Impeachment, afinal é possível?

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O impeachment é um instrumento legal e legítimo nas melhores democracias e se aplica aos governantes que cometam crimes de responsabilidade – isto é, que, no exercício do poder, adotem condutas que atentem contra a Constituição e, entre outros motivos, atentem também contra a probidade administrativa. Assim, não poderá ser visto como golpe se for proposto o impeachment da presidente se ficar provado que ela sabia, se beneficiou ou nada fez para conter a corrupção no seio do governo.

Há justificativas plausíveis para o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, do PT?

Há divergências entre juristas. Uns, como Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, avaliam que sim. Chegou a produzir, sob encomenda, um parecer a respeito. Outros sugerem que não. A petista-chefe é corrupta? Está de fato comprovado que seu governo, o todo, é venal? Até agora, não há indícios de que a presidente está envolvida em algum ilícito. Não há provas também de que seu governo é inteiramente corrupto.

Porém, mesmo não estando envolvida, pode ser apontada como “culpada” por ser a gestora? Pode um governo ser corrupto, mas não a presidente? É um paradoxo que nem juristas gabaritados estão dando conta de explicar.

Ao examinar a Constituição Federal — o artigo 85, inciso 5º, o artigo 37, parágrafo 6º, e o parágrafo 4º do artigo 37 —, o artigo 9º, inciso 3º, da Lei do Impeachment, e os artigos 138, 139 e 142 das Lei das SAs, Ives Gandra concluiu que a possibilidade de se pedir o impeachment, com base legal, não é ilegítima.

O parágrafo 5º do artigo 37 da CF menciona a “imprescritibilidade das ações de ressarcimento que o Estado tem contra o agente público que gerou a lesão por culpa — imprudência, negligência, imperícia e omissão — ou dolo”, anota Ives Gandra. 

A Lei do Impeachment define: “São crimes de responsabilidade contra a probidade de administração: não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”. 

O parágrafo 4º declara: “Constitui ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da administração pública ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.

É bom lembrar que a queda de Fernando Collor de Mello, sacramentada pelo Congresso Nacional e sob a mais estrita legalidade constitucional em 1992, é até hoje uma referência da pujança que a nossa democracia alcançou após duas sofridas décadas de domínio ditatorial. 

Naquela época, o Partido dos Trabalhadores esteve na linha de frente dos protestos pelo impeachment, ao lado de outras legendas políticas e entidades como a União Nacional dos Estudantes, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa. Mereceram aplausos e passaram à história os que viram em Collor de Mello ações ou omissões caracterizadas como crime de responsabilidade.

Nos anos seguintes, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o PT igualmente liderou manifestações cujo mote era “Fora FHC e o FMI”, em referência ao Fundo Monetário Internacional. Um direito legítimo, desde que exercido pelas vias institucionais, daqueles que viam também na gestão tucana indícios que poderiam levar à saída de FHC do Planalto, embora a mobilização não criado ambiente político propício a que se chegasse ao impeachment, como aconteceu com Collor.

A história se repete agora; à medida que o escândalo das propinas da Petrobras vai ficando mais e mais cabeludo, vários grupos, não necessariamente vinculados a partidos políticos, têm percorrido ruas de várias capitais brasileiras com o refrão “Fora Dilma” – um novo protesto está marcado para este sábado. A reação do PT e da própria presidente a essas manifestações, no entanto, deixa evidente uma incoerência em relação à visão que o partido tinha das mobilizações que protagonizou no passado.

“Golpista” é o adjetivo mais usado nesses casos – e o PT não está falando apenas dos verdadeiros golpistas, aqueles (felizmente, uma minoria) que pedem um golpe militar que deponha Dilma: o termo, na boca da presidente e de outros membros do PT, engloba qualquer um que vá às ruas pelo impeachment.

Na opinião da presidente, seriam golpistas os que, seja nas tribunas do Congresso Nacional ou nas passeatas, acreditam que a corrupção instalada nos estamentos governamentais seria motivo suficiente para desalojá-la do Palácio do Planalto. Ainda na semana passada, reunida em Fortaleza com o diretório nacional do PT, Dilma discursou: “Esses golpistas que hoje têm essa característica, eles não nos perdoam por estar tanto tempo fora do poder”. Em seguida, tentou relativizar a visão autoritária presente na raiz da classificação que dá aos oposicionistas: “Temos de tratar isso com tranquilidade e serenidade, não podemos cair em nenhuma provocação e não faremos radicalismo gratuito, pois temos a responsabilidade de governar”.

Pio Barbosa Neto

(*) Professor, escritor, roteirista, poeta

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Pio Barbosa Neto

Articulista. Consultor legislativo da Assembleia Legislativa do Ceará

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