A violência faz parte da vida humana desde o princípio, inclusive entre iguais ou irmãos. Basta lembrar o que aconteceu a um tal de Caim. Mas o que mais se almeja neste mundo é a paz e a tolerância entre os homens. Mesmo em tempos de paz, a violência do cotidiano é um fator assustador. Sempre ouvi dizer que o Brasil era um país abençoado por não ter terremotos, vulcões, tornados ou guerras entre outras tragédias da natureza e da natureza humana. E, sobretudo, que o Brasil é um país pacífico, onde se resolvem conflitos pela conversa e pela conciliação. Mas, pelo que vem acontecendo em toda a sua história, esta versão já era.
Na história do Brasil existe uma violência implícita e estrutural que nos acompanha desde seu início: é a violência praticada por que tem o poder e quer mantê-lo pela força e a qualquer preço. Basta rever na época da colônia o que aconteceu com os índios, negros, os rebeldes que afrontavam a coroa portuguesa e os movimentos de resistência popular e até revolucionária. O que prevaleceu foi a repressão com tronco, açoites, torturas, prisões em solitárias, fuzilamentos e enforcamentos. No Império nada se modificou até mesmo no governo do bonzinho D. Pedro II.
Com a República, a lei do cacete continuou a ser a arma mais usada pelos seus governantes. Toda resistência política ao poder republicano não teve clemência. Lutas como a Revolução Federalista, a Revolta da Chibata, o massacre dos sertanejos de Canudos são alguns tristes exemplos. Além do mais vigorou o coronelismo que hoje pode ser visto na novela Velho Chico em sua primeira fase, escrita por Benedito Ruy Barbosa e brilhantemente apresentada na TV.
Na época do governo do presidente Artur Bernardes foi instalado às margens do distante rio Oiapoque, extremo norte do Brasil, um campo de concentração para abrigar os opositores ao seu governo. Numa terra insalubre e completamente isolada, trabalhadores, jornalistas, intelectuais e anarquistas foram confinados à espera da morte. Dois corumbaenses, filhos do proprietário do jornal A Tribuna, foram presos nesse terrível lugar. Um deles não resistiu e morreu; o outro conseguiu fugir, mas não sobreviveu devido ao seu precário estado de saúde, morrendo no retorno a Corumbá.
Na ditadura de Getúlio Vargas a tortura e a violência correram soltas nos porões de sua polícia política. Políticos de oposição ou que caíam em desgraça, jornalistas, estudantes, artistas, comunistas e fascistas foram os que mais sofreram. O tempo foi passando e muitos desses tristes acontecimentos foram convenientemente engavetados nos escaninhos da memória e na consciência de muita gente. As novas gerações, hoje, não sabem o que aconteceu na época de Vargas, muito menos no recente regime militar inaugurado em 1964.
Entretanto, para quem viveu nos anos de chumbo, a ditadura militar e seus métodos de convencimento para obter confissões compulsórias, no estilo de uma terrível inquisição moderna, continuam pairando com uma nuvem negra sobre as mentes de torturados e torturadores. Ambos ainda ficam muito incomodados, pois quem bate procura sempre esquecer, mas quem apanha carrega na mente, para toda a vida, as feridas abertas e doloridas como as dores fantasmas dos amputados. São negras lembranças que não podem ser varridas para debaixo do tapete, muito menos seus responsáveis não devem ficar impunes. Mesmo assim, nas recentes manifestações das ruas têm malucos pedindo o retorno da intervenção militar.
A recente polêmica torturados/torturadores teve início a partir de um artigo do economista Pérsio Arida na Folha de S. Paulo, que relata a sua prisão em 1970 no DOI paulista, depois transferido para o Rio de Janeiro, onde o articulista descreve a tortura que sofreu com choques e pauladas. Em seguida, o lamentavelmente célebre coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, já falecido, chefão na época do DOI e um dos responsáveis pela Operação Bandeirantes de triste memória, entre os anos das trevas de 1970 a 1974, desmentiu o economista com outro artigo. Ustra, velho conhecido dos presos políticos que faziam oposição corajosa à ditadura e que foi denunciado no livro “Tortura nunca mais”, foi presença marcante nos porões da repressão. Nessa ocasião havia mais de 2.000 presos políticos, dentre estes 700 aproximadamente denunciaram as torturas a que foram submetidos. Ustra, com a maior cara dura, afirmou em resposta a Arida que nunca houve torturas nessas dependências, chegando inclusive a escrever um livro dando a sua versão, o que, aliás, caiu no descrédito público.
Mas, uma coisa deve ficar bem clara, a violência e a tortura são inaceitáveis em qualquer situação. Até porque numa guerra suja como essa, muitos inocentes entraram de gaiato no navio e pagaram pelo que não fizeram ou delataram outros inocentes. Assim, uma coisa não pode justificar outra, senão voltaremos ao tempo da barbárie, da lei do olho por olho e isto é retrocesso para a humanidade.
Não desejem retroceder aos tempos ilusoriamente bons das ditaduras ou do passado de violência em nosso país. Isso tudo pode se repetir e o arrependimento virá tarde demais.
Valmir Batista Corrêa
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