O artigo de hoje trata, e não poderia deixar de ser, da situação teratológica ocorrida com Daniel Silveira, deputado federal, preso na madrugada de quarta feira de cinzas, pela Polícia Federal, em decorrência de “mandado de prisão em flagrante”, expedido pelo supremo ministro, Alexandre de Moraes.
Antes de qualquer coisa, preciso abordar a ilegalidade da referida prisão, uma vez que deputados e senadores são invioláveis, CIVIL E PENALMENTE, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, conforme o artigo 53 da Constituição Federal.
Assisti à sessão plenária do STF, na qual a autoridade coatora - que também é acusador, será julgador E presidirá a audiência de custódia, Alexandrede Moraes, alegou que as opiniões e palavras de deputados e senadores não podem ser ilimitadas, e que o parlamentar extrapolou os limites da liberdade de expressão, e que a imunidade não se estende ao cometimento de crimes. Mas... e o artigo 53, meu Deus do céu? Bem... Este foi reinterpretado, à luz do Ministro.
Li, na íntegra, a transcrição da manifestação de Daniel Silveira. O vídeo já foi retirado de circulação, por determinação do STF. Muito embora tenha sido o mesmo absolutamente infeliz em suas colocações, e evidentemente, desrespeitoso e grosseiro, excedendo-se na indignação, não estamos tratando, aqui, da personalidade ou da índole do parlamentar, eleito legitimamente com mais de trinta mil votos, mas sim da violação de sua imunidade material, expressamente prevista na Carta Magna. Há algo muito perigoso, no desenrolar desses fatos: o precedente que foi aberto, para casos similares.
Primeiramente, é preciso pontuar que, em hipóteses de flagrante delito, o que se lavra é um auto de prisão em flagrante, tendo em vista que o crime acabou de ser cometido. Caso seja necessária a expedição de um mandado, por Juiz de Direito, solicitado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, evidente está que não há estado de flagrância, e que a prisão cabível somente pode ser temporária ou preventiva.
O próprio Alexandre de Moraes, em seu livro de Processo Penal, fala disso. Entretanto, aqui, o que ocorreu foi uma prisão arbitrária e casuísta, punindo-se o parlamentar por crime de opinião, como se crime contra a segurança nacional fosse, e expedindo-se um mandado, que foi cumprido na residência do deputado, de prisão em flagrante, por crime inafiançável.
A prisão de opositores do STF, por crimes de opinião, não é novidade. Nos autos do inquérito aberto por Dias Toffoli em 2019, para apurar os ditos atos antidemocráticos, que segue sem denúncia, sendo alimentado a cada dia por novos fatos, carinhosamente apelidado de inquérito do fim do mundo, isso ficou exaustivamente evidenciado.
O aludido IP ocasionou diversas prisões, além de apreensões de celulares e laptops dos investigados, e, apesar do relatório final da Polícia Federal, o qual expressamente declara a inexistência de delitos a se punir, tendo opinado a autoridade policial por seu arquivamento, este segue seu curso, lépido e faceiro, com novos elementos a cada dia.
Nos autos desse mesmo inquérito, alimentado com esse “fato novo”, foi determinada a prisão do deputado (que já é indiciado no IP), na madrugada de quarta feira. Foi confirmada, em sessão plenária do STF, a prisão em flagrante, por unanimidade, por crimes contra a honra dos ministros, tendo o recado sido bem claro: não se metam com o Supremo.
A PGR (Procuradoria Geral da República), por seu Sub-procurador Geral, hoje mesmo apressou-se em oferecer denúncia contra o deputado, a fim de legitimar a prisão em flagrante, pelos delitos de coação no curso do processo, incitação de animosidade entre as instituições e incitação à prática de crimes previstos na lei de segurança Nacional.
O precedente de que eu falava acima é justamente esse: se opiniões começam a ser punidas, crimes são criados, instituições são subjugadas e ascompetências dos demais Poderes vão sendo sistematicamente invadidas, fere-se a tripartiçãoprevista na Constituição Federal e ameaça-se fatalmente a democracia, a tão duras penas conquistada no Brasil.
Nesse caso específico, caberia uma punição disciplinar, por parte da Câmara dos Deputados, a ser aplicada ao deputado, por quebra de decoro parlamentar, mas de modo algum, prisão em flagrante delito, determinada pela Suprema Corte, tampouco denúncia por crimes da lei de segurança nacional. O Poder competente para a reprimenda é o Legislativo, e o deputado está respaldado pelo artigo 53 da Constituição Federal.
Ao vermos a maior corte do país avançando sobre liberdades e assuntos que não são de sua esfera, lembrei-me da Alemanha de Hitler, da Rússia de Stálin e de um exemplo mais recente: a Venezuela. Nesses países, a invasão de competências dos demais Poderes, por tiranos, fez com que se instalassem regimes totalitários, com que fossem suprimidas liberdades, e restasse rompido o estado democrático de Direito.
Nessas tiranias, além de prisões em massa, foi disseminado na sociedade um único entendimento possível, e qualquer voz dissonante, deveria ser imediata e severamente punida. Por essas e outras, a intolerância é tão perigosa: porque gera perseguição e consequências trágicas.
Não concordo com a manifestação do deputado. Não creio que o caminho para expressar insatisfação seja esse. Acho lamentável um posicionamento desenfreado, como o que foi feito pelo parlamentar. Isso não é demonstração de coragem, mas sim de destempero. Entretanto, não posso anuir com sua prisão, tampouco com o modo pelo qual a mesma se processou, tendo como autoridade coatora um ministro do STF, nos autos de um inquérito manifestamente ilegal.
As ilegalidades começam com pequenos atos, e vão tomando corpo até que fiquem incontroláveis. Foi assim na Rússia. Foi assim na Alemanha. Tem sido assim na Venezuela. Oremos pra que a Câmara dos Deputados analise com sabedoria os fatos, e tome as medidas necessárias para conter a usurpação de poderes que foi hoje testemunhada, por todos os brasileiros.
“Para que o mal triunfe, basta que os bons fiquem de braços cruzados”. Edmund Burke.
“O preço da liberdade pode ser alto, mas nunca será tão caro quanto a perda da liberdade”. Ronald Reagan.
“A pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Rui Barbosa.
Em tempos de "censura", precisamos da ajuda do nosso leitor.
Agora você pode assinar o Jornal da Cidade Online através de boleto bancário, cartão de crédito ou PIX.
Por apenas R$ 9,99 mensais, você não terá nenhuma publicidade durante a sua navegação e terá acesso a todo o conteúdo da Revista A Verdade.
É simples. É fácil. É rápido... Só depende de você! Faça agora a sua assinatura:
Erika Figueiredo
Promotora de Justiça desde 1997 no Rio de Janeiro, atuando na área criminal, mestre em ciências penais e criminologia, membro da escola de altos estudos em ciências criminais São Paulo e do Ministério Público Pró-Sociedade. Aluna do Seminário de Filosofia do professor Olavo de Carvalho