Suprema Hipocrisia: Sem moral para cobrar de outrem aquilo que não cumpre
03/08/2021 às 18:45 Ler na área do assinantePor ocasião da reabertura dos trabalhos do STF, após o recesso de julho, justo no dia seguinte às vultuosas manifestações que varreram todo o Brasil em favor da introdução do voto impresso auditável nas urnas eletrônicas, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, resolveu se pronunciar à nação, em contraponto à plêiade de acusações diretamente direcionadas a membros Tribunal, emitindo um recado indireto, em nome do colegiado, ao reputado “inimigo comum”: o Presidente da República – considerado, por todos os pares, o grande responsável pelo “ataque às instituições” e pela instabilidade reinante no país.
Os argumentos de princípio contidos no moderado, ainda que incisivo discurso de Sua Excelência, conceitualmente fincados nos melhores axiomas da república e da democracia, soariam irretorquíveis e incontestáveis não fosse um “pequeno detalhe”: a ausência de coerência por parte da fonte emissora.
Pois tem sido, justa e paradoxalmente, o próprio STF a instância estatal que, por primeiro, ao invés de dar bom exemplo e zelar pela moderação de conduta, tem sistematicamente exacerbado em sua atuação (ativismo judicial), abusado de sua autoridade (ativismo político), interferido arbitrariamente em outros Poderes (totalitarismo), desrespeitado cláusulas pétreas constitucionais, como a liberdade de expressão (autoritarismo) e, por conseguinte, corrompido o Estado de Direito pelo qual, agora, reivindica, sem qualquer escrúpulo, respeito – não tendo, portanto, moral para apelar e, muito menos, cobrar de outrem aquilo que não cumpre.
Bastaria considerar os seguintes trechos do “sermão” fuxiano para se concluir que tudo não passa de uma suprema hipocrisia:
“(...) é de sabença que o relacionamento entre os Poderes pressupõe atuação dentro dos limites constitucionais, com freios e contrapesos recíprocos, porém com atuação harmônica e alinhamento entre si em prol da materialização dos valores constitucionais. Porém, harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições.
Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública. Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente os valores democráticos consolidados ao longo de séculos pelo suor e pelo sangue dos brasileiros que viveram em prol da construção da democracia de nosso país (...) Saibamos ouvir a voz das ruas para assimilarmos o verdadeiro diálogo que o Brasil, nesse momento tão sensível, reclama e deseja.”.
Eis, ipsis litteris, em destaque, tudo o que Suas Excelências não praticam. A prova cabal, forjada de próprio punho, de sua extrema incoerência, indisfarçável deboche, inominável desfaçatez.
Do alto de sua coletiva indignidade, “Suas Majestades” enlamearam a imagem da nobre instituição que representam e, em consequência, caíram no absoluto descrédito popular, incitando, impunemente, de dentro de sua vergonhosa e insensível redoma, a insegurança jurídica, a injustiça estrutural e a ira popular.
A reação imediata, em Nota conjunta, do Clube Militar, do Clube Naval e do Clube de Aeronáutica (oficiais da reserva das Forças Armadas) ao pronunciamento do presidente do STF e em favor da proposta do voto auditável (a ser julgada por Comissão Especial da Câmara no próximo dia 5 é um sintoma evidente e ostensivo do aguçamento da crise institucional instalada em solo nacional, e que tem como tumor primário de toda a evolução metastática ora em curso exatamente a patológica atuação do STF, agravada pela do TSE – do primeiro, um “puxadinho”.
Caberia, agora, aos ministros do Supremo – que também dirigem, em revezamento, o Tribunal Eleitoral –, diante de um cenário tão alarmante e num exercício dignificante de Poder Moderador, dar o exemplo e o primeiro passo em favor desse “diálogo” preconizado por seu presidente, sinalizando à nação, por atos concretos (e não por retórica), que estão também dispostos a pacificar o ambiente, cedendo em suas controversas “convicções” e polêmicas picuinhas (como a da negação peremptória da auditagem impressa do voto), em prol do apaziguamento dos espíritos e pelo bem do país.
O acatamento à proposta de reforço à credibilidade do sistema eleitoral (atualmente sob suspeita), por certo, com a introdução do voto impresso auditável nas urnas eletrônicas, já seria um símbolo acreditador dessa nova postura, com a superação do “pomo da discórdia” de momento – mesmo porque tal modificação em nada prejudica o sistema em vigência (ao contrário), muito pelo contrário.
Ou é isso, ou tudo não passará (mais uma vez) de mi-mi-mi, pantomima – reforçando ainda mais o descrédito na única instituição que, por ser de “Justiça”, jamais poderia ter enveredado pelo caminho da tramoia, da impostura e do golpismo.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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