Pequenos negócios, grandes ilusões

09/04/2016 às 20:47 Ler na área do assinante

Existe um programa semanal de televisão que faz a apologia de pequenas empresas que, segundo dizem, são exemplos de sucesso e eficiência. O programa induz a pensar que qualquer pessoa pode abrir um negócio e, em pouco tempo, obter lucros e sucesso. Basta ter espírito empreendedor. Os jornais e mídias propagandeiam oficinas e palestras sobre o tema, como se bastasse você se empolgar e acreditar para tornar-se um empreendedor bem-sucedido.

Será que este milagre existe mesmo? Será que com pequenos recursos e com empreendedorismo o pacato cidadão pode fazer grandes negócios? E a crise? Como é que fica? Existe um cenário mágico que não pode ser visto a olho nu, acessível apenas àqueles que são confiantes em si mesmos e no país?

Recentemente vi num desses programas que um pequeno empresário começou o seu negócio comprando uma máquina por 3 milhões de reais.  Vi e ouvi isso mesmo? Alguma coisa não combina, pois, um empresário que tem acesso a esta bagatela, evidentemente, não é pequeno e sim um fortíssimo investidor, ou teve um fortíssimo padrinho. Existe também uma propaganda governamental induzindo pequenos comerciantes e prestadores de serviços a saírem da informalidade e regularizarem suas atividades econômicas. É a ilusória propaganda de que qualquer um pode ser patrão de si mesmo. Basta querer. Pobres coitados, pois não sabem o que os esperam.

Difícil é acreditar que com crédito escasso, juros estratosféricos e desemprego batendo números exorbitantes, os que pretendem ter seus próprios negócios sejam contemplados com a sorte. O cenário econômico e social vigente no Brasil é tenebroso, para dizer o mínimo.

Tenho acompanhado o triste caminho dos microempresários que desistem de seus negócios próprios, arrochados por uma carga escorchante de impostos, fiscais mal-intencionados, por uma burocracia burra, mercado encolhendo dia a dia e diversos outros obstáculos.

Por isso mesmo creio não existir luz no fim do túnel para esses arrojados e corajosos microempresários. Se é que o túnel ainda existe...  Basta ver a rapidez com que abrem e fecham suas pequenas empresas. E o governo, seja federal, estadual ou municipal, age como um coronel de tacão e chicote que bate sem dó no lombo desses pobres cidadãos que sonharam um dia em ser economicamente independentes. E, após essas experiências desastradas, ficam mais pobres, endividados, desiludidos com os planos e sonhos desfeitos e, pior, desacreditados dessa tal democracia.

A história do capitalismo, travestido de democracia, está aí para provar que o bom do capitalismo é ser capitalista, diga-se de passagem, grande capitalista. Pois só os grandes sobrevivem e dão continuidade a um sistema que, a despeito das crises, segue firme e forte cavando o abismo entre a concentração de riqueza de um lado e a exploração dos demais, de outro. Não existe saída, apenas arranjos temporários para minimizar a pobreza. O colapso pode demorar, mas é líquido e certo. 

O mais triste é saber que reside na pequena economia e na chamada economia familiar a produção que dá vida a este país, além da maior absorção de mão de obra que, em última instância, contribui fortemente para uma forma de redistribuição de renda. Por isso entendo ser urgente uma política mais justa, ainda que paliativa, com investimentos e impostos compatíveis ao tamanho e à capacidade de gerar renda de cada pequena empresa e, ainda, defendendo a microempresa e a economia familiar. Mas a realidade é cruel e o paraíso só existe no marketing do governo e do Sebrae.

Se existe este arrocho na área urbana, nem quero pensar na situação do homem do campo, seja assentado ou pequenos sitiantes que sofrem grande aflição com a presença do estado (leia-se impostos e imposições legais). Basta conversar com eles sobre o medo dos fiscais e das leis que impedem as a manutenção de formas e de procedimentos na agricultura e na criação que praticam e transmitem de geração a geração. O triste resultado, em muitos casos é o abandono da pequena propriedade, o endividamento, o êxodo rural para a zona urbana e a consequente crise social nas cidades.

Seria cômico se não fosse trágico constatar a existência de programas do governo de apoio ao pequeno produtor, aos pequenos empreendedores, aos quilombolas e etc. e até de programas de pesquisa e de divulgação pela TV. Aliás, gasta-se fortunas em propaganda oficial e outra parcela considerável dos recursos ficam na administração e na burocracia desses programas.

Quando é que os políticos e os dirigentes deste país vão acordar para o Brasil real que pune e sacrifica os pequenos empresários iludidos, mas perdoa grandes safados e empresários criminosos confessos, corruptores (diga-se de passagem) que negociam delações premiadas e acordos de leniência?

Valmir Batista Corrêa

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Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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