Envergonhe-se comigo!

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“Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete como tu: ‘Eu sou um homem sério!’ E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!” (O Pequeno Príncipe - Saint-Exupéry, pág. 13).

Então é natal...

A revista Veja, a Folha e o Globo informam aos brasileiros que os venerandos sábios que mandam no país: o STF (Supremo Tribunal Federal) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), remeteram a Fiocruz um pedido para que sejam reservadas vacinas para imunizar 7.000 servidores do tribunal e do CNJ.

O argumento da corte, pasmem, diz que a medida: “é uma forma de contribuir com o país nesse momento tão crítico da nossa história”. Fofura total.

Eu faço aos “venerandos e augustos seres celestiais” algumas sugestões:

- Quando as vacinas chegarem os salões, onde os deuses serão pungidos em seus bracinhos delicados, devem estar enfeitados, pois ‘gente especial’ não pode receber vacina de qualquer jeito. Acepipes variados, música, sem esquecer as comidinhas importadas e tudo muito limpo e perfumado. Afinal, homens superiores devem dar exemplos de vida e comportamento aos homens inferiores, que custeiam, trabalhando de sol a sol, todas as regalias e o luxo do poder que os sublimes ostentam.

"Enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguirá esse fim: a responsabilidade eficaz do STF. Quem teria poder para impedir esse abuso e punir o ministro faltoso? Absolutamente, ninguém. Esse tribunal e seus integrantes não estão sujeitos a poder algum. Pelo menos neste mundo dos seres vivos”. (O professor emérito de Direito da USP e escritor Fábio Konder Comparato, citando palavras do imperador Dom Pedro II).

Como os donos da nação, de forma tão benevolente, estão “contribuindo com o país neste momento tão crítico de nossa história” e se dispondo valentemente, ao sacrifício de tomar vacina antes de qualquer lacaio-trabalhador, faço mais algumas sugestões:

- Após a sessão de vacina dos “Soberaníssimos”, na fila seguinte deverão estar os abnegados Senadores que foram eleitos para fiscalizarem e punirem os Ministros do Supremo, mas jamais moveram uma palha nesse sentido.

Em seguida a vacina deve ser aplicada nos “abarbarados esquerdistas da imprensa”, que todos os dias jogam confete em si mesmos, dizendo que são salvadores da pátria, que fazem um trabalho extraordinário divulgando a lista de mortos do “consorcio de imprensa” e publicaram a notícia da “reserva da vacina” como uma nota qualquer, sem emitir nenhuma crítica, apenas tentando livrar a cara dos podres poderes do Brasil. Assim o puxa-saco-mor da Globo, Lauro Jardim, apressou-se em anunciar: “As vacinas que o STF pediu à Fiocruz seriam também para dependentes e estagiários”.

A Folha, por sua vez, também procurou limpar a barra dos Ministros-deuses, publicou: “Fiocruz rejeita solicitação de reserva de vacinas para STF e STJ - Fundação afirmou que não cabe atender demanda específica e que destinará produção ao Ministério da Saúde.”

Depois dos “conspícuos jornalistas”, devem ser vacinados os nobres deputados federais, estaduais, vereadores, Governadores, prefeitos e toda escumalha dos que puxam saco e lustram as togas dos 11 Ministros. O Presidente não precisa, pois ele já disse que dispensa a picada. Por último, se sobrar vacina, a gentalha graúda, miúda, velhos jovens, deserdados e no final da fila os que trabalham para sustentar a nação.

Como não tem nenhuma vacina aprovada e é Natal e os Deuses não podem ficar sem os festejos, faço mais uma sugestão, em caráter experimental:

“Galo! Galo! Aplicação 10 reais no coute”, anunciava o camelô – galo é uma gíria que significa 50 reais – no coute é outra gíria, que significa algo feito “no esquema”.

O “esquema”, nesse caso, seria a aplicação da vacina, em uma farmácia, por 10 reais, que estava dentro do arranjo. Era o que oferecia um camelô em Madureira, por uma suposta vacina contra covid-19.

Aí está, a Fiocruz não reservou a vacina, mas a do camelô está à disposição dos Supremos seres que nos governam.

Que tal reiterar, em caráter de urgência, ao camelô de Madureira, o mesmo pedido que fizeram a Fiocruz para que sejam reservadas vacinas para imunizar 7.000 servidores do tribunal e do CNJ?

No coute.

Links:

(https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/supremo-pede-a-fiocruz-reserva-de-vacina-para-7000-servidores-para-contribuir-com-pais.shtml) .

(https://www.brasil247.com/brasil/comparato-d-pedro-ii-ja-defendia-cadeia-para-ministros-do-supremo).

(https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/vacinas-que-o-stj-pediu-fiocruz-seriam-tambem-para-dependentes-e-estagiarios.html).

(https://veja.abril.com.br/blog/radar-economico/ministros-do-stj-tentam-furar-fila-da-vacina-mas-fiocruz-nega-pedido/).

(https://veja.abril.com.br/brasil/policia-federal-e-anvisa-investigam-suposta-venda-de-coronavac-no-rio/).

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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