A mordaça de Bárbara

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Bárbara Z. Destefani é mineira, casada, dona de casa, mãe de dois filhos, degustadora de pão de queijo, cidadã comum que, um dia, por simplesmente gostar de política e estar “ligada” nos principais acontecimentos do noticiário nacional, teve a ideia de criar um canal no YouTube para falar de política com humor.

Com muita dificuldade, no início, para manter a iniciativa, e até hoje produzindo suas lives dentro da própria casa, por esforço próprio e o apoio exclusivo do cônjuge (no trabalho de edição), graças ao seu talento, dedicação e resiliência – além do simpático e agradável estilo humorístico –, Bárbara, apesar de jovem, tornou-se, em pouco tempo, uma das principais

referências de análise política em terras tupiniquins, hoje com nada menos que 1,34 milhão de inscritos em seu canal Te Atualizei – quase o dobro da soma dos três maiores jornais de circulação do país, para o espanto (e inveja) da “grande mídia”.

Por detrás de Bárbara não existe nenhuma empresa, nenhum partido político, nenhum agente financeiro, tampouco apoio pecuniário governamental. O canal Te Atualizei sobrevive, basicamente, da propaganda da livraria que leva o seu nome (iniciativa da própria youtuber) e de uma série de cursos on line, ali propagandeados – e nada mais. Ou seja: recursos lícitos e transparentes, de origem privada e visivelmente limitados, conquanto suficientes para sustentar a (hoje) célebre influencer em sua dedicada e opcional tarefa diária, que realiza – como costuma declarar – com alegria e prazer.

Pois bem: juntamente com a cândida e despretensiosa Bárbara, cerca de dez dos mais influentes canais “conservadores” de análise política do país – a exemplo de Brasil Paralelo, Conexão Política, Terça Livre e Crítica Nacional – acabam de ser alvo de mandado de investigação e suspensão de sua monetização (apreensão de valores financeiros espontaneamente doados por seguidores), por decisão monocrática do ministro e corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), L. F. Salomão, de comum acordo com o presidente da Corte, ministro L. R. Barroso, à revelia do Ministério Público e, pior, sem a abertura, sequer, de inquérito formal pertinente, sob a alegação genérica (sem especificação de crime) de “fake News” e “ameaça à ordem democrática”.

Com isso, fica inviabilizada a sobrevivência desses canais alternativos de comunicação – propósito fulcral da medida –, impondo-se, em consequência, de forma inconcessa e autocrática, um clima generalizado de insegurança, terror e arbítrio – com o agravante da evidente parcialidade e tendenciosidade ideológica no direcionamento das intervenções.

Mas a ditadura da toga não para aí. Para além de tudo o que já foi engendrado contra o Estado democrático de Direito, notícias indicam que o TSE, extrapolando despoticamente as fronteiras de seu território jurisdicional, pretende ainda proibir, de agora em diante, a título de censura prévia (o que é constitucionalmente vedado), a monetização de todos os canais de conteúdo político que atuam nas redes sociais, por meio de resolução específica a ser publicada em breve, impingindo mordaça seletiva à liberdade de expressão em todas as plataformas da internet, com notória coação às ações políticas futuras tanto de candidatos, quanto de apoiadores oponentes às preferências de “Suas Majestades”.

Some-se, ainda, a toda essa escandalosa barafunda judiciária, a operação discricionária e antidemocrática das plataformas Facebook, Twitter, Instagram e YouTube em censurar – com a conivência das autoridades forenses – posts politicamente divergentes de seus interesses, compelindo à redução do alcance de suas visualizações e compartilhamentos, por manipulação delitosa dos algoritmos controlados pelo sistema.

Em suma: o Poder Judiciário, infringindo, descarada e impunemente, a cláusula pétrea da autonomia e harmonia entre os Poderes, passa a desempenhar, totalitariamente, o papel de legislador e executor máximo do ordenamento político, usurpando, à luz do dia, prerrogativas que não lhe foram delegadas pelo supremo soberano, o povo, e cujo resultado – ultrajante para a sociedade – é a institucionalização, ilícita e ilegítima, de um regime ditatorial de extrema virulência, aniquilador, “em última instância”, dos direitos fundamentais dos indivíduos – contra o que, ante à capitulação do Senado, não há a quem recorrer.

Mais escandaloso, contudo, é a postura cúmplice e infame de instituições e atores políticos que, num passado não muito distante, costumavam denunciar as arbitrariedades da ditadura da farda, justo, em favor da liberdade de expressão: OAB, ABI, CNBB, etc. – além de certos artistas e intelectuais hipocritamente afamados como “bastiões da democracia”.

Cabe relembrar, nesse mesmo tom, na moldura similarmente agrilhoada da presente conjuntura, que “Bárbara”, àquela época, também foi um ícone de protesto contra a opressão militar pós-64, celebrizada na memorável letra da canção de Chico Buarque de Holanda, transformada em símbolo e efígie da luta por emancipação e liberdade:

“(...) Ele sabe dos segredos que ninguém ensina

Onde guardo o meu prazer, em que pântanos beber

As vazantes, as correntes

Nos colchões de ferro ele é o meu parceiro

Nas campanhas, nos currais

Nas entranhas, quantos ais, ai!

Cala a boca - olha a noite!

Cala a boca - olha o frio!

Cala a boca, Bárbara!

Cala a boca, Bárbara!”

Hoje, por ironia do destino, são os ditadores da toga (e não mais os da farda), ao lado dos “libertários” de ontem e dos “progressistas” do presente, que vociferam, desfaçada e coniventemente, em toda a sua putrefata sordidez e hipocrisia, de olhos e ouvidos fechados para o passado, sem peso na consciência, a mesma advertência intimidatória de antanho, de patente insígnia fascista:

“CALA A BOCA, BÁRBARA!”

Para os autodeclarados arautos da “liberdade” e da “justiça”, a “democracia”, ao que parece, só vale para um lado.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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O TSE, por sua vez, determinou a desmonetização do JCO. Uma decisão sem fundamento, sem qualquer intimação e sem o devido processo legal. Quebraram nossas pernas!

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