarista, outras atividades econômicas dentro da Amazônia Legal vão vivendo da mesma forma.

Um marco legal foi criado ao longo do governo PT. Mas apenas o marco. A regularização das atividades, com a participação do governo no auxílio das condições para os produtores e extrativistas da região, é outra história. Existe espaço para crescimento da região e trabalho de todos no papel. Na prática, o governo só se lembra da existência da região para fiscalizar e impedir o uso das terras amazônicas e para levar a urna eletrônica em período eleitoral.

Falta de traquejo político de nossos representantes, falta compreensão e imersão no problema por parte dos jornalistas que vão cobrir a realidade da região. Há soluções no final do dia para o uso sustentável da floresta. Pois preservar a floresta é importante, mas e as pessoas que ali vivem? Não?

A maior riqueza do Brasil

Chegando onde eu tinha para chegar, conheci um povo. Um povo que não era indígena e não era quilombola. Era o povo brasileiro. Um povo miscigenado e plural, tanto quanto nós somos em qualquer parte desse país. Um povo que vive das atividades econômicas da região, da pecuária, da pesca, do plantio, do garimpo, do extrativismo e etc. No meio da Amazônia tem o ouro do Brasil que é o seu povo.

Um povo que já estava ali antes das leis de 1988 chegarem. Um povo que já estava ali antes das demarcações feitas pelo governo PT e dos decretos que ainda vigoram assinados por Lula. Um povo que deseja ser, primeiro, reconhecido, valorizado, respeitado e que o governo cumpra com suas obrigações, pois entendem que exigências até podem ser cobradas, mas uma vez que o Estado cumpra seu papel.

Um povo que luta todos os dias e que ama sua floresta, pois é dela que vem o seu sustento. Como eu ouvi aqui na região, “se a natureza é nossa mãe, é do seio da mãe que o filho se alimenta”.

A Amazônia não é só floresta, não é só bicho e não é só queimada.

Nós, o povo brasileiro, somos alheios ao nosso próprio tesouro e, com isso, somos vítimas de nossa ignorância e das ações daqueles que dela se aproveitam, os grandes piratas do Século XXI. Estes se valem da máfia das demarcações de terra para impedir o uso sustentável da Amazônia.

Tratam preservação como se fosse tornar a mata intocável, mas para os brasileiros. Para os estrangeiros? Território para pesquisa, exploração e o que mais desejarem. O documentário “Cortina de Fumaça” do Brasil Paralelo é um grande abridor de portas para compreensão de tudo isso. E os absurdos não param por aí na Amazônia.

E já está na hora de colocarmos as coisas nos seus devidos lugares nesse país e pararmos de querer expulsar aqueles que os seus lugares já ocupam. A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas isso não significa também que ela seja o dedinho do pé. O que tenho aprendido aqui é que não devamos ferir de morte o coração do Brasil.

A questão é que a causa ambiental é mais ampla do que simplesmente salvar e proteger a Amazônia. Porque quando se fala em proteger a Amazônia, estamos falando de protegê-la de quem? Dos invasores estrangeiros? Das ONGS? Do governo? Ou do próprio povo da Amazônia que ali vive e, todos os dias, se reproduz e aumenta seu contingente populacional? Sim. As comunidades que há anos existem na Amazônia estão em expansão e isso parece não estar sendo colocado na conta daqueles que dizem defender essa região.

Salvar a Amazônia inclui salvar seu povo, para além dos indígenas. Por que, sim, vou repetir, vivem pessoas que não são índio. Essas pessoas precisam, muito mais do que qualquer árvore ou onça pintada, serem respeitadas e terem a dignidade de viverem suas vidas, buscarem a felicidade e resguardarem o futuro de suas famílias. Tudo isso, claro, preservando a natureza e o ambiente que eles próprios necessitam para viver.

É na Amazônia que pode estar o futuro do desenvolvimento de nossa nação, a nossa terra, a nossa beleza, a nossa natureza e o ensino para cuidarmos também de outras regiões e tornar um Brasil mais igual e mais preservado. Não é tornando a Amazônia intocável e desconhecida que iremos aprender a ama-la e preserva-la. Não amamos o que não conhecemos. Não cuidamos do que não amamos.

O desafio está em torná-la “preservadamente” produtiva e ver até onde isso pode ser feito e onde inegociavelmente não pode. A partir daí, caminharmos mato adentro e mato afora.

Ver índio onde não tem e não ver riqueza onde ela está tem sido um crime contra os brasileiros e contra o Brasil.

Usar e extrair o que for possível da natureza, sem prejudicar a mata, e preservar, com carinho e com cuidado um dos maiores patrimônios do Brasil é o que precisamos fazer e já. Pois, enquanto ignoramos, o problema acontece e cresce no nosso maior patrimônio natural e prejudicando a nossa maior riqueza.

Precisamos amadurecer e cuidar de tudo aquilo que pode oferecer o melhor para o povo do nosso Brasil. Porque a Amazônia é nossa! Sim, do Brasil. E a humidade que agradeça a Deus e a nós por tê-la e por termos sido lentos em fazer o que eles fizeram em seus territórios, quando destruíram tudo em nome do desenvolvimento. Aqui, temos a oportunidade de aprender com os erros deles e, agora, especificamente, precisamos parar de repetir os nossos próprios. É pra frente que se anda!

Semana que vem, tem mais!

Quebraram as nossas pernas!

O Jornal da Cidade Online está sofrendo ataques escancarados.

“Velhas raposas” da política, através da malfadada CPI, comandada por figuras nefastas como Aziz, Renan e Randolfe quebraram nosso sigilo bancário. Nada irão encontrar.

O TSE, por sua vez, determinou a desmonetização do JCO. Uma decisão sem fundamento, sem qualquer intimação e sem o devido processo legal. Quebraram nossas pernas!

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Lis Macedo

Mestre em Comunicação e formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora

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