A decadência cultural da Europa. E o Brasil?

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Durante anos, interrompidos agora pela covid-19 e suas cautelas, tive a graça de, com minha mulher, viajar de carro em roteiros europeus conhecendo centros históricos, cidades medievais e catedrais góticas. Foram verdadeiros encontros de comunhão com nossa cultura e com as raízes ocidentais do cristianismo, deixadas para nosso proveito num tempo em que os povos faziam arte para Deus.

Em 2010, numa viagem pelos Alpes, comentei com minha mulher:

“Depois de tanto ver belezas que os homens ofereceram ao Senhor, aqui estamos embevecidos com a insuperável beleza que Ele ofereceu aos homens”.

Nos Alpes se sente a mão de Deus fazendo paisagismo.

Nessas ocasiões, atravessamos cidades e vilas, fugindo das autoestradas para melhor conhecermos o interior dos países e de suas regiões.

A sequência era sempre esta: rodava-se no meio rural, chegava-se à periferia de transição, com casas simples, mas todas abastecidas de lenha para o inverno (quase sempre guardada sob um telheiro na frente de casa); entrava-se no meio urbano e saia-se numa repetição da cena anterior, voltando ao ambiente rural. Nunca vimos malocas. Nunca vimos miséria. Recentemente, porém, a Europa começou a mudar.

Não vou entrar na polêmica questão das causas da mudança. Quero apenas lembrar que esse continente, muitas de suas catedrais, de seu patrimônio material e sua economia foram destruídos por duas guerras no século passado. A fome era endêmica e se prolongou pelos anos 50. Anos de reconstrução! Quem conviveu com europeus oriundos desse período percebe o valor que dão a qualquer alimento. E ao trabalho.

O que me deixa perplexo é ver o pacífico Brasil, encalhado na superfície de problemas que precisaria resolver para desfrutar do privilégio de viver uma vida boa em ambiente nacional tão bem dotado para isso. A reconstrução da Europa ocorreu graças à qualidade de seus recursos humanos, à sua cultura, ao valor que seus povos atribuem à Educação e às suas boas instituições políticas. A maior fonte de riqueza de um país é a atividade criativa e produtiva de seu povo.

No Brasil desconsideramos nossas questões institucionais, exceto para falar mal delas, como se lhes coubesse dar jeito em si mesmas. Não atribuímos importância à nossa educação. Toleramos sua instrumentalização. Admitimos que o sistema se desinteresse pelo futuro de quem encerre ali seu ciclo de estudos. Fingimos não ver o quanto o sistema induz a estudar o mínimo (o que mais adiante equivale a tentar vencer na vida sem se esforçar). Estudar cansa. Ler é chato. Chegamos à cultura do lixo musical, do feio, do hediondo, do satânico, do “som”. E à morte da beleza, da harmonia e da poesia por indigência e abandono.

Certa feita, falando sobre isso num programa de TV, chamei de lixo o conteúdo musical geralmente disponibilizado nos meios de comunicação e colhi resposta indignada de um telespectador que me “insultou” chamando-me “crítico de arte”. Quem era eu para dizer se algo era arte ou não? Respondi felicitando-o pelo esplêndido dom com que fora agraciado. Para ele, tudo que chegava aos seus ouvidos era música e poesia. Fosse batida de porta, panelaço, motocicleta com descarga aberta, ou caminhão subindo a lomba.

Há problemas de concepção num sistema que prioriza os investimentos federais num ensino superior em que a mais bem conceituada universidade brasileira é a 115ª do mundo, a segunda melhor já pula para o 233º lugar e a terceira vai ao 380º lugar. Só para manter a roda girando estamos graduando milhares de jovens em cursos universitários de pouca ou nenhuma utilidade para eles mesmos. Esses problemas se revelam maiores quando se vê a posição do estudante brasileiro nos ensinos fundamental e médio. Entre 79 países, o Brasil alcançou, em 2018, o 57º lugar em leitura, 64º em Ciências e 70º em matemática.

E viva Paulo Freire!

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Percival Puggina

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

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