Estamos vivendo tempos tenebrosos, reflexos de crises econômicas e sociais provocadas por políticos e por um governo insensato, tendo como dragão da maldade um assustador conjunto de problemas: inflação, desemprego em massa e, com isso, o endividamento da população e quebradeira do comércio e das indústrias. Fico a pensar quem pagará o pato por tantos desatinos. Além disso, estamos mergulhados num “tsunami” político “nunca antes visto neste País”, gerando ódios e manifestações inconsequentes entre irmãos e amigos. Ninguém se entende e esta situação deixará aos historiadores futuros uma difícil tarefa de entendimento desta guerra civil não declarada. Os documentos escritos e os relatos orais gravados em vídeos estão embaralhados numa nova ordem de coisas que são as redes sociais.
De olho neste furacão, tenho a certeza de que um dos pilares da memória humana consiste no contato com os registros históricos, especialmente os escritos. É o trabalho do fazer histórico e dos historiadores. Mas a pura e simples consulta de documentos e a sua transcrição não é o único recurso para escrever um trabalho histórico. Preservá-los, portanto, não significa restringi-los da consulta pública como se fosse um perigo conhecer as entranhas da história, no caso, a brasileira. Que perigo pode ter um documento escrito há cem ou cinquenta anos para a soberania brasileira?
Faço tais considerações em vista do debate no Congresso Nacional sobre o sigilo eterno dos documentos públicos brasileiros classificados como ultrassecretos. É um assunto polêmico, sendo que na Câmara foi aprovado um prazo máximo de sigilo de 50 anos, ou seja, 25 anos renováveis pelo mesmo período. Agora, está em discussão no Senado. Curioso é que, no governo passado, o presidente Lula era a favor do sigilo eterno e na época a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, era contra. Agora, como presidente, mudou inicialmente de opinião apoiando também o sigilo eterno e, devido a tendência dos senadores de aprovar o prazo estabelecido do sigilo, parece que voltou atrás. Ainda bem.
O grande argumento do sigilo eterno destina-se, segundo dizem, em evitar complicar as relações diplomáticas com países vizinhos se, por exemplo, liberarem documentos até então secretos sobre a guerra com o Paraguai ou como se marcou a fronteira com o Acre. Isso, não tenho dúvida, é uma grande balela, pois os acontecimentos dessas fronteiras já não são mais segredo para ninguém. Que o dizem os xeretas historiadores brasileiros.
Além disso, uma coisa me intrigou. Foi o aparecimento nesta discussão, como baluartes em defesa do sigilo eterno, dos senadores Fernando Collor e José Sarney. Logo eles? Fico então a pensar que o conflito com o Paraguai e a questão do Acre possam ser apenas uma cortina de fumaça para esconder coisas mais escabrosas. Coisas que aconteceram internamente neste país e que até hoje não foram suficientemente explicadas.
O que está gelando a espinha de muita gente não se refere às espertezas diplomáticas do passado que, com certeza, não foram poucas. Mais do que isso, foram as espertezas internas e recentes que beneficiaram grupos econômicos e políticos em detrimento dos interesses maiores da população brasileira.
Vou citar um exemplo que veio a público. Entidades de Direitos Humanos descobriram que na Líbia foram encontradas enterradas minas terrestres made in Brazil. Minas terrestres são as formas mais brutais e criminosas de combater inimigos políticos, com um rastro de mutilações intermináveis em continentes como a África. Como pode a indústria armamentista brasileira fabricar estas armas criminosas, em fins da década de oitenta, com o desconhecimento dos brasileiros? Ou sobre a produção, também atribuída à indústria brasileira, de mísseis de fragmentação atirados na população civil em áreas conflitantes. Não há dúvida de que os autores dessas negociações, que ganharam milhões de dólares, têm o que perder com a divulgação desses crimes contra a humanidade. Então, é o caso de pensar, a quem interessa o sigilo eterno?
Outro assunto guardado a sete chaves pelo governo brasileiro refere-se às atividades relacionadas ao desenvolvimento e à segurança da energia nuclear brasileira. O que será que se esconde por detrás do sigilo eterno de seus registros?
Agora, em vista dos conflitos que envolvem políticos a favor ou contra o impeachment, fico seriamente preocupado com os registros e memórias sobre esses tempos revoltos. Sobre os processos recentes da Lava Jato e dos que estão em poder do STF não quero nem pensar... Muitos, infelizmente, estão encobertos pela nova chave mágica dos espertos com “depoimentos sobre segredo de justiça”.
Ao quebrar sigilos, é possível haver uma aproximação da realidade dos fatos e poderão ser desmascaradas as versões manipuladas, distorcidas e ideologizadas do passado. Temos o direito de conhecer a verdade ainda que tardia.
Valmir Batista Corrêa
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Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.