Reforma agrária ou picaretagem?

14/05/2016 às 09:20 Ler na área do assinante

Na década de 80 do século passado presenciei a chegada a Corumbá (MS) dos primeiros acampados sem-terra para assentamentos ali criados. Eram pessoas miseráveis, estampadas nos olhos as privações passadas, mas ao mesmo tempo orgulhosas pelo resultado de uma luta vitoriosa. Com poucos pertences, ergueram suas barracas à beira da BR 262, esperançosos porque receberiam em pouco tempo seus lotes definitivos. Foram meses de espera, com falta de água e de alimentos, sobrevivendo da solidariedade dos corumbaenses. Mesmo assim continuavam a sonhar com a conquista de um pedaço de chão para suprir as suas necessidades básicas.

Para os corumbaenses, era uma situação nova na histórica região, caracterizada pela predominância da grande propriedade e pela pecuária extensiva. Para muitos, esta migração era uma temeridade e vista com descrédito e intranquilidade.

Além disso, a primeira área escolhida para o assentamento era insalubre, com lajes de pedra e água salobra. Tiveram a terra, mas continuaram muito pobres e miseráveis. O Estado deu a eles, como um favor, terras impróprias ao cultivo e muito poucos tiveram sucesso. Mesmo assim, hoje Corumbá conta com vários assentamentos.

Nos primeiros tempos, havia uma prática desonesta dos assentados que vendiam os seus lotes e procuravam outros acampamentos de sem-terras para receber novos lotes. Infelizmente, esta prática continua até hoje, de uma maneira ou outra, sem que o Incra consiga, muitas vezes por conivência, coibir.

Creio que para inibir a esperteza desses vigaristas, travestidos de assentados, somente um efetivo controle através de cadastro nacional de beneficiados. 

Por outro lado, parece que o Incra não consegue efetivar um controle.

O caso não ocorre somente na zona rural, pois também existe uma verdadeira farra de comércio desonesto nos projetos de casas populares na zona urbana. Isso tudo custeado com os nossos impostos. Segundo informações do Ministério Público, hoje até políticos de alto escalão e grandes fazendeiros receberam lotes da reforma agrária. Isso sem contar com o fato da presidente da república recém afastada nada ter avançado na distribuição de terras. Fico a pensar: o que fizeram os líderes do MST, calados pela conivência com o governo petista?

Sei que, ao receber uma propriedade rural ou urbana, o beneficiado assina um documento constando a proibição de sua transferência. Então, trata-se de um crime contra o erário e deve ser combatido. O que se divulga é que, ao ser recuperado um bem vendido indevidamente, o comprador espertalhão perde o dinheiro que pagou pela terra ou pela propriedade. Mas, parece que isso não é suficiente, porque essa prática continua em todos os cantos do país e a perda do dinheiro não representam muito para quem compra. Portanto, somente uma medida pedagógica será eficaz, e um rigoroso processo criminal, para acabar com este comércio ilícito. Não basta penalizar quem vende o bem recebido; é necessário colocar na cadeia quem compra o imóvel mesmo sabendo da sua proibição. É o mesmo crime do receptador que compra um produto roubado.

Essas considerações vêm a propósito de notícias divulgadas pela televisão a algum tempo de casos semelhantes numa região paradisíaca a beira-mar. Lá o Incra dividiu a região em pequenos lotes para assentar sem-terras litorâneos, também conhecidos como caiçaras. No local, ricaços compraram esses lotes e construíram belíssimas mansões. Por incrível que pareça, as autoridades ligadas à reforma agrária somente descobriram a fraude após a divulgação pela imprensa. O que acontecerá a esses figurões e suas propriedades é difícil prever.

Mais uma vez, a imprensa livre cumpriu o seu papel em defesa da moralidade pública. Mas, convenhamos, é preciso que os crimes e as fraudes saiam nos jornais para que as autoridades tomem providências?

Valmir Batista Corrêa

                               https://www.facebook.com/jornaldacidadeonline

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Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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