Kica de Castro, uma fotografa diferenciada. Um belo trabalho com deficientes físicos
08/05/2016 às 11:03 Ler na área do assinanteOusadia, responsabilidade e ética! Essas são as principais características do trabalho de Kica de Castro - Agência de modelos para pessoas com deficiência, que tem como objetivo lançá-los no mercado publicitário e provar que beleza e deficiência física não são duas expressões contraditórias. Leia a entrevista:
Como você iniciou na arte da fotografia?
Tudo começou como hobby, em 1995, no curso técnico de Publicidade, nessa época o segundo grau era técnico. Quando entrei na faculdade a paixão aumentou, isso em1997. Fiz um curso livre de fotografia e me tornei profissional mesmo em 2000.
Faça um breve relato de sua trajetória como fotografa? Como e quando você iniciou esse trabalho com deficientes físicos?
Em 2000, comecei a fazer fotos sociais, principalmente casamentos, que até hoje faço. Primeiramente para amigos e familiares, depois o trabalho foi se expandindo para o mercado profissional e hoje não sei fazer outra coisa a não ser fotos...
Durante dois anos fiquei trabalhando no mercado publicitário e em algumas empresas de eventos. Porém, em meados do ano de 2002, estava estressada, sentia a necessidade de encontrar um novo desafio. Comecei a procurar novas oportunidades. E foi nos classificados de jornais de emprego que vi o anúncio: “Procuramos fotógrafos”, mandei o meu currículo na mesma hora, sem saber ao certo para onde estava mandando. Para a minha surpresa, assim que receberam o currículo, entraram em contato comigo: era um centro de reabilitação para pessoas com deficiência física (instituição filantrópica). Fui fazer o processo seletivo e acabei sendo contratada como chefe do setor de fotografia. Foi assim que tudo começou.
A mudança, naquele primeiro momento, parece que foi radical, você cobria eventos, fazia fotos para festas e passou a trabalhar com deficientes?
Sim. Chegando para o meu primeiro dia de trabalho, tomei vários “baldes de água fria”, os pacientes tinham aversão em ser fotografados, chegavam com as solicitações médicas, faziam mil perguntas: “sou obrigado mesmo a ficar de peças intimas? ”, “essas fotos são para onde mesmo? ”. Era uma forma bem fria, diga-se de passagem, em fotografar os pacientes. Não tinha um que não falava que eram fotos de presidiários. Era na grande maioria, para prontuário médico, fotos cientificas, posições: frente, costas e as duas laterais, com peças intimas e o número do prontuário do lado.
Para o corpo clinico, ressalto, é de extrema importância essa documentação, para publicações médicas, no caráter de acompanhar a evolução e de estudo, porém, para o paciente era totalmente invasivo. Com o decorrer dos dias, eu não me sentia fotógrafa e os pacientes não ficavam nem um pouco a vontade. Comecei a levar para o estúdio, vários acessórios, um pequeno espelho, pente, maquiagem, gel, várias bijus e, pelo menos antes de fazer as fotos para prontuário, virava para o paciente e falava que era o pré-ensaio de uma revista famosa, para as mulheres falava que era para Playboy, para os meninos falava que era para a G. Assim a pessoa pelo menos tinha um motivo para rir. O gelo foi sendo quebrado, as pessoas antes de tirar a roupa, mexiam no cabelo, procuravam um brinco, e o sorriso começou a aparecer no estúdio.
E como o trabalho evolui no sentido de você montar um agência de modelos com deficiência física?
Fui falar com as profissionais do setor de psicologia da instituição, começamos um trabalho de resgate da auto estima, FOTOTERAPIA. Olha, ficamos de 2003 a 2005 desenvolvendo esse trabalho. Para a minha surpresa, em 2005 as meninas começaram a pedir orientações para o mercado de trabalho, o que elas tinham que fazer, como procurar agência, fui orientando.
Pesquisei sobre o assunto e comecei a apresentar o casting para alguns amigos micro empresários, para antigos clientes da época de publicidade. Assim, foram surgindo pequenas oportunidades na área de eventos, como promotoras e na parte de recepção.
Dei continuidade ao meu trabalho de pesquisa e percebi que tudo me levava para Europa: reality show na França, tipo Big Brother, só para deficientes. Existe um outro show do mesmo estilo na Inglaterra. Na Alemanha, existe um concurso de beleza: “A mais bela cadeirante” Isso me mostrou o quanto o Brasil realmente é desatualizado. Fui aplicando algumas coisas, em 2006 na minha pós, escrevi sobre o assunto, e fiz a minha monografia, comecei a fazer book das meninas, valorizando os aparelhos ortopédicos: por que afinal de contas, cadeira de rodas, muletas, próteses, órteses, para mim, são acessórios de moda.
Em 2007, resolvi montar agência e trabalhar exclusivamente com modelos que tenham deficiência física. Em 2008, fiz parceria com uma agência em Berlim, a Visable e hoje 2009 estamos tendo bons resultados. Ainda falta muita coisa acontecer, mais estamos no caminho certo.
Quais foram os maiores obstáculos para o desenvolvimento desse trabalho? Sim, com certeza o preconceito, a falta de acessibilidade e principalmente a falta de sensibilidade por parte do “ser humano”.
Como está sendo a repercussão de seu trabalho?
Graças a Deus, estamos com destaque na Alemanha e em Portugal. O que abriu muitas oportunidades aqui no Brasil, tive que desenvolver, com já disse, primeiramente uma parceria com a Visable, para que o Brasil tomasse conhecimento do meu trabalho.
Quais são suas perspectivas?
Não vejo a hora dos empresários começarem a ver que pessoas com deficiência física são tão consumidores como qualquer pessoa rotulada como “normal”. O mercado esquece de falar com esses consumidores.
Existe, por exemplo, a facilidade de se comprar um carro zero Km, algumas isenções de taxas. Mas o deficiente físico compra o carro, se furar o pneu, ele paga o mesmo valor, e ai dele se não tiver um seguro para poder chamar um guincho. O combustível, a mesma coisa, o preço não muda. Ou seja, são consumidores da mesma forma. Ninguém dá nada de graça. Por que não investir em produtos adaptados? Veja o número de deficientes físicos no Brasil, que trabalham, pagam as contas e, se não pagam no dia, não se tem vantagem nenhuma. Pagam multa também. Portanto, se é para falar de inclusão, que se fale num todo, incluindo a beleza e a sensualidade.
Existe a lei de cotas, para se ver, como não existe a sensibilidade aqui, as empresas são obrigadas a contratar a pessoa com deficiência, se isso não acontecesse, muitas pessoas não iam ter a oportunidade de mostrar o talento.
Outro exemplo: lei de cotas para negros no mundo da moda. Veja que coisa. Eu tive a oportunidade de conhecer a Isabel Fillardes em um evento e falar com ela. Ela não quer desfilar por obrigatoriedade de uma lei, e sim pelo que ela é: uma profissional qualificada para tal. O que queremos é a mesma coisa, ser reconhecidos como ser humanos “que tenham uma beleza diferenciada”. Em minha opinião, beleza e deficiência física, não são palavras contraditórias.
De qualquer forma, você acredita que a fotografia pode auxiliar no resgate da autoestima da pessoa deficiente?
O simples fato de se ter um cuidado, de fazer maquiagem, de arrumar o cabelo, escolher o figurino, abusar nas posições, de fazer poses, de ajudar o modelo a cruzar a perna, de colocar em uma posição “ousada” na cadeira de rodas já levanta a auto estima.
Fazer as fotos rindo, conversando, colocar música, isso faz o clima ficar bem descontraído.
Você sobrevive exclusivamente de sua atividade como fotografa?
Sim. Tenho que fazer muitos casamentos, aniversários, eventos corporativos. São essas fotos, que “pagam” as minhas contas.
As atividades da agência, ainda não estão arcando com as despesas. Mais isso não desanima. Pelo contrário, estou firme e forte, sei que o mercado está começando a ver os meus modelos com outros olhos.
De qualquer forma ainda oriento a todos os meus modelos no sentido de que tenham outra profissão e estudem muito.
Qual é a identidade do trabalho de Kica de Castro? Quais as características?
Kica de Castro abusa nas poses. Nas fotos, o elemento ortopédico sempre aparece (cadeira de rodas, muletas, bengalas... etc). Não uso photoshop, minhas modelos são lindas e a maquiagem o mais leve possível.
Como está indo o trabalho de sua agência?
Estamos evoluindo. Temos alguns trabalhos bem significativos: a marca TudiCofusi, roupas, fez um desfile onde colocou duas de nossas modelos na passarela, uma deficiente auditiva e outra amputada, juntamente com modelos sem deficiência.
Qual a mensagem que você deixa para os leitores do Jornal da Cidade Online?
Tem um trecho da música Infinito e Particular de Marisa Monte, que fala assim:
“Vem, cara, me retrate. Não é impossível. Eu não sou difícil de ler. Faça sua parte.
Eu sou daqui eu não sou de Marte”.
Levo isso como meu lema na agência.
da Redação
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