Rodrigo Janot convoca os membros do Ministério Público à união

O Procurador-Geral da República diz: “Somos Ministério Público”

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Rodrigo Janot, em carta a todos os membros do Ministério Público do Brasil, citando exemplos históricos de lutas e conquistas lembra que a união das forças é a saída para uma solução justa, calma e pacífica, diante do grave momento que nossa República experimenta. O tom da carta (abaixo transcrita) revela a preocupação da Instituição com a instabilidade econômica, política e social, que vêm se adensando pelas querelas que nascem nas ideologias antagônicas e vai tomando conta das ruas em perigoso movimento.

Já escrevi acerca desse risco:

“(...) Triste quadra esta que vivemos. Somos obrigados a testemunhar e pagar alto preço por tal testemunho; de tantos desmandos e inverdades que grassam nosso cotidiano, obstruindo o caminho à frente, atrasando nossa chegada ao bom momento.

Retiram-nos não só as riquezas, mas também, e, principalmente, a esperança da proximidade de um futuro exuberante. (...)”.

(...) homens tornados animais domésticos. De resto, pura mentira!, mas não admitem, pois assim lhes é mais conveniente, lhes concerne mais aos sentidos. É volúpia sem fim firmada na aspereza da mesquinhez, que de tão torpe e abjeto só o que faz é permitir aflorar conflitos embaraçosos entre semelhantes. Como Nietzschiano intermédio “o sentido do trágico cresce e decresce com a sensualidade”. Deve ser isso! De sensualidade abusivamente entorpecente a ponto de curvarem-se ao vil prestando honras como se se estivessem ajoelhados ao pé de algum altar venerando santo ou divindade. O que vejo é Fausto de Goethe. (...)”. JM Almeida[1]

Janot destaca o caso Lava Jato considerando-o um belo trabalho ao tempo em que alerta que não será esta a salvação do Brasil.

O Procurador-Geral da República, em síntese, enaltece o Ministério Público, reafirma os valores republicanos e cidadãos e roga aos seus integrantes que não se deixem “influenciar pelas paixões das ruas”.

Particularmente, louvo as iniciativas dos chefes e representantes das instituições brasileiras que buscam soerguer as ciência e consciência de seus membros, especialmente nesse momento singularmente resiliente entre os cidadãos e políticos que recusam a reconhecerem-se em seus próprios enganos e gravíssimos erros.

Ainda não será hoje nem amanhã. Mas chegará o momento em que todos os brasileiros terão de entreolhar-se e decidir pelo abraço ou pelo sangue.

Esse ódio é alimentado diariamente pela própria classe política e por alguns homens mandados despojados de valor.

Os discursos que vêm de todos os púlpitos exortam ódio e vingança; e justamente daqueles que deveriam – até por dever de ofício – promover a unidade.

Esperemos para conhecer a escolha.

JM Almeida

Com a palavra Sua Excelência, o Eminente Procurador-Geral da República do Brasil:

União e Serenidade

“Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar”. Essas foram palavras proferidas por Abraham Lincoln, em 19 de novembro de 1863, por ocasião de um conflito que dividia dramaticamente o povo dos Estados Unidos da América.

O pano de fundo da dissensão era a luta pela liberdade consubstanciada no fim da escravidão. Lincoln, como um grande estadista, sabia que, por mais justa que fosse a sua causa, vencer a guerra a qualquer custo não seria uma alternativa válida. O país, após o sangrento conflito, deveria sobreviver ou não haveria verdadeira vitória.

Em respeito à memória dos mortos, que ele homenageava no cemitério de Gettysburg, o presidente percebeu com muita clarividência que a própria noção de liberdade, como valor para as nações democráticas, sairia enfraquecida ou mesmo pereceria, caso o desfecho do conflito fosse a fratura irreconciliável entre os irmãos americanos. Abraham Lincoln queria, acima de tudo, um país unido e forte, em que o governo do povo, para o povo e pelo povo jamais desaparecesse da face da terra.

Com o grande líder Nelson Mandela também não foi diferente. Após 30 anos de cárcere decorrente de sua luta pelo fim do apartheid, Madiba, como era carinhosamente conhecido, derrotou a nódoa da segregação racial e chegou à presidência da África do Sul. Muitos dos companheiros que compartilharam da sua luta acreditavam que, com a sua assunção ao poder, era a hora da revanche contra os que, por tantos anos, injustamente os oprimiram. Mas Mandela foi um gigante em humanidade e sabedoria.

Ao contrário do que se poderia esperar de um homem tão brutalmente injustiçado, ele decidiu seguir por um caminho que não levasse o seu país a se desintegrar em uma guerra fratricida e de consequências imprevisíveis. Sem aquiescer com o mal, esse extraordinário estadista, encontrou uma forma sábia de desfazer os equívocos do passado, preservando a unidade de sua nação.

Cito esses dois exemplos extremos para falar do Brasil, do Ministério Público e do momento atual. Refletindo sobre tudo isso, chego à conclusão de que há muitos anos o país não atravessa uma crise tão aguda e grave como a que vivemos nestes dias difíceis.

É certo que cada época tem os seus desafios, que os problemas, as soluções e os riscos são próprios e datados, mas não é menos certo que há valores e atitudes que influenciam decisivamente a ordem dos acontecimentos e que não estão jungidos ao tempo nem ao espaço.

Refiro-me à temperança, à coragem, à sabedoria e à humildade. Não sairemos dessa crise melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização. Essa estrada só tem curso para nos levar ao ódio e à desintegração do sentimento de unidade essencial que deve permear o nosso povo, para além das divergências políticas.

Nesses momentos singulares, as paixões afloram, a psicologia das massas dita condutas e, no ponto de inflexão, tudo pode mudar para melhor ou para pior. Podemos com a crise avançar ou retroceder, ficar estáticos jamais. Então, o que será determinante nessa hora difícil para que a nossa história siga por um ou por outro lado? Muitos fatores, certamente. Mas dentre todos eles, gostaria de destacar dois: a qualidade de nossos líderes e a força de nossas instituições.

Dito de forma melhor: avançaremos na medida em que as lideranças operem, com firmeza e serenidade, nos limites estritos da institucionalidade. Nenhum de nós, por mais lúcido e clarividente que seja, é capaz de sozinho e ao largo do processo institucional apontar saídas que nos conduzam a um futuro melhor.

O Brasil superará essa crise, não há dúvida sobre isso. Esse fato sequer depende do Ministério Público, da Justiça ou dos partidos, ao contrário, vai ocorrer, se for necessário, apesar de todos nós, pela força da própria sociedade. Temos, no entanto, uma escolha: institucionalizaremos os valores republicanos, democráticos e do estado de direito, ou afundaremos o país em um perigoso jogo de poder que nada há de agregar à construção da cidadania e da civilidade?

Para responder a essa pergunta, é preciso entender que, sob qualquer governo, de esquerda, de direita ou de centro, o futuro só será generoso conosco se aceitarmos definitivamente que não existe salvação possível fora das instituições.

O Ministério Público forjou suas potencialidades em anos de trabalho incessante de combate à corrupção, o qual é desenvolvido por seus membros nos mais recônditos lugares do país. Se chegamos, agora, ao ponto culminante do enfrentamento desse mal que assola nossos governos, atingindo o sistema nervoso central da corrupção, isso não se deve a iniciativas individuais, ao messianismo ou ao voluntarismo, mas ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de anos de labuta, de erros e de acertos.

O país precisa, mais do que nunca, de que o Ministério Público cumpra fielmente o seu destino nesse momento crucial, e, para tanto, precisamos de coletivamente compreender três verdades intuitivas: a primeira, o desafio da nossa hora é o de combater a impunidade; a segunda, o Ministério Público não tem ideologia nem partido, de modo que nosso único guia deve encontrar-se no texto da Constituição da República e nas leis; a terceira, devemos manter aceso nosso sentimento de unidade, sem cizânias personalistas ou arroubos das idiossincrasias individuais.

É chegada a hora de exercermos, por inteiro, as nossas funções institucionais, influenciando a sociedade pelo bom exemplo e pelo trabalho técnico e sereno. Não podemos permitir que as paixões das ruas encontrem guarida entre as nossas hostes. Somos Ministério Público.

A sociedade favoreceu-nos, na Constituição, com as prerrogativas necessárias para nos mantermos alheios aos interesses da política partidária e até para a defendermos de seus desatinos em certas ocasiões. Se não compreendermos isso, estaremos não só insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as paixões do povo, como também traindo a nossa missão e a nossa própria essência.

Conclamo todos os membros do Ministério Público ao cumprimento dos seus deveres para com país. Devemos dar combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem doer, mas há de se preservar sempre as instituições.

A Lava Jato certamente não salvará o Brasil, até porque se tivéssemos essa pretensão, já teríamos falhado antes mesmo de começar. No entanto, esse belo trabalho – estou convicto disso – tem as condições necessárias para alavancar nossa democracia para um novo e mais elevado patamar, se, e somente se, soubermos manter a união, a lealdade institucional, o respeito à Constituição.

Devemos apagar o brilho personalista da vaidade para fazer brilhar o valor do coletivo, densificando a institucionalidade dentro da nossa casa e, consequentemente, no País.

Para encerrar, socorro-me uma vez mais de outro insigne estadista – Winston Churchill – que guiou seu país em uma terrível guerra pela sobrevivência e pela liberdade. Parafraseando-o, desejo que, unidos no cumprimento do próprio dever, tenhamos, nas nossas mentes e nos nossos corações, a ideia firme de que se o Ministério Público brasileiro durar mil anos,  possam os homens dizer de nós: “Este foi o seu melhor”.


[1] Pessoas que se consideram acima e à margem da lei ; JC ONLINE : 17/02/2016 | http://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/2082/pessoas-que-se-consideram-acima-e-a-margem-da-l...

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JM Almeida

João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas. 

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