Realidade urbana perversa

20/06/2016 às 06:37 Ler na área do assinante

Em um evento realizado em São Paulo, o Presidente do IAB, arquiteto Sérgio Magalhães, levantou uma questão inquietante: nos últimos 50 anos, desde a criação do BNH, o Brasil produziu mais de 50 milhões de habitação, dos quais menos de 10% o foram com financiamento. Sejam os bancários, como os programas de conjuntos habitacionais do BNH e do Minha Casa e Minha Vida e congêneres.

A quase totalidade das novas construções foram feitas com as poupança das famílias. O que leva logo às imagens das favelas e da autoconstrução. 

E mais, que mesmo com a estabilidade demográfica, em função da redução de pessoas por domicílio que está se reduzindo do nível de 3 pessoas, para 2, haverá necessidade construir - pelo menos - o equivalente a metade das cidades existentes: aumentar em 50% o número de habitações, nos próximos 50 anos.

Com grandes impactos sobre a necessidade de infraestrutura, principalmente a mobilidade urbana e os serviços de esgotos.

Como sou um cético por natureza, fui checar os dados e os busquei no SIDRA (banco de dados do IBGE) as informações mais antiga da PNAD. Num primeiro momento só consegui chegar até 2001. Com os dados comparativos a 2014. 

Encontrei algumas inconsistências entre as diversas tabelas, então fixei numa que relaciona os domicilios com o atendimento de serviços de esgoto.

O resumo está na tabela 1 a seguir:

Os dados acima confirmam a produção de cerca de 20 milhões de novas habitações, entre 2001 e 2014. Não levantamos os dados sobre os financiamentos, mas os conhecidos não alcançariam 4 milhões. Vamos verificar.

Enquanto o número de moradores em domicílios particulares aumentou no período 17,9%, o número de moradias aumentou 41%, confirmando a colocação do Arquiteto Sérgio Magalhães de que mesmo com a estabilidade do tamanho da população, haverá necessidade de um significativo aumento da produção de habitações. 

Já na avaliação do atendimento por serviços de esgotos, ainda que tenha aumentado proporcionalmente o número de domicílios atendidos, parte do aumento não foi atendido. Ou seja, a melhoria dos serviços aumenta o atendimento dos que ainda não tinham o serviço, mas não consegue acompanhar todo aumento de domicílios. 

Outro dado relevante é que a quase totalidade dos domicílios urbanos conta com serviço de tratamento dos esgotos, mas ainda é baixo o percentual de atendimento pela rede coletora.

O que precisa ser discutido é se solução do saneamento está na universalização dos serviços públicos de coleta de esgotos ou são aceitáveis soluções menos complexas e caras como as fossas sépticas. 

A visão do saneamento é dominada pela visão das companhias de saneamento que querem "vender" os seus serviços, demonstrando a existência de um déficit enviesado.

Do ponto de vista sanitário, o fundamental é que haja o tratamento dos esgotos e não necessariamente a coleta pela rede pública. Até porque esses sistemas coletam, mas não tem capacidade de tratar. 

Dessa forma as soluções mais rudimentares são mais viáveis do ponto de vista econômico e ambiental.

Outra questão que deve ser discutida é a participação da arquitetura e da engenharia na construção majoritária que tem características informais, tanto do ponto de vista empresarial, como trabalhista e profissional.

A maior parte dessas obras é feita por um "mestre de obra" ou por um "pedreiro experiente", que trabalha sem empresa e sem nota. Chama alguns colaboradores com pagamento em dinheiro sem recibo formal e com os descontos fiscais e previdenciários. E os profissionais não tem registro no CAU ou no CREA. Como não se valem de profissionais registrados, são consideradas obras sem engenharia e sem arquitetura. É a visão corporativa dos profissionais. 

Na realidade são obras que tem engenharia e arquitetura, mas não tem engenheiros com CREA, tampouco arquitetos com CAU. 

Como os números demonstraram a realidade, que continua não sendo aceita, os formais são minoria. E a maioria não pode ser considerada marginal ou minoria.

A engenharia e arquitetura formal precisam mudar paradigmas e encontrar novas formas de atuação sobre essa realidade para melhorar a vida das pessoas na cidade. 

Jorge Hori

Jorge Hori

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