Violência deixa marcas (in)visíveis nos idosos

21/06/2021 às 13:10 Ler na área do assinante

Abusos contra idosos sempre chocam, mas a conscientização social sobre o problema ainda precisa ser estimulada para que seja possível prevenir e denunciar os casos de maus tratos aos mais velhos. No mês de junho, quando se celebra o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, dia 15, o fortalecimento do combate a esse tipo de violência se intensifica.

Em 2020, a Operação Vetus foi deflagrada. Este ano, a Operação Senectus, ambas com o intuito de proteger os idosos e coibir práticas que violem seus direitos.

Em 2019, as denúncias de violações contra esse segmento ocuparam a segunda maior demanda do Disque Direitos Humanos, o Disque 100. Foram cerca de 48,5 mil denúncias, distribuídas por todos os estados, com destaque para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Desde o início da pandemia, momento de maior vulnerabilidade da população mais velha no Brasil, esse número não parou de crescer.

Apenas no primeiro semestre deste ano, foram registradas mais de 33,6 mil denúncias de violação de direitos dos idosos. No ano passado, entre março e junho, o número de denúncias cresceu cerca de 59% em relação ao mesmo período do ano anterior.

De acordo com a cartilha publicada pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa em 2020, a violência contra a pessoa idosa é, em geral, praticada por alguém da família, em 83% dos casos. A mulher, de cor branca, com idade entre 76 e 80 anos e ensino fundamental incompleto é a principal vítima.

Entre os principais agressores, estão os filhos, depois as filhas, noras, genros, cônjuges e cuidadores, na faixa etária adulta, com maior quantitativo para aqueles entre 41 a 59 anos. O local da violação contra a pessoa idosa ocorre, em sua maioria, na própria casa da vítima (81% das ocorrências).

A violação que concentra o maior volume é a negligência, quase 80% do total, caracterizada pela omissão de cuidados básicos, como privação de alimentos, medicação e higiene; seguida de violência psicológica (24%). Essa segunda violação mais comum trata-se de um abuso invisível, que inclui comportamentos que prejudicam a autoestima ou o bem-estar do idoso, entre eles, xingamentos, sustos, constrangimento, destruição de propriedade ou impedimento de que vejam amigos e familiares.

Seguem-se, ainda, o abuso financeiro (20%) e a violência física (12%). Em algumas situações, os abusos são realizados na forma de beliscões, empurrões, tapas, ou agressões que não evoluem com sinais físicos.

O objetivo dos mais variados atos abusivos é aterrorizar os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social. Entre as causas dessa violência, estão a desvalorização e a falta de respeito pela pessoa idosa; o desconhecimento da lei e dos direitos dos cidadãos mais velhos; a ideia incorreta de que o patrimônio das pessoas idosas pertence também aos seus familiares e que esses últimos têm legitimidade para decidir em nome dos mais velhos.

A sensação de impunidade somada à certeza de que o idoso não terá coragem ou não conseguirá prestar queixa acaba por contribuir para que as práticas abusivas se perpetuem no país.

Embora a violência contra idosos seja um fenômeno de notificação recente no mundo e no Brasil, os maus tratos precisam ser expostos, não são problemas da intimidade familiar, nem podem continuar ignorados. O preconceito, traduzido por expressões ainda muito usadas para se referir aos idosos, como “ah, é velho mesmo'' ou “peso morto”, deve ser combatido e não reflete a realidade por eles vivida. No imaginário social, a velhice é considerada como “decadência” e os idosos como “passados” e “descartáveis”.

Análise de pesquisadores do IBGE das informações da Pnad, que faz parte da SIS (Síntese de Indicadores Sociais), mostra que, no Brasil, 53% dos idosos são responsáveis por mais da metade da renda familiar. A situação é ainda mais expressiva no Nordeste, pois a quantidade de domicílios sustentados predominantemente por idosos sobe para 63,5%. Além de contribuírem para o orçamento familiar, muitos são chefes de família. Grande parte recebe aposentadoria, pensão ou auxílio do governo.

Muitos continuam trabalhando. Eles têm direito a envelhecer com saúde e qualidade de vida.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada no quarto trimestre de 2019, do total de 210,1 milhões de brasileiros, 34 milhões são idosos. A partir dos dados do Censo de 2010, o IBGE estima um incremento médio de mais de 600 mil pessoas idosas a cada ano, nos 10 anos seguintes. O processo de envelhecimento populacional no Brasil tem sido muito mais intenso do que no cenário global.

A revisão de 2019 das perspectivas da população mundial da ONU aponta que o número de brasileiros idosos de 60 anos e mais era de 2,6 milhões em 1950, passou para 29,9 milhões em 2020 e deve alcançar 72,4 milhões em 2100. O crescimento absoluto foi de 27,6 vezes. A população idosa de 60 anos e mais representava 4,9% do total de habitantes de 1950, passou para 14% em 2020 e deve atingir o percentual de 40,1% em 2100, um aumento de 8,2 vezes no peso relativo entre 1950 e 2100.

Esse grupo crescente de bisavós, avós e pais com mais de 60 anos necessita não apenas de uma política de promoção e defesa dos seus direitos, dentro de um enfoque do respeito, de tolerância e da convivência intergeracional, como de ações de prevenção e enfrentamento da violência. Hoje, a geração idosa já dispõe do Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa, resultado do esforço conjunto do governo federal, do Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos (CNDI) e dos movimentos sociais.

Recentemente, foi criado o Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, voltado para iniciativas de proteção aos idosos e a outros grupos vulneráveis. O uso de operações policiais planejadas com base nas denúncias do Disque 100 para prender agressores de idosos tem se mostrado um instrumento eficaz de enfrentamento.

As denúncias se tornaram mais acessíveis. Além do Disque 100 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, há o número do Whatsapp do ministério: (61) 99656-5008. Também podem ser feitas nas Delegacias Especializadas na Proteção ao Idoso ou em qualquer delegacia, caso não haja uma específica na cidade.

Outro canal é o site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh). Os conselhos estaduais ou municipais dos Direitos da Pessoa Idosa e o Ministério Público também recebem denúncias. Ainda pode ser acionado o número 190 (da Polícia Militar, para situações de risco) ou o 192 (para socorro urgente). Mas o que mais pode fazer a diferença é a mudança na atitude da sociedade moderna: sair da omissão pode significar uma redução no sofrimento dos idosos ou até mesmo salvar suas vidas.

Afinal, já é hora de se fazer cumprir a plena aplicação de uma lei de 2003, o Estatuto do Idoso e proporcionar o envelhecimento com dignidade a todos.

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Simone Salles

Jornalista, Mestre em Comunicação Pública e Política

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