Witzel poderá voltar ao cargo por descuido da própria Justiça. Conheça o motivo
04/01/2021 às 09:22 Ler na área do assinanteUma atmosfera esquisita, surpreendente, algo enigmático, incompreensível e inacreditável, passou a pairar sobre o processo de Impeachment que afastou Wilson Witzel da governadoria do Estado do Rio de Janeiro.
São dois processos. Um, judicial, a cargo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outro, político. Começou na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e teve continuidade com a formação do Tribunal Especial Misto (TEM), integrado por 5 deputados estaduais (eleitos por seus pares) e 5 desembargadores do Tribunal de Justiça do RJ (TJRJ), eleitos por sorteio.
Este tribunal é presidido pelo desembargador-presidente do TJRJ, Cláudio de Mello Tavares, que só vota em caso de empate.
No processo judicial, o prazo de 180 dias que o ministro do STJ, Benedito Gonçalves, fixou em 28 de Agosto 2020, para que Witzel se mantivesse afastado do cargo de governador, e o prazo, também de 180 dias, que a lei determina para o afastamento do gestor público em razão de processo de impeachment, que Witzel também enfrenta, são prazos decadenciais. Repita-se: prazos decadenciais.
Neste sentido, são muitos os precedentes (jurisprudência) dos Tribunais Superiores. Eis um deles: É da 2a. Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Mandado de Segurança nº 45955-MG. Entre outras considerações, lê-se na decisão dos ministros:
"Esse prazo (de afastamento do governante que sofre impeachment), por ser decadencial, não pode ser suspenso ou prorrogado. Precedente: REsp 893.931/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 4/10/2007"
O prazo de 180 dias de afastamento que o Ministro Benedito Gonçalves fixou, como medida cautelar penal, está perto de vencer. E o prazo do impeachment, que também é de 180 dias, foi suspenso pela presidência do TJRJ, e como se verá mais adiante, suspensão ilegal por se tratar de prazo decadencial.
Mas qual a importância de ser ou não ser prazo decadencial? Que diferença faz? É aí que reside o descuido que compromete a legalidade da tramitação do processo de impeachment de Witzel.
Explicando para entender: é princípio basilar do Direito Processual que, no sentido contrário do prazo prescricional, que pode ser suspenso, interrompido, prorrogado e até renunciado, o prazo decadencial não se suspende, não se interrompe, nem se prorroga, por mais justo e imperioso que seja o motivo.
Nenhuma autoridade judicial pode mexer em prazo decadencial, no caso aqui, de 180 dias. Ele é intocável. É matéria de ordem pública.
Dispõem os artigos 207 e 209 do Código Civil, aqui conjugados e associados:
"Não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. É nula a renúncia à decadência fixada em lei".
Prazo decadencial não se interrompe e se conta dia a dia, hora a hora, minuto a minuto.
Se Witzel não voltar ao cargo de governador do Rio, seja pelo vencimento do prazo fixado pelo STJ na medida cautelar (180 dias) sem que a questão penal esteja concluída, e sem que o Impeachment também esteja concluído também nos 180 dias, visto que o prazo de um e de outro é prazo decadencial, então Witzel, vai postular sua volta ao cargo quando vencer os 180 dias do impeachment. Isto porque o prazo é decadencial e até lá -180 dias -, o processo muito pouco avançou.
No Impeachment pior ainda, depois que o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Desembargador Cláudio de Mello Tavares, que também preside o Tribunal Especial Misto (TEM), decidiu suspender o curso do Impeachment, erro jurídico imperdoável e injustificável e que, segundo noticiado, foi aprovado pelos integrantes do TEM.
Este descompasso e desentrosamento precisam ser imediatamente corrigidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou apenas o adiamento do interrogatório do governador afastado. A suspensão do curso do Impeachment, Moraes não determinou. Nem poderia determinar.
Escreveu Moraes:
"Diante de todo o exposto, nos termos do artigo 989, II do Código de Processo Civil e artigos 21, §1º e 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DEFIRO A MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENDER A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO DE WILSON JOSÉ WITZEL nos autos do processo de impeachment 2020- 066713, em sessão de instrução designada pelo Tribunal Especial Misto para o dia 28.12.2020 e DETERMINO que o interrogatório somente poderá ser realizado após a defesa ter acesso a todos os documentos remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça, com prazo mínimo de 5 (cinco) dias entre o acesso integral e o ato processual, bem como após a complementação da oitiva da testemunha Edmar José Alves dos Santos, quando não mais incidirem as restrições decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal 976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do art. 7º, § 3º da Lei 12.820/2013. Comunique-se com urgência ao ilustre PRESIDENTE DO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Requisitem-se informações ao Reclamado. Após, à Procuradoria Geral da República. Publique-se. Brasília, 26 de dezembro de 2020 Ministro ALEXANDRE DE MORAES Relator"
Prazo decadencial não se suspende. E Moraes sabe disso. Witzel, também. Ele foi juiz de direito. E tem bons advogados. A matéria é de ordem pública. Mesmo assim, embora a merecer todo cuidado e toda a cautela, o presidente do TJRJ, decidiu pela suspensão do curso do Impeachment de Witzel. Erro gravíssimo. Seria suficiente que o presidente do TEM, ao receber a ordem do ministro Moraes, assina-se (exara-se) um "cumpra-se". Ou, "aguarde-se conforme determinado pelo senhor ministro do STF". Mas o presidente do TEM foi mais além: expressamente suspendeu o curso de prazo decadencial "por determinação do ministro Alexandre de Moraes...". A conferir:
"Nós então devemos suspender o feito por determinação do ministro Alexandre de Moraes e até que haja uma decisão dos pedidos formulados pela acusação".
"Ficará suspenso o feito, mantida na integralidade a decisão prolatada quanto no recebimento da denúncia com o afastamento do governador do cargo, possibilidade de utilização da residencial oficial e redução dos proventos até que não mais incidam as restrições decorrentes da delação negociada nos autos da ação penal".
Os fatos são públicos e notórios. Não dependem de comprovação. Nem de petição à(s) autoridade(s) judicial(ais) para que o Direito Processual prevaleça. Já foram vencidos dias e dias em benefício de Witzel, em razão da ilegalíssima suspensão do processo do Imppeachment.
Cada dia que passa, os 180 dias vão ficando menores e o processo não avança, porque foi suspenso. Estancado, enfim. A defesa do governador afastado fica por conta de seus advogados. Mas a defesa da legalidade, ainda mais em processo público e consolidado no pilar central da democracia, que é o direito de votar e ser eleito, este a todos nós, cidadãos-eleitores, pertence. Este direito é nosso. E deste direito, este artigo para o Jornal da Cidade On Line é a prova do seu exercício. E nenhum povo, nenhuma população pode viver na incerteza, na instabilidade, na falta de garantia de um governo sólido e estável. Ninguém suporta a eventualidade de um entra-e-sai e de um sai-e-entra de governador, cada um com seus secretariados.. A população fluminense está exausta. Cinco governadores e um prefeito da capital já foram presos. E tudo isso sem falar na violência urbana e no flagelo da Covid-19.
Espera-se que o ministro Moraes, até mesmo de ofício, revogue a decisão do TEM que suspendeu o curso do processo do impeachment, Espera-se, também, que o presidente do TJRJ, agora alertado para o erro que, sem perceber, cometeu, que ele próprio revogue sua decisão que suspendeu o curso do processo do Impeachment e determine que o processo volte a ter curso, contando-se o prazo, sem suspensão, visto tratar-se de prazo decadencial.
E para terminar, uma pergunta que tem tudo a ver com o caso. Onde anda e que faz o Ministério Público (Eleitoral ou não) e a própria Procuradoria-Geral da República (PGR), que agem como fiscais da lei e são partes legítimas para postular nos processos de Impeachment e nos recursos ao STF dele originados?
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Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)