Nas eleições de 2010, em São Paulo, apareceu um candidato a deputado federal, conhecido humorista, com bordões que avacalhavam os políticos, inclusive a sua própria candidatura. Não deu outra coisa no país da piada pronta. Foi o candidato mais votado, com alguns milhares de votos. Entretanto, Sua Excelência Tiririca não acertou sua previsão de que “pior que tá, não fica”. Em 2014, Tiririca foi reeleito com outra montanha de votos, mas ainda ocupa o “baixo clero” do Congresso, tratado com visível preconceito pela imprensa.
Hoje, em qualquer situação, o que sai perdendo é a política brasileira. Venho acompanhando há anos a atuação de Francisco Everaldo Oliveira Silva, cearense de 46 anos, nascido em Itapipoca, nos palcos da vida brasileira. Quase ninguém sabe quem é o Francisco, mas com certeza todos conhecem o palhaço Tiririca. Mas ele não é só isso. É cantor, compositor, humorista e um polêmico deputado federal em segundo mandato.
Desde os 8 anos Tiririca trabalhava em espetáculos de rua e circos mambembes como palhaço chegando, finalmente ao estrelato com a música “Florentina” que conquistou sucesso nacional. Desde então passou a participar de programas humorísticos na TV, marcado por um escrachado e popular personagem. E fez rir ricos e pobres, ignorantes e intelectuais.
Tudo ia bem para o aparentemente simplório Tiririca, até que um político vivaldino, de grande esperteza e oportunismo, convidou-o a participar das eleições como candidato a deputado a federal pelo estado mais rico do país, São Paulo. Foi tratado com desdém, ridicularizado pela imprensa e por outros partidos políticos. Sua campanha na televisão foi calcada na sua veia humorística e com slogans ridículos. Porém, foi um sucesso. Não deu outra, e os eleitores paulistas, demonstrando seu descontentamento com as campanhas eleitorais mentirosas, votou maciçamente no palhaço-político. Foi eleito com 1.348.295 votos. Demonstrou que de palhaço não tinha nada de bobo e que, mesmo subestimado, deu um show de inteligência e competência na campanha, usando o humor como uma contundente crítica do nosso sistema eleitoral. A imprensa, que criticou declaradamente a campanha do Tiririca, continuou a explorar como sensacionalismo o deputado “estranho no ninho”, revelando preconceito, pouco caso e até insinuando que Tiririca era analfabeto e não poderia tomar posse de seu mandato.
A própria justiça ratificou esse preconceito, na verdade uma hipocrisia da lei eleitoral, ao tentar impedir a sua diplomação de deputado federal, conquistada pelo voto popular e democrático, ao conferir a sua capacidade de ler e escrever. Foi uma coisa vergonhosa contra um homem público, com ampla divulgação na imprensa. Pobre Tiririca que passou pela humilhante provação. Mas, muita gente teve que engolir seco, pois o artista-político provou ser capaz e foi o mais ovacionado deputado ao tomar posse na Câmara Federal pelo público presente na ocasião.
Já em sua nova função parlamentar, Tiririca foi indicado membro da Comissão de Educação e Cultura o que motivou muita chacota nos jornais, mostrando mais uma vez deboche e preconceito. Ora, Tiririca estava no lugar certo como defensor da cultura e representante da classe artística. Depois, por nomear como seus assessores dois colegas comediantes, novamente sofreu comentários desairosos. Mas, com certeza, a inteligência do deputado Tiririca deu a volta por cima de todas essas maldades.
Em recente viagem à Brasília, num encontro casual com o deputado num cafezinho do aeroporto, eu pude ver com meus próprios olhos o carinho com que ele é tratado pela população. Uma família fez questão de fazer uma “selfie” ao seu lado após coletar para as suas crianças os requisitados autógrafos.
Entendo que é produtivo acompanhar a sua atuação política. No seu primeiro mandato, devolveu aos cofres do Congresso mais de R$ 500,00 que recebeu por gastos de uma viagem pelo interior do país. Belo exemplo, que deveria constranger os que vivem a custa do erário público. Fiquei sabendo que ele recusou o convite para bater bola na casa de uma “cabeça coroada” do PR. Preferiu ir com outros colegas jogar uma pelada, pagando pelo aluguel do campo. Foi um ato cuidadoso para não dever favores. Não falta a nenhuma das sessões da Câmara e nunca houve até hoje nenhum fato desabonador de sua conduta.
Tiririca vem sendo, de fato, um estranho no ninho parlamentar e creio que só não se destaca mais por não contar com a boa vontade da imprensa. Por outro lado, os deputados considerados a elite da política nacional, que barganham tudo por destaque, cargos e dinheiro, são os verdadeiros responsáveis pelo desgaste e falta de credibilidade da política brasileira. Eles fazem o povo de palhaço.
Falando em escândalos, a ladroagem que mistura a espúria relação entre o público e o privado não é novidade entre nós. Vem de longe esse câncer da economia e da sociedade brasileiras, com escândalos escancarados nos últimos tempos. Penso, que a grande oportunidade dos políticos e empresários oportunistas serem desnudados perante todos foi o chamado Mensalão. A partir daí os fatos inusitados foram as prisões de espertalhões e políticos do mais alto escalão, cassados. Porém, o Mensalão representou apenas a “ponta do iceberg’ de uma grande podridão. Depois disso, veio a operação Lava Jato, que não está deixando pedra sobre pedra.
O aspecto mais negativo desse processo de desgaste da classe política e de grandes empresários do país é a descrença quase total dos brasileiros nos seus representantes e a disseminação do ódio e da intolerância entre nós. Estabeleceu-se o confronto “nós contra eles” por grupos sem um norte, sem um projeto de sociedade ou um ideal de sociedade justa e solidária e sem líderes em seu comando. Aí mora o perigo. E, com certeza, isso não vai acabar bem. Entretanto, em qualquer situação de crise temos que defender a nossa democracia duramente conquistada.
Penso que hoje o Brasil é a nau dos desesperados no meio da tempestade perfeita. Muitos políticos, pretensos líderes de alguma coisa, só se preocupam em sobreviver ao tsunami e em salvar a própria pele. Fortes empresários também estão no mesmo barco. Por isso, e felizmente, a investigação da Lava Jato é a salvação de nossa combalida democracia e, certamente, a única forma de fazer uma faxina radical na política nacional, ainda que sobre algum lixo debaixo do tapete.
Valmir Batista Corrêa
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Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.