Viviam as galinhas em estado de pleno contentamento, embora, para elas, a tela do imenso galinheiro fosse intransponível.
E eram a tal ponto agradecidas ao dono da granja (senhor da abundância e da estabilidade) que a mínima reclamação pronunciada por qualquer indivíduo era vista como ingratidão, leviandade e insubordinação que o coletivo das aves apressava-se em reprimir e retificar.
"Louvado seja aquele que nos dá a ração de cada dia e nos protege contra os ataques das raposas!", repetiam de hora em hora, como quem dedica a Deus uma prece.
Liberdade não era assunto de que se ocupavam. E se tivessem um cérebro que não fosse de galinha, teriam justificado tal desinteresse alegando que semelhante divagação, sem nenhum sentido prático, seria veleidade própria das almas frívolas.
Suas mentes obtusas e, por isso mesmo, submissas, eram incapazes de conceber qualquer objetivo que transcendesse as funções naturais de sobreviver e de se reproduzir.
Jamais ousaram, por conseguinte, dar asas à imaginação e cogitar acerca do mundo para além da estreiteza em que viviam.
Corriam os dias. Somavam-se as estações. Enquanto havia a luz do Sol, elas ciscavam, como fazem todas as galinhas. Às primeiras sombras da noite, guiadas por uma visão muito limitada, subiam aos poleiros, adormeciam e aguardavam que a natureza trouxesse de volta a claridade.
E era assim, alheias ao infausto destino traçado para elas pelo granjeiro, que aquelas aves domésticas permitiam a vida escoar-se gota a gota, enquanto, como convinha ao seu dono, elas engordavam sem parar.
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Renato Sant'Ana
Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br