A realidade pandêmica: O único trabalho considerado ilegal

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Parei o carro em um estacionamento escondido e fiquei aguardando, de janelas fechadas, a última pessoa subir.

O segurança, um rapaz magro, um pouco mais novo que eu, virou as costas e fingiu que não me viu entrar no prédio.

Desci dois lances de escadas, iluminados apenas pela pouca luz natural que entrava, e cheguei a um corredor escuro e silencioso.

Sozinho, na penumbra, caminhei até o estabelecimento e bati três vezes na porta. Uma mulher mascarada abriu uma fresta, mantendo o corpo escondido, e me indicou com o dedo para que subisse outra escada, até um mezanino cuja única janela estava completamente coberta por uma cortina grossa e preta.

Era estranho estar naquela situação, fazendo algo escondido, proibido, com a sensação de ser vigiado, mas a necessidade era maior; eu precisava daquilo. No fim da segunda escada, encontrei uma outra porta, já entreaberta. Cumprimentei o dono do estabelecimento com um soquinho na mão e ele me mandou sentar na cadeira.

Até que enfim consegui cortar o cabelo! Parecia que eu estava com um Poodle deitado na cabeça.

Na volta pra casa, já de noite, passei por uma avenida central, conhecida pela prostituição de mulheres e transexuais. Na minha frente, uma viatura rondava devagar, com o giroflex ligado, e era acompanhada pelo olhar das profissionais da noite, que ocupavam tranquilamente seus pontos.

Resolvi mudar a rota e adentrar em outra avenida, que já não estava no meu caminho, mas é famosa pela venda de entorpecentes. Percorri seus vários quilômetros e pude ver, em cada esquina, os "olheiros" posicionados, sentados nas calçadas e apoiados nos muros, indicando que o "comércio" estava em pleno funcionamento.

Decepcionado, indignado, mas assustadoramente crédulo no que via, chacoalhei a cabeça, aumentei o volume do som e voltei pra casa, com a certeza de que, na realidade pandêmica, o único trabalho ilegal é o honesto.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO!!!

“Meu caro amigo, a vida é infinitamente mais estranha que qualquer coisa que a mente do homem possa inventar. Não nos atreveríamos a conceber coisas que são, afinal, lugares-comuns da existência. Se pudéssemos sair a voar de mão dada por aquela janela, pairar sobre esta cidade, tirar cuidadosamente os telhados e espreitar as coisas esquisitas que estão a passar-se , as estranhas coincidências, as maquinações, os objetivos cruzados, as maravilhosas cadeias de acontecimentos que vão funcionando durante gerações e levam aos resultados mais 'outrés', a ficção tornar-se-ia, com os seus convencionalismos e conclusões previstas, muito cediça e sem interesse.” (DOYLE, Sir Arthur Conan - Sherlock Holmes - Um caso de Identidade)

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Felipe Fiamenghi

O Brasil não é para amadores.

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