O tribuno Marcus Tullius Cicero escreveu em um de seus livros de retórica: “Segundo preparares a semente, assim colherás” (Ut sementem feceris, ita metes), e Saulo de Tarso escreveu aos Gálatas: “O que o próprio homem semeou, colhe”. Os petistas estão colhendo o que plantaram ao longo de 13 anos de governo, mas seus ex-parceiros peemedebistas estão fazendo o próprio plantio, e pensam na colheita que virá.
Está muito difícil chegar a uma análise conclusiva sobre o panorama institucional brasileiro porque as ações políticas dos homens públicos, situacionistas e oposicionistas, não são claras em suas intenções reais. A complexidade da retórica usada é tão grande que chega aparentar contradições programáticas ou ideológicas (se é que existem) racionalizadas para confundir os observadores e analistas.
Racionalizar, em psicanálise, é tentar justificar atos ou condutas pessoais ou de grupos. Lógica é a parte da filosofia que trata do pensamento em geral (dedução, indução, hipótese, ingerência, tese) e das operações intelectuais que visam à determinação do que é verdadeiro ou não. Governistas são os partidários do governo.
A presidente Dilma Rousseff foi afastada e o vice Michel Temer assumiu interinamente fazendo mudanças organizacionais e operacionais. A estrutura adotada lembra a dos anos 60/70 do século XX, quando não existia ministério de Cultura nem de Ciência e Tecnologia, entre outras coisas. O grito de guerra de 1964 era “abaixo a corrupção e o comunismo”, agora é “abaixo a corrupção e fora o petismo”. Os economistas dividiam-se entre monetaristas (Roberto Campos, Simonsen e Delfim Netto) e estruturalistas (Celso Furtado, entre outros), hoje são os neoliberais chefiados por Henrique Meirelles, e os desenvolvimentistas sem liderança. Naqueles tempos apenas duas mulheres chegaram a ministras, agora nenhuma. A logomarca da gestão Temer é a mesma da Ditadura Militar (1964-1985). Há mais coincidências, inclusive de políticos que lá estavam e continuam, sem nunca terem deixado o poder.
Os atuais governantes desencadearam um bem sucedido movimento contra a corrupção alegando que era necessário expurgar os corruptos denunciados pela justiça da cúpula do poder. Entretanto, ao assumirem o governo, nomearam-se sete ministros denunciados por corrupção, e mais dois filhos de políticos conhecidos da Justiça: Jader Barbalho e José Sarney.
Anunciaram a redução de ministérios para enxugar a “máquina governamental” e, para tanto, alguns ministérios foram fundidos e outros extintos, mas criaram-se outros órgãos equivalentes, e mais “secretarias especiais” para execução das atribuições dos ministérios incorporados ou extintos. Como nenhum cargo comissionado foi extinto, trocou-se seis por meia dúzia, ficando tudo como era antes.
Nomearam-se os ministros, o que havia de melhor nas hostes aliadas que sustentarão ao novo governo nos próximos dois anos e meio. Nenhuma mulher entrou nessa relação porque, entende-se, nenhuma aliada (e nenhum negro) estava à altura dos cargos ministeriais em negociação. Como as feministas protestaram e os negros se calaram, o presidente interino se comprometeu a encontrar mulheres para o segundo escalão. A primeira escolhida (que aceitou) foi Maria Silvia Marques, formada em administração pública, para a presidência do BNDES, não pelo seu vasto e comprovado curriculum, mas por ser mulher. Outras virão, apesar de algumas convidadas terem recusado a honraria ofertada.
Os ex-oposicionistas, incluindo os órgãos do Sistema S, bradavam impropérios frente às propostas de retorno da CPMF e o aumento da alíquota da CIDE. Agora se calam quando o ministro Henrique Meirelles, representante dos banqueiros, afirmou em entrevista à Rede Globo, que é necessário o renascimento da famigerada CPMF, ou na melhor das hipóteses, de imediato o aumento da alíquota da CIDE.
O desemprego de 7,9% era inaceitável pelas lideranças sindicais, mas quando Meirelles declarou que, no decorrer de 2016, as medidas econômicas elevarão o desemprego para 14%, as centrais sindicais fizeram silêncio e o deputado Paulinho da Força justificou que, se é para o bem do país, vale o sacrifício.
O presidente interino afirmou que os programas sociais e os direitos adquiridos seriam intocáveis. Entretanto, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, declarou que o SUS será revisto porque o “país não será capaz de sustentar todos os direitos adquiridos”, e arrematou: “Não adianta lutar por direitos que não poderão ser entregues pelo Estado”, porque é preciso diminuir o endividamento público.
Alguns projetos do programa “Minha Casa, Minha Vida” foram cancelados, o Bolsa Família está sendo revisado e a reforma da previdência social já está em andamento.
Esse é começo do governo Temer, e muita coisa ainda virá. Enquanto isso, a inflação cresce, a recessão se aprofunda, o desemprego aumentará, a carga tributária e as taxas de juros também aumentarão. Mas os banqueiros e rentistas estão satisfeitos.
O povo sabe que “haverá lágrimas e ranger de dentes”, mas que a equipe econômica não tem alternativa.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.