Os bons ladrões voltaram

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“Porque eu e meus companheiros sofremos de uma doença do coração que só pode ser curada com ouro”. (Hernan Cortês, conquistador do México - Uma Breve História da Humanidade - Yuval Noah Harari)

Amigos, o Brasil é uma República diferente das outras Repúblicas. Aqui todos os poderes e privilégios que haviam na Monarquia e foram abolidos em outros países, neste torrão foram mantidos.

No Brasil, qualquer cidadão comum que ascende a um alto cargo público é imediatamente tratado como Vossa Excelência. Isto é, da noite para o dia o advogado de bandidos, advogados de porta de cadeia, advogados que enganam famílias e bancos, advogados de sindicatos, o médico que nunca cuidou de pacientes, o agiota, o humorista, o invasor de terras, o pastor, o fazendeiro, o homem da banca do jogo do bicho, o cantor de MPB que se mete a reformista do mundo, o ativista de esquerda que jamais trabalhou, o agricultor que nunca plantou nada, o escritor que não entende de administração, o cantor de rap são imediatamente elevados a outra categoria: tornam-se Excelências!

São os novos Sábios da Nação!

Eleitos para representar aqueles cujas as vozes não são ouvidas: o cidadão que paga impostos, os que vão para o trabalho de trem ou de ônibus, os que moram em pífias habitações de um cômodo, esses eleitos esquecem suas origens e se tornam, imediatamente, cidadãos diferentes.

Como num passe de mágica adquirem nobreza, inteligência e consciência moral. De repente, não são mais comuns, são Excelências!

O plebeu eleito agora é um homem da corte do Brasil. Um título de nobreza instantaneamente lhe é conferido e o eleito, que antes era apena um cidadão qualquer, a ele é conferido o direito às regalias, rapapés, suas mulheres se tornam madames e vão às compras em carros oficiais do Estado, pagos com o dinheiro dos impostos do povão que os elegeu para representá-los.

A eles são outorgados veículos de último tipo, motoristas, secretárias particulares, viagens de jatinho, hospedagem em hotéis caríssimos ou verbas caudalosas. Uma vida de luxos e privilégios.

Esses direitos que os parlamentares adquirem depois de eleitos, são frutos da Constituição escrita em 1988. É lá que está a chave do problema. Os Constituintes, em nome da democracia que proclama igualdade entre todos, escreveram uma Constituição, a qual chamaram de cidadã, onde anotaram que as autoridades brasileiras estarão providas de direitos diferentes dos direitos do cidadão comum e serão mantidos pelo Estado com regalias de nobres. Praticaram contra a nação, com esse ato, um crime hediondo!

Com esses direitos e privilégios as autoridades brasileiras se tornaram o próprio Estado, legislando com poder absoluto sobre a vida e a morte dos cidadãos que os elegeram e no caso dos juízes do supremo, eles mesmos se autoproclamaram Senhores da Nação. Esses “direitos de nobres” foram mascarados dentro da Constituição com palavras dúbias, que permitem a interpretação que a “autoridade”, dependendo de seu humor, quiser dar.

Padre Antônio Vieira, no “O Sermão do Bom Ladrão”, que foi escrito em 1655, e proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte, presentes também os maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros, disse ele:

“Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim:
- Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?
Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres”.

Cheios de direitos e poderes, nossas Digníssimas Excelências, os Alexandres brasileiros do Congresso, constituído por 513 Deputados e 81 Senadores, votaram e aprovaram o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em 15/07/2021 e triplicaram o bilionário fundo eleitoral, passando de (1,8 bilhão) para (R$ 5,7 bilhões). Esse dinheiro, destinado a reeleição das Excelências, foi acordado por todos os partidos, na Câmara e no Senado.

Descoberta a trama, Deputados e Senadores fazem “cara de paisagem”, de inocentes, de desentendidos, presumindo que os brasileiros sejam um bando de otários. Alguns, indignados ensaiam uma reação, mas rejeitaram votar um destaque à Lei de Diretrizes Orçamentárias que excluía o aumento do valor do fundo. Outros, recorrem à Justiça para anular a sessão que aprovou a LDO, mas permaneceram calados, nada denunciaram, a não ser quando expostos.

Os 513 Deputados foram eleitos para falar e proteger os que não tem voz.

Os 81 Senadores foram eleitos para representar e defender o cidadão comum.

Os dois grupos se tornaram Excelências, se tornaram nobres e como Hernan Cortês, Senadores e Deputados “sofrem de uma doença do coração que só pode ser curada com ouro”.

Diz ainda Vieira no “Sermão do Bom Ladrão”:

“Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província!
E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes?
De um nobre chamado Seronato disse Sidônio Apolinar:
- Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não é zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só”.
O Brasil está infestado de “homens nobres como Seronato”.

Está abarrotado de “Autoridades” iguais a Alexandre.

Está cheio de “Excelências” idênticas a Hernan Cortês.

De onde saíram estes homens que se apresentam como “Excelências” e de forma tão vil achincalham a nação?

Nós, cidadãos brasileiros, ainda não podemos alterar as leis escritas na Constituição de 1988 por uma Assembleia que, maldosamente, legislou em causa própria, introduzindo, matreiramente, direitos divinos dos Reis às autoridades brasileiras, mas podemos retirar, em 2021, através do voto, os 513 Deputados Federais, todos!

Podemos demitir 1/3 do Senado ou 27 Senadores!

Podemos votar em outras pessoas. Podemos e devemos renovar todo Congresso. Votar naqueles que estão dispostos a fazer 3 coisas:

- Reescrever a Constituição, retirando dela os direitos e privilégios de Reis e Nobres concedidos aos Deputados, Senadores, Juízes e aos altos cargos da República;
- Acabar com o Fundo Eleitoral, que retira bilhões dos cofres públicos e serve apenas para reeleger Vereadores, Deputados, Senadores e Governadores.
- Retirar a obrigatoriedade do uso de Excelências para autoridades que representam o povo, foram eleitas pelo povo, são mantidos pelo povo, além de exigir voto livre, não obrigatório, urnas auditáveis e punição para os Juízes do Supremo que se acham donos da nação.

Podemos e devemos! Basta um simples gesto e tornaremos o país melhor.

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Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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