O julgamento no STF sobre uniões estáveis concomitantes e o cordão de três dobras
28/12/2020 às 13:47 Ler na área do assinante“O amor só se conhece pelos frutos”.
A frase, por alguns conhecida, é de Kierkegaard, filósofo existencialista do século XIX. Para ele, pai do existencialismo, um trilho filosófico inaugurado a partir do decantamento da razão, do desabrochar dos afetos como sentido do real, o sentido da vida é angústia, medo, sofrimento.
Kierkegaard não pode ser nem um pouco questionável. Empiricamente, a vida humana não é um paraíso como dizem hipócritas do evangelho do afeto. Necessariamente, ela tem o seus altos e baixos. Por tal motivo, desconfie sempre daqueles cuja alma parece ter sido arrebatada de tanta euforia.
O filósofo existencialista cristão, como não poderia deixar de ser, não definiu o amor, algo que nem a mais metafísica das filosofias poderia preconceber. Mas ele trouxe um guia humano de como o amor se manifesta e de como, então, podemos utilizá-lo para distinções. Ótimo critério objetivo, eu acrescento, numa vida a dois (e a três, se Jesus for a base), nunca a quatro ou a cinco (quem sabe, como entenderam alguns ministros do Supremo Tribunal Federal).
Em tema de amor, o tempo aparece revelador, apontando quem é quem, os frutos de cada um diante de adversidades da vida, sobretudo entre cônjuges que juntos juraram chorar, sorrir, empobrecer, enriquecer, ter filhos e, enfim, morrer. Frutos bons e maus chegam com o tempo, com a experiência. Kierkegaard deixa isso claro quando diz que a essência da vida é sofrimento. Eu acrescento, sendo o amor uma virtude prática, a sua prova vem em momentos difíceis. Isso é máxima aristotélica. E se for para o barco afundar, um único bote salva-vidas será compartilhado.
O Supremo Tribunal Federal julgou esta semana que o direito brasileiro não legitima uniões estáveis concomitantes. Fica impedido o reconhecimento de uma segunda união estável, com possibilidade, de quebra, da prática do crime de bigamia por parte de quem contrai nova união.
O direito às vezes não é unívoco e a morosidade legislativa não dá conta da demanda social em constante mutação. A par disso, temos a infelicidade de a dignidade da pessoa humana ter saído da pauta filosófica algum tempo por infeliz obra de inteligentes de gabinete, fetichistas linguísticos. Para eles, a razão não atende nossos exigentes critérios modernos, sendo preciso urgentemente pensar em alguma outra coisa, digamos, mais sensível ao humano pós-moderno. Que tal o afeto? Pensam eles.
Ministros que votaram a favor da segunda união estável foram para um caminho romântico, com apelo a um escape irracional. Os que foram contra tal vínculo conjugal bigâmico acenaram para a onipotência da razão. É o jogo duplo da saída neokantiana da razão, que alemães dividem em seus pensamentos.
Com o argumento literal de que a constituição não permite uma segunda união, o Supremo acabou reconhecendo a fidelidade recíproca como critério legal, ou seja, da vontade popular; mais ainda implicitamente, e contra uma certa hegemonia utilitária e hedonista poligâmica, o amor fiel tende a se manter assim também nas tempestades; se construído numa rocha, resistirá ao espírito do esfriamento do amor moderno.
Como disse Jesus, venha a tempestade que vier, o cordão amoroso de três dobras, enlaçado por Jesus e o casal monogâmico, não se rompe tão facilmente. Já o cordão do afeto, de quatro, cinco, seis ou mais dobras, é mais fino do que bodas de algodão.
Sérgio Mello. Defensor Público no Estado de Santa Catarina.
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