Recentemente, milhões de brasileiros tomaram conhecimento de um vídeo publicado pelo Deputado Federal Daniel Silveira (PSL), no canal “Política Play”, o qual foi amplamente compartilhado nas redes sociais, em que referido parlamentar faz duras ofensas, por meio de palavras cáusticas e de baixíssimo calão, a diversos membros do STF e ao STF como um todo, bem como incita a violência e de forma subliminar, notadamente, o retorno de uma espécie de AI-5.
Após tal fato, o Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, através de decisão monocrática, determinou que referido Deputado Federal fosse preso em flagrante, preventivamente. Fato que implicou na detenção e no encarceramento de um integrante do Poder Legislativo, que se encontrava em plena posse e gozo de seu mandato.
São os principais fundamentos da referida decisão:
1º – Ter se dado com base em inquérito instaurado pela Portaria GP nº. 69-2019, nos termos do art. 43 do Regimento Interno do STF;
2º – O Deputado seria reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial no STF, a pedido da PGR, por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito, através de estruturas e financiamentos destinados à mobilização e incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições;
3º – As ofensas proferidas teriam atingido a honorabilidade e constituiriam ameaça ilegal à segurança dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;
4º – As ofensas se revestiriam de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito;
5º – A Constituição Federal não permitiria a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático e manifestações em redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas (art. artigo 60, §4º, da CF).
6º – As violações estariam contidas na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) nos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26;
7º – Haveria existência de flagrante delito que estaria a autorizar a prisão preventiva com base no art. 312, do CPP;
8º – Haveria impossibilidade de se conceder fiança, pois os atos praticados atentariam diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, com base no art. 324, IV, do CP e art. 53, §2º, da CF.
A decisão monocrática de lavra do Excelentíssimo Ministro foi ratificada e referendada pelo voto unânime dos 11 (onze) Ministros que compõem a Corte, ou seja, pelo STF inteiro e em bloco.
Para que possamos abordar questão tão complexa tocante a determinação de uma prisão em flagrante e em caráter preventivo, de um membro da Câmara dos Deputados, ou seja, de um Deputado Federal, pelos fundamentos acima referidos, teremos de fazer algumas ponderações e reflexões, sob a luz da Constituição, do Direito Constitucional, do Ordenamento Jurídico e de fatos outros já nacional e internacionalmente conhecidos, para então se saber se a referida prisão poderia, de alguma forma, se justificar.
Inicialmente, cabe pontuar, que não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal tem deixado a desejar como órgão máximo que decide acerca de matéria constitucional no país.
Temos observado que em casos judiciais que chegam ao Pretório Excelso, com questões constitucionais que deveriam ser decididas à luz do Direito Constitucional, da Constituição, do Ordenamento Jurídico e da jurisprudência da própria Corte acabam, infelizmente, ensejando discursos prolixos de seus membros, não raras vezes, dando vida para a mídia, em vez de segurança jurídica ao Direito e uniformização da jurisprudência, passando ao largo da Constituição, do Direito Constitucional e do Ordenamento Jurídico. Aliás, muitas vezes até com gravíssimas trocas de farpas entre seus pares, ao vivo e a cores, o que constrange as partes, os advogados, os procuradores, os servidores e serventuários e, em especial, os cidadãos brasileiros de bem, de modo a colocar em descrédito a própria Corte.
Convém lembrar que por jurisprudência se compreende o conjunto de decisões que refletem a interpretação majoritária de um mesmo Tribunal, em julgamentos de casos semelhantes e sedimentam, desse modo, um entendimento repetidamente utilizado.
Assim sendo, não é o casuísmo um norte para guiar os julgamentos e entendimentos da mais alta Corte Constitucional do país.
Todavia, nenhuma brasileiro conseguiu compreender ainda o porquê do STF ter permitido que o Senado Federal, destacamos, sob a égide da mesma Constituição (de 1988) ter aplicado sanções distintas a dois Presidentes da República (Fernando Affonso Collor de Mello e Dilma Vana Rousseff), quando a norma constitucional, em seu art. 52, parágrafo único, determina, de forma claríssima, que a única sanção que se pode aplicar em processos de impeachment é a perda do cargo de forma concomitante com a inabilitação por 8 (oito) anos para o exercício de função pública.
Causa espécie ver que não foi isso que ocorreu no Brasil, haja vista que Fernando Collor foi sancionado, após votação aberta no Senado Federal, a perda do mandato e a inabilitação por 8 (oito) anos para o exercício de função pública, ao passo que Dilma Rousseff apenas perdeu seu mandato, sem ser inabilitada pelo mesmo período.
Cumpre destacar que quem preside a sessão de julgamento de um processo de impeachment, contra o Presidente da República, a qual é levada a efeito no Senado Federal, somente após autorização da Câmara dos Deputados, é o Presidente do próprio STF, consoante determina a Constituição.
Assim sendo, se por um lado, de forma acertada e exemplar foi a condução do processo de impeachment de Fernando Collor, sob a Presidência do Excelentíssimo Ministro Sydney Sanches, “data maxima venia”, o mesmo não se pode dizer sob a condução do processo de impeachment de Dilma Rousseff, realizada pelo Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski. Lewandowski não apenas estava a par, no ato, em que se deu a violação da norma constitucional referida (perda de mandato e inabilitação por 8 anos) como consentiu que houvesse sua violação, colocando em votação, pasmem, apartada, as sanções de perda do mandato e de inabilitação. Fato esse, sem qualquer previsão na Constituição.
Para Fernando Collor a Constituição funcionou como deveria funcionar. Todavia, para Dilma Rousseff a Constituição funcionou como se permitiu naquela ocasião que funcionasse. Dois pesos e duas medidas. Em síntese, duas crassas inconstitucionalidades. A primeira, violando-se a dupla sanção prevista na norma constitucional. A segunda, violando-se garantia constitucional de igualdade. Aliás, apenas pelo sabor da argumentação, oportuno referir que os crimes de responsabilidade praticados por Dilma Rousseff foram, deveras e infinitamente mais graves, dos que os praticados por Fernando Collor. Entretanto, Dilma recebeu sanção imensamente menor do que Collor.
Como esquecer também do julgamento do mensalão, após o ajuizamento da emblemática Ação Penal (AP nº. 470), quando o STF formou maioria, para afastar a tese de que os mensaleiros haviam atuado em formação de quadrilha, crime este tipificado no art. 288, do CP, de modo que as penas referentes a esse crime sequer puderam ser aplicadas aos mensaleiros?
Como esquecer também do julgamento do Habeas Corpus preventivo (HC 152752), quando o STF mudou, inacreditavelmente, de forma abrupta e casuística, sua própria jurisprudência, no processo que envolve o “triplex no Guarujá”, em que o ex-Presidente Lula, já condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em primeira instância e com a respectiva condenação mantida em segunda instância, recebeu a concessão de salvo-conduto, em caráter liminar, podendo responder em liberdade até o julgamento definitivo?
Como esquecer também da hecatombe produzida pela estatística publicada pela Folha de São Paulo, a qual aponta que em 96,5% dos casos envolvendo parlamentares com foro privilegiado, nenhuma punição foi aplicada aos réus, em processos que chegaram ao STF?
Vejamos o link da referida matéria a qual cita que referido percentual foi colhido do próprio STF:
Fonte:
Folha de São Paulo. Acessada em 26-02-2021:
Verdade seja dita, jamais se varrerá esses episódios lamentáveis da História do Brasil e do Direito Constitucional.
Impõe-se enfrentar, com maturidade, e não com suscetibilidades e melindres, as merecidas críticas que se têm de enfrentar para se corrigir equívocos históricos imensos, exceto, lógico, se não se quiser corrigi-los.
Evidentemente, que as críticas hão de ser feitas de forma respeitosa, urbana, civilizada e com consistência fática.
De nada adianta tapar o sol com a peneira.
E ao se realizar a autocrítica, tão necessária e urgente, não se pode buscar ver a realidade, pelas lentes das bajulações que confortam e seduzem como o canto das sereias. Ademais, de há muito a máxima da experiência recomenda:
“A bajulação é uma distração barata da verdade.”
Cabe esclarecer na presente análise, que não se está aqui, salientamos, e jamais se estaria, ou se estará, a se anuir ou se validar as ofensas reprováveis e as palavras cáusticas, de baixíssimo calão, utilizadas, lamentavelmente, pelo Deputado Daniel Silveira, contra os Ministros do STF e contra o STF em si, nem tampouco a se aceitar como válido qualquer ataque contra o exercício da judicatura, a independência do Poder Judiciário e manutenção do Estado Democrático de Direito, na medida em que, na constância desse, qualquer ato que venha a atentar contra esse particular é de todo inadmissível.
“A fortiori”, porque as palavras cáusticas e ofensas, sim, é inquestionável, partiram de um representante eleito, ou seja, que representa os votos e os anseios dos eleitores que lhe creditaram confiança. Portanto, como representante tinha e dele se esperava a obrigação e o dever de se pautar de forma urbana, civilizada, respeitosa e exemplar, ao longo do mandato que lhe foi concedido, honrando a confiança que recebeu, pena de se assim não o fizer, dar provas de não saber sequer onde se encontra e onde está, muito menos o que e quem efetivamente representa.
Feitos esse breve esclarecimento, pensamos que agora a analisar a questão, como entendemos, particularmente, que deva ser, evidentemente, respeitando divergências, haja vista que vivemos em uma sociedade plural e considerando que estamos em uma democracia, é da maturidade, bem como de bom tom se saber conviver e respeitar pensamentos divergentes das mais diversas matizes.
Dividiremos em pontos didáticos, para facilitar o aprofundamento das questões, fazendo sempre os contrastes que entendemos cabíveis, cotejando a fundamentação da decisão, com fatos já conhecidos nacional e internacionalmente, bem como com a Constituição, o Direito Constitucional e o Ordenamento Jurídico.
Ponto 1: Da impossibilidade de se fundamentar a prisão com base no art. 43, do Regimento Interno do STF
Vejamos, objetivamente, o que consta no referido dispositivo (destacamos):
“Art. 43 – Ocorrendo infração à lei penal NA SEDE ou DEPENDÊNCIA DO TRIBUNAL, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.
§2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.”
Já na primeira parte da fundamentação da decisão que determinou a prisão preventiva, de pronto se pode dissolver, por completo, a decisão monocrática, bem como a ratificação e o referendo que lhes deram os 11 Ministros, haja vista que o fato não ocorreu nem na sede, nem em dependência do STF, e sim em um vídeo disponibilizado em um canal (Política Play) e compartilhado na internet, através de redes sociais.
Os fins não podem justificar os meios.
A despeito de que possa haver entendimento dos Ministros no sentido do dispositivo acima transcrito a autorizar a prisão que foi imposta ao Deputado, pelo fato da prestação da jurisdicional do STF possuir abrangência nacional, não se encontra tal possibilidade com base em tal dispositivo.
Com efeito, não se pode confundir o que seja prestação jurisdicional em todo o território nacional, com um dispositivo regimental que possibilita a quem Preside o STF, manter a ordem do que ocorre dentro da própria Corte ou em suas dependências, em casos de excessos, ou de violações de leis, e da própria liturgia do Pretório Excelso.
Ora veja, para que se possa justificar uma ordem de prisão, com base na interpretação de que a prestação jurisdicional do STF possui abrangência nacional, há que se alterar o dispositivo referido, a bem de que nele se preveja tal possibilidade, pois, atualmente, a subsunção do fato ocorrido à norma citada, não alcança qualquer possibilidade para se expedir uma ordem de prisão, seja ela qual for, de fato ocorrido ou fora da sede, ou fora das dependências do STF, ou ocorrido em redes sociais.
Vejamos, por exemplo, o que disse Lula em 2016, destacamos, para todo o STF e para todo STJ:
“Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um parlamento totalmente acovardado… nós temos um Presidente da Câmara fodido, nós temos um Presidente do Senado fodido.”
Fonte: Uol. Acessado em 25-02-2021:
Estadão. Acessado em 25-02-2021:
Vejamos, por exemplo, o que disse em 2018 o advogado de Lula, Wadih Damous, à época Deputado Federal:
“Luiz Roberto Barroso é seguramente o pior Ministro do Supremo Tribunal Federal nos últimos tempos. É um mal para a democracia, é um mal para o Direito, é um mal para o Supremo, é um mal para o povo brasileiro. A última dos Luiz Roberto Barroso, entre tantas idiotices que ele é capaz de produzir é de que é papel do Supremo corrigir as escolhas do povo. O que ele disse literalmente: bom, o Supremo já está separando o trigo, mas tem gente que insiste no joio. Então, que é papel Supremo separar o joio do trigo e escolher pelo povo brasileiro. É com base nesse tipo de sentimento de entendimento que ele ajudou a colocar o Presidente Lula atrás das grades. Nós temos que redesenhar o Poder Judiciário e o papel do Supremo Tribunal Federal. Tem que se fechar o Supremo Tribunal Federal! Nós temos que criar uma Corte Constitucional, de guarda exclusiva da Constituição, com seus membros detentores de mandato. Nós temos que evitar que gente como Roberto Barroso tenha o poder de ditar os rumos do processo eleitoral, de ditar os rumos da escolha popular, de ditar os rumos da democracia brasileira. Não foi prá isso que essa turma foi colocada lá. Eu tenho alertado lá na Câmara dos Deputados: ou nós enquadramos essa turma, ou essa turma vai enterrar de vez, a democracia brasileira.”
Fontes:
Uol (canal do YouTube). Acessado em 25-02-021:
Poder 360 (canal do YouTube). Acessado em 25-02-2021:
Vejamos também o que disse em 2018 José Dirceu, ex-Deputado e ex-Chefe da Casa Civil:
“Primeiro, deveria tirar todos os poderes do Supremo e ser só Corte Constitucional…
Depois que Judiciário não é poder da República. Judiciário é um órgão…
Nós estamos caminhando para uma ditadura da toga.
O Supremo, infelizmente, tragicamente eu diria, deu ao Ministério Público o poder de investigar. Quem acusa não pode investigar. Quem investiga não pode acusar. E o Ministério Público na verdade hoje é uma polícia política.”
Fontes:
Veja. Acessado em 25-02-2021:
https://veja.abril.com.br/politica/jose-dirceu-deveria-tirar-todos-os-poderes-do-stf/
DV Produções (canal do YouTube). Acessado em 25-02-2021:
Vejamos também o que disse a ex-Senadora e Presidenta do Partido dos Trabalhadores (PT) e hoje Deputada Federal Gleisi Hoffmann em 2018 (grifamos):
“Sou a Senadora Gleisi Hoffmann, Presidenta do Partido dos Trabalhadores e me dirijo ao mundo árabe, através da Al Jazeera, para denunciar que o ex-Presidente Lula é um preso político em nosso país. Lula é um grande amigo do mundo árabe. Ao longo da história o Brasil recebeu milhões de árabes e palestinos. Mas, Lula foi o único Presidente que visitou o Oriente Médio. Em seu governo o comércio com o Oriente Médio se multiplicou por cinco. Em 2005 Lula promoveu em Brasília a primeira conferência da América do Sul e dos países árabes, estendendo os laços de amizade a toda nossa região e o Brasil foi um dos três países não árabes convidado para a Conferência de Anápolis em 2007. Lula sempre defendeu a existência do Estado Palestino. Lula foi condenado por juízes parciais num processo ilegal. Não há nenhuma prova de culpa, apenas acusações falsas. A TV Globo que domina a mídia no Brasil fez uma campanha de mentiras contra Lula. A Globo está pressionando o Judiciário brasileiro a não conceder a liberdade a Lula, apesar de ela estar prevista na Constituição. Isso fere os Direitos Humanos e fere a democracia brasileira. A prisão de Lula é a continuidade de um golpe que se iniciou em 2016 com a retirada da Presidenta Dilma do governo. Ela não cometeu nenhum crime. Assim como Lula também não cometeu. É um preso político. Ele é inocente. O governo golpista está retirando direito dos trabalhadores e do povo brasileiro e liquidando com o patrimônio nacional. Nossas grandes reservas de petróleo no oceano estão sendo entregues a multinacionais, petrolíferas da Europa e também dos Estados Unidos e a política externa passou a ser ditada pelo Departamento de Estado Norte Americano. A maioria do povo brasileiro quer viver como nos tempos de Lula. Todas as pesquisas mostram que Lula será eleito o próximo Presidente do Brasil. O objetivo da prisão ilegal é não permitir que Lula seja candidato. Mas, o povo está resistindo a essa injustiça. Há manifestações todos os dias em todos os lugares do país e há mais de uma semana nós estamos acampados em frente a Polícia Federal, onde Lula está preso. Em todo mundo há manifestação de solidariedade ao ex-Presidente e pedidos pela sua liberdade. Convido a todos e a todas a se juntarem conosco nessa luta. Lula Livre!”
Fontes:
Al Jazeera Mubasher (canal do YouTube). Acessado em 27-02-2021:
Poder 360 (canal do YouTube). Acessado em 27-02-2021:
Esses pronunciamentos e declarações ocuparam (e ainda ocuparam) os noticiários, não só do Brasil, mas de todo o mundo, bem como circularam (e ainda circulam) em diversas redes sociais.
Imperioso referir que em tais casos, tão ou mais graves como as palavras do Deputado Daniel Silveira, jamais, o STF determinou, monocraticamente, a instauração de um inquérito, nem tampouco expediu uma só ordem de prisão em flagrante, com os mesmos fundamentos que fez, no caso em que estamos a analisar.
Objetivamente, não se pode usar de dois pesos e duas medidas, quando é notório que os pronunciamentos e declarações acima transcritos e amplamente divulgados são tão ou mais graves dos que o pronunciamento do Deputado Federal Daniel Silveira. Assim como não se pode iniciar a fundamentação de uma prisão, por ausência de Lei, com base em um dispositivo de Regimento, salientamos, Interno, que tão pouco prevê tal possibilidade, para fatos ocorridos fora da sede e das dependências da Corte.
Portanto, neste ponto em comento, a determinação da ordem de prisão, com base no art. 43, do Regimento Interno do STF é manifestamente ilegal, uma vez que referido dispositivo sequer autoriza tal possibilidade.
Ponto 2 – Da violação aos Princípio Constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa
“Data maxima venia”, equivocam-se, imensamente, o Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, bem como todo o STF, ao ratificar e referendar a decisão monocrática, sob o fundamento de que o Deputado Federal Daniel Silveira é reiterante na prática criminosa, por estar sendo investigado em inquérito policial no STF.
“A fortiori”, não se pode falar em reiteração de prática criminosa, quando não há e nem paira qualquer juízo de condenação fixado em sentença penal condenatória transitada em julgado.
Aliás, se houvesse, referidos juízos, por questão de transparência, deveriam de ter sido mencionados na decisão, bem como os números dos processos em que teria se dado eventual(is) sentença(s) penal(is) condenatória(s) transitada(s) em julgado, fazendo-se ainda a correlação entre as respectivas fundamentações, com a motivação da presente decisão que está a fundamentar a ordem de prisão.
Asseverar que alguém é reiterante na prática criminosa, quando na verdade possui, recém, a condição de investigado, é antecipar juízo de culpa, colocando quem faz tal afirmação na condição de suspeito ou impedido, além de haver manifesta e crassa violação aos Princípios Constitucionais da presunção da inocência (art. 5º. LVII, da CF), do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF) com os meios e recursos a ela inerentes.
Se se sabe que o referido Deputado Federal é investigado em outros casos citados, não se pode fazer juízo de antecipação de culpa, a bem de se justificar uma ordem de prisão, de um parlamentar, integrante do Poder Legislativo, que estava até o dia da prisão, de plena posse e gozo de seu mandato.
Portanto, neste ponto em comento, a determinação da ordem de prisão viola os princípios constitucionais da presunção da inocência (art. 5º. LVII, da CF), do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF) com os meios e recursos a ela inerentes, fazendo de tais princípios constitucionais verdadeira letra morta.
Ponto 3 – Da Lei de Segurança Nacional
A Lei 7.170/83, popularmente conhecida como Lei de Segurança Nacional (LSN), é fruto de um período de exceção e serve(iu) para definir crimes contra a “segurança nacional e a ordem política e social”.
Sem sombra de dúvidas a LSN trata-se de uma norma para proteger os interesses de um período histórico pretérito.
E ao se fazer essa afirmação, ponderamos que não se está aqui a falar bem ou mal do regime militar. Todos sabemos, bastando ter alguma maturidade e conhecimento histórico, que o regime militar possuiu incontáveis acertos e, infelizmente, também muitos excessos, no difícil tempo de instabilidade em que o Brasil atravessou.
No entanto, ao nosso entender, pensamos não acertado, muito menos sério, querer que um país avance nas mais diversas frentes, olhando para a história pelo retrovisor. A história é um carro em movimento e motorista que anda para frente com os olhos fixados no retrovisor, ou colide ou não chega a lugar algum, porque se descuida do caminho a percorrer.
O Brasil, como um todo, precisa aprender, de vez, a olhar para frente. E olhar para frente significa respeitar a sociedade plural e o Estado de Direito que se construiu, com a Constituição que temos, fazendo-a valer e cumprir, e não lhe emprestando elasticidade hermenêutica sofrível e sequer prevista, para fazer valer juízos que o Poder Constituinte jamais lhe alcançou.
Argumentos que não raras vezes clamam por outra Constituição, sendo que a que temos, recém se encontra “de fraldas” e tem grande dificuldade de se efetivar como um todo, ou também que a “qualquer vento ou tempestade” pedem o retorno dos militares ao poder, não podem ser levados em conta. Querer que um país avance e seja digno de respeito na comunidade internacional e com investidores, através de intervenções das Forças Armadas é pretender alterar a ordem das coisas. É dizer que a sociedade não consegue eleger seus governantes e representantes eleitos. É subestimar o discernimento e o poder de escolha dos cidadãos. Forças Armadas não pertencem a tripartição de Poderes. Não são, como muitos pasquins de quinta classe querem e mentecaptos até defendem, um “poder moderador”. Em síntese, não são e jamais foram feitas para governar e administrar, bastando ver que não existe, no planeta terra, um único país que seja administrado por Forças Armadas, em que possam se considerar existentes a democracia, a República, o Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão e a liberdade de opinião. Muitíssimo pelo contrário. Sobram casos na história, em que as Forças Armadas, quando foram alçadas ao poder para governar em períodos de exceção, o que se colheu, por um lado, foi a segurança e a ordem e, por outro, a desestabilidade econômica, a redução das liberdades e garantias individuais, bem como o avanço, sem freios, e não raras vezes espoliante, com altíssima inflação, de parte do Estado, perante o cidadão de bem.
Pensamos que ao se fazer valer e cumprir a Constituição, não se pode buscar no arcabouço legal, Leis de questionável constitucionalidade e de períodos históricos completamente passados, como é o caso da Lei de Segurança Nacional, para aplicá-las em períodos de plena normalidade democrática e de vigência do Estado Democrático de Direito. Leis de e para períodos de exceção são de e para períodos de exceção. Leis de tempos de democracia e de vigência de Estado Democrático de Direito são Leis de tempos de democracia e de vigência Estado Democrático de Direito.
Não se pode “colocar todos os ovos na mesma cesta”, a não ser que se queira promover sofismas e falácias, para se justificar ordens e ou medidas escusas, o que entendemos não ser algo correto e muito menos válido.
Se a Constituição consagra como garantias o direito a liberdade de expressão e de liberdade de opinião, não se pode, por supuesto, invocar a Lei de Segurança Nacional, nem para relativizar, muito menos para coibir tais garantias. É desarrazoado, é desproporcional se buscar em uma norma obsoleta como a Lei de Segurança Nacional “enquadramentos” que serviam exatamente para tempos de exceção, pelas razões que naqueles tempos passados se fizeram necessárias.
Também não temos qualquer notícia de que os autores dos pronunciamentos e declarações anteriormente transcritos, ressaltamos, gravíssimos, foram alvos de inquéritos no STF ou tiveram determinadas, monocraticamente, ordens de prisão em flagrante fundamentadas com base na Lei de Segurança Nacional.
A Lei de Segurança Nacional é uma faca de dois gumes. Quem dela se utiliza para buscar justificativa de ordens ou medidas que queira aplicar, também nela poderá vir a ser “enquadrado”, por situações muito semelhantes, o que não é, nem de longe, recomendável.
A título de exemplo, se colocarmos no fiel da balança as lamentáveis palavras cáusticas e reprováveis ofensas do Deputado Daniel Silveira, juntamente, coma as também lamentáveis palavras cáusticas e reprováveis ofensas do Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, que certa feita, ao se dirigir as Forças Armadas disse que “o Exército está se associando a esse genocídio” (referindo-se a crise sanitária instalada no país em tempos de pandemia do COVID-19, agravada pela falta de um titular no Ministério da Saúde), bem como chamou Procuradores Federais de “desqualificados”, “despreparados”, “gângsters”, “cretinos”, “gentalha”, “falsos heróis” e que “integram organizações criminosas”, verdade seja dita, o mesmíssimo argumento de lavra do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, que asseverou que o parlamentar está a promover atos de incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições, as medidas então previstas na Lei de Segurança Nacional haveriam de “enquadrar” também o Ministro da mais alta Corte, em respeito ao princípio constitucional da igualdade formal (art. 5º, “caput”, da CF).
Recordemos as palavras do Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes acerca das expressões a que nos referimos:
Fontes:
Brasil Decide (canal do YouTube). Acessado em 26-02-2021:
Jovem Pan (cana do YouTube). Acessado em 26-02-2021:
Estadão. Acessado em 26-02-2021:
Uol. Acessado em 26-02-2021:
Época. Acessado em 26-02-2021:
https://epoca.globo.com/parece-briga-de-escola-mas-a-cupula-do-judiciario-23524232
Metrópoles. Acessado em 26-02-2021:
Exatamente por isso reiteramos: a Lei de Segurança Nacional é uma faca de dois gumes. Quem dela se utiliza para buscar justificativa de ordens ou medidas que queira aplicar, também nela poderá vir a ser “enquadrado”, por situações muito semelhantes, o que não é, nem de longe, recomendável.
A toda evidência cumpre gizar, não se pode buscar a proteção de direitos, em períodos de translúcida democracia e de vigência de Estado de Direito, com base em mecanismos jurídicos completamente obsoletos, a exemplo da Lei de Segurança Nacional, com seus conceitos imensamente genéricos.
Portanto, neste ponto em comento, a determinação da ordem de prisão com base na Lei de Segurança Nacional é completamente inadmissível, uma vez que em casos tão ou mais graves jamais se determinou instauração de inquérito ou decisão monocrática a prisão em flagrante, com base na referida Lei.
Ponto 4 – Da imunidade parlamentar
O 5º, 6º, 7º e 8º fundamento da ordem de prisão passam a ser circunscritos e analisados neste tópico.
A Constituição prevê em seu art. 53 a imunidade parlamentar.
Vejamos o que consta no referido dispositivo:
“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
Vale destacar que referida imunidade abrange tanto questões de natureza cível, quanto penal. Objetivamente, mesmo que uma conduta seja considerada como fato típico, ou seja, um crime, os efeitos de eventual norma penal, quais sejam, as sanções possíveis de serem impostas são dissolvidas pela imunidade.
Se excessos houveram, o que no caso não se tem qualquer dúvida de terem ocorrido de parte do referido Deputado Federal, as vias adequadas, legais e legítimas para se apurar tal fato não são, por meio de decisão monocrática firmada, ratificada e referendada por todos integrantes do STF.
Há a possibilidade de se instaurar, através de representação, dirigida a Comissão de Ética da respectiva Casa, um processo por quebra de decoro parlamentar. Processo esse que há de tramitar “interna corporis” e se aceita a representação, ao final, ser submetido a voto aberto de todos parlamentares que integram a Câmara dos Deputados, em respeito ao Princípio Constitucional da separação, da harmonia e independência dos Poderes.
A despeito de terem sido palavras cáusticas e de baixíssimo calão, o Deputado em questão, está, sim, do ponto de vista eminentemente técnico, abrigado pela imunidade parlamentar.
Em casos outros já citados, a exemplo do pronunciamento e das declarações do ex-Presidente Lula, do ex-Deputado Federal Wadih Damous, de ex-Deputado José Dirceu, da ex-Senadora e Deputada Federal Gleisi Hoffmann, jamais o STF tomou medida tão drástica e que se diga com todas as letras, inconstitucional, uma vez não ser possível de se conceber que uma decisão monocrática venha suprir ou fazer às vezes do que pode ou não decidir a Comissão de Ética da Casa Legislativa a que o Deputado em questão está vinculado, ou ao que o Plenário da respectiva Casa possa e queira deliberar.
Tomamos conhecimento que em entrevista concedida à Bandeirantes, o Excelentíssimo Ministro Dias Tóffoli afirmou que referido parlamentar abusou das prerrogativas asseguradas citando o art. 55, §1º, da CF.
Segue o link onde se encontra a declaração do eminente Ministro, na primeira parte da entrevista:
Fonte: Band Jornalismo. Acessado em 26-02-2021:
Vejamos o que consta no referido dispositivo constitucional mencionado:
“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
§1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.”
Infere-se do referido dispositivo o caso de perda de mandato por quebra de decoro parlamentar. Evidentemente, que em se tratando desta sanção, somente há possibilidade da mesma ser aplicada mediante representação dirigida a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e após esta deliberar pela instauração de processo que possa levar a cassação o parlamentar, mediante voto aberto de todos integrantes da respectiva Casa. Salientamos, procedimento esse que após aberto deverá ser norteado sob as luzes do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Ninguém está acima da Constituição, exceto Deus, em seu preâmbulo.
Não se pode utilizar a Constituição e as Leis, com fins escusos, para o que se pretenda atingir. Isso é pautar-se com pessoalidade, de forma inconstitucional, ilegal e imoral.
Portanto, neste ponto em comento, a determinação da ordem de prisão é manifestamente inconstitucional, em razão da imunidade parlamentar do Deputado Daniel Silveira, por suas opiniões, palavras e votos, proferidos na constância de seu mandato.
Ao cumprir-se a Constituição, entendemos, “data maxima venia”, que o Deputado Daniel Silveira deve ser posto, imediatamente, em liberdade, diante da inconstitucionalidade da decisão que ordenou sua prisão provisória em flagrante.
Pedro Lagomarcino
Advogado em Porto Alegre (RS)