A cultura do estupro pode ser observada quando não há denúncias ou clamor popular contra este tipo de ato violento, quando os autores desta violência não são punidos, quando se transfere uma aura de vitimismo a quem sofreu abuso, ou quando mesmo recai sobre a mulher o peso precedente [“ela é a culpada!”] e das consequências do ato criminoso, por exemplo, gravidez ou DSTs.
Os casos do estupro das jovens do Piauí e do Rio de Janeiro, reabre uma discussão que nunca cessa: a violência contra a mulher. Como Psicopatologista entendo o estupro como um ato em que há do agressor o desejo claro de gerar dor, a dor alheia o satisfaz sexualmente, ver o outro impotente e vendido ao escândalo da agressão que é não somente física, mas moral, emocional e afetiva, gera o gozo do agressor.
O estupro deve ser visto no campo das Parafilias, mesmo que parafilias nem sempre sejam seguidas de agressão sexual. Mas como disse, o desejo é gerar dor e constrangimento, isso pode ser observado no sadismo sexual, é a tentativa de submissão de onde nasce ou pode ser semente do que se hoje discutimos como cultura do estupro.
Esta cultura perdura ainda no século XXI. A cultura é o produto e a reprodução de costumes, moral, crenças, hábitos e aptidões, e não à toa e até seguindo a recomendação da ONU, não há como não ver essas situações sem que se incorpore a perspectiva de gênero na investigação, ao processo e julgamento desses casos, estamos falando de um crime hediondo, e as vítimas necessitam de acesso à justiça e a reparação, para evitarmos a revitimização.
Uma das formas de revitimização se dá pela exposição social da vítima e do crime, quando se divulgam imagens e vídeos nas redes sociais e outros meios de comunicação o que tem sido muito comum, as pessoas não se percebem que este comportamento viola o respeito à dignidade humana, rompe a privacidade, gera a culpabilização e os julgamentos morais baseados em preconceitos e discriminações machistas e sexistas.
Discriminar e reduzir a mulher a uma seguidora do masculino, a gênese do criacionismo constitui mulher uma parte do corpo do homem, alguém que estava ali para aliviar a solidão e dar tranquilidade; muito facilmente na história humana é reconhecível o papel feminino como um ego auxiliar do masculino.
Certas ideologias religiosas defendidas no Brasil atualmente reatam esse elo do homem o Sr. da mulher, uma regressão ao patriarcado ou ao mais antigo dos movimentos pragmáticos da cristandade medieval.
Esse fato lamentável não é uma exclusividade brasileira, em muitos países de cultura paternalista e/ou mesmo religiosa quais subjugam a mulher, as deslocam ao patamar de inferioridade em importância e status quo na sociedade, mulheres são violentadas, encarceradas, destituída de direitos, escondidas e proibidas à uma vida independente.
Ouvi uma ideia muito interessante outro dia que me levou pensar: na hora em que educarmos nossas crianças na igualdade e nas mesmas responsabilidades, o mundo pode caminhar em direção ao respeito entre as pessoas.
O jogo moral no brincar nas idades mais ternas, inicia à criança uma formação de esquemas que definem diferenças entre homens e mulheres, e não são apenas as diferenças biológicas, mas diferenças psicossociais –, ainda formamos cidadãos misóginos e cidadãs submissas –, ainda moldamos preconceitos.
A violência contra a mulher pode se manifestar de diversas maneiras, há um erro comum em classificar a violência como um ato de agressão física apenas, contudo, a privação, a subjugação, o preconceito, a discriminação, o assédio, a desvalorização, ou seja, a violência psicológica e social, são também atos de agressão. Componentes descritivos e característicos da agressão à mulher são “qualquer ato ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada, é considerado violência” (Convenção Interamericana, 1994).
Desde o ano de 2006, com a efetivação da Lei Maria da Penha que visa proteger a mulher, houve um aumento de 600% de denúncias referentes a agressões, destes, 57% são de características de agressões físicas. Poucas pessoas sabem que uma mulher é estuprada a cada três horas no nosso país. E o que justifica tão alarmantes números? A impunidade!
Por um lado, é bom saber que as mulheres estão se pronunciando a respeito do que as vem acontecendo, mas por outro, é assustador constatar que permanecemos cometendo os mesmos erros: não evoluímos o suficiente para compreender o quão absurdo é a agressão e toda falta de respeito à mulher com a propagação de discursos reducionistas sobre o fenômeno na mediação de uma propaganda da “moral do macho”.
Mulher há tempos deixou de ser “guia de fogão” ou “Sra. de um Senhorio”, passa no mundo atual e especificamente a sociedade Brasileira a impor uma identidade própria, forte e livre, que gere e concerne os direitos e dividendos, é ao mesmo que feminina, uma força de trabalho e importante aliada da economia seja na produção como no consumo.
Os casos de violência sexual contra as menores do Piauí e Rio de Janeiro as quais nos levaram a discussão forte sobre não somente ao ato hediondo, mas a cultura que “afaga” e perdoa o estuprador, vem nos lembrar de que ainda temos muito que conquistar e que ainda a mulher necessita da proteção do Estado e da educação e conscientização do povo, para poder um dia ter acesso à liberdade, o respeito, a igualdade e aos direitos que tanto merece.
Robson Belo
Psicólogo, Psicopatologista e Psicoterapeuta
Robson Belo
Psicólogo