O “follow up” britânico e o politicamente correto brasileiro
28/09/2020 às 20:54 Ler na área do assinanteO politicamente correto me parece uma criação das esquerdas para que funcione como um biombo a esconder a realidade fática. É adotado pela imprensa tradicional brasileira, seja escrita ou televisiva. Manuais de redação são impostos aos articulistas, visando garantir o politicamente correto que só na aparência é correto.
Na prática, mais escamoteia do que informa. É obra do politicamente correto o país em que vivemos hoje, com seu estamento político de péssima qualidade e com um Judiciário cuja composição constrange e deprime o cidadão pensante e honrado.
Enquanto vivi na Inglaterra, nos anos 1970, não percebi, nos articulistas e fabulosos entrevistadores ingleses, traços sequer do politicamente correto. Os entrevistadores ingleses, com o seu ‘follow up’ (necessariamente incorreto politicamente, segundo nossos padrões), tornam-se o terror do político espertalhão, bem articulado, que gosta de fugir pela tangente.
Certa vez, ainda recém chegado à Inglaterra, assisti Robin Day, na BBC, entrevistando a raposa política Harold Wilson, então Líder do ‘Labour Party’, o Partido Trabalhista britânico. Wilson foi massacrado, sem apelação e sem amparo do politicamente correto! Naquele momento fiquei convencido -usando padrões brasileiros que trazia, claro - que o entrevistador era um ‘conservative’ (filiado ou amante do Partido Conservador) tentando desmontar o Líder da Oposição (com L e O maiúsculos mesmo!).
Uma semana depois o mesmo Robin Day entrevistava Edward Heath, então Primeiro Ministro, do Partido Conservador. Para minha surpresa e desorientação, assisti a outro massacre. Em certo momento, Day fez uma pergunta e Heath deu uma esquivada.
“Primeiro Ministro, prosseguiu Day, o senhor não respondeu minha pergunta. Vou reformulá-la para ver se o senhor entende.”
Heath saiu pela tangente, de novo, à moda brasileira. Mas Day era um entrevistador britânico, onde o ‘follow up’ é cultura estabelecida no jornalismo, e voltou à carga:
“Primeiro Ministro, o senhor não respondeu, de novo, minha pergunta. Vou refazê-la mais uma vez”.
Heath deu outro “esquinaço”. Davis então deixou tudo claro para o telespectador: “Primeiro Ministro, como o senhor não quer responder a minha pergunta, vou desistir dela e passar adiante.” Heath, com cara de tacho, apenas ficou calado.
Entenderam?
Day deixou claro ao telespectador que sua pergunta incomodara o Primeiro Ministro. Que ele, Primeiro Ministro, fugira da questão mas não o enganara e que ele, Day, não seria conivente com o Primeiro Ministro em sua tentativa de enrolar o telespectador.
É a isso que, no Reino Unido, se chama ‘follow up’. É isso que não existe por aqui, nos meios televisivos, sempre tão “politicamente corretos”. E isso, no Reino Unido, é jornalismo na sua maior e mais relevante expressão. Jamais vi algo próximo a isso no Brasil. Aqui, o entrevistador pergunta, o entrevistado diz o que bem entende e fica por isso mesmo. Nada de Robin Day por aqui, já que não é politicamente correto.
E mesmo quando se trata apenas de comentar um fato político, a fala do comentarista segue uma espécie de “Manual de Redação”: é genérica e não atinge a veia dos fatos e dos envolvidos. É por isso que a mídia brasileira - ao contrário do que apregoam os partidos de esquerda - é a grande trincheira do político hipócrita, falso, mentiroso, enrolador.
Lembro aqui, por ser emblemático, o debate entre Fernando Collor e Lula, na Rede Globo de televisão, em 1989. (Atenção: não estou me referindo ao “resumo”, parcial e indecente, apresentado pela Globo no dia seguinte ao debate. Refiro-me ao debate ao vivo.) Nenhuma (nenhuma mesmo!) das perguntas feitas a Collor foram respondidas.
Collor as ignorava absolutamente e falava sobre o que queria. E tudo ficava por isso mesmo. Nenhum entrevistador arriscava um ‘follow up’, talvez porque soubesse que o moderador não o permitiria. Nenhum entrevistador teve a dignidade de se levantar e, sob protestos, ir embora: isso seria politicamente incorreto.
Mas o que me impulsionou mesmo a escrever este texto foi a entrevista do jurista Oscar Vilhena Vieira à CNN, no dia 25 de setembro do corrente ano. Oscar Vilhena é um jurista de reconhecido valor intelectual e dirige a renomada Escola de Direito de São Paulo da FGV. Eu, pessoalmente, o admiro como autor de textos valiosos.
Mas, pelo menos na entrevista acima, Vilhena mostrou-se profundamente contaminado com o vírus do politicamente correto.
Vilhena tratou a atual composição do STF (não falo da instituição, mas da atual composição - aparelhamento, para ser claro - daquela corte) com a mais absoluta deferência, como se ela fosse, nos dias atuais, algo que lembrasse uma corte constitucional de verdade, como a de um país central sério. Não o é! Não é composta por juízes que se notabilizaram na carreira e que, por mérito reconhecido na magistratura, galgaram aquele tribunal.
É composta, quase que exclusivamente, de “amicus bulla” (amigos do patrão), ou de correligionários do presidente que os nomeou ou, simplesmente, de cúmplices do presidente, que nunca enfrentaram um concurso para Juiz. Ou, se enfrentaram, caso de Dias Toffoli, foram reprovados.
O ponto que mais me chamou a atenção (negativamente, explico) foi quando o bom jornalista Fernando Molica questionou Vilhena sobre as reuniões que Dias Toffoli, enquanto presidente do STF, teve com o presidente da República e da recomendação daquele de um pacto, entre os três poderes constitucionais da Republica, para aprovação de algumas reformas essenciais ao país.
Molica queria saber de Vilhena se tais reuniões e tal pacto faziam parte do papel do Judiciário. Até os paralelepípedos de minha rua sabem que isso não é papel da Suprema Corte de nenhum país sério.
Não cabe a uma Corte Suprema (aliás de qualquer corte de Justiça) de verdade tais reuniões (políticas!) com chefes de outros poderes. Não se vê, porque não cabe, tal militância política em nenhuma democracia consolidada. Toffoli, se fosse competente em Direito, entenderia a lição da brilhante Juíza Amy Coney Barret, quando de sua indicação, por Trump, para a Corte Suprema dos Estados Unidos:
“Os juízes não são legisladores (“policy makers”) e devem ser resolutos em deixar de lado quaisquer opiniões políticas que possam ter.”
Ouviu, Toffoli? Deu para entender ou será preciso desenhar? (Aqui entre nós, esta lição de Amy dá a nós, brasileiros, uma inveja...).
Muito bem, mas onde entra Vilhena neste caso?
Vilhena respondeu corretamente à pergunta de Molica. Amy Coney Barret, acho, o cumprimentaria pela explicação que Toffoli, presumo, não entenderia. Mas, exorbitando o seu politicamente correto, Vilhena iniciou sua correta resposta com um “Com todo o respeito para com o ministro Toffoli, ...”
Aí já é demais.
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José J. de Espíndola
Engenheiro Mecânico pela UFRGS. Mestre em Ciências em Engenharia pela PUC-Rio. Doutor (Ph.D.) pelo Institute of Sound and Vibration Research (ISVR) da Universidade de Southampton, Inglaterra. Doutor Honoris Causa da UFPR. Membro Emérito do Comitê de Dinâmica da ABCM. Detentor do Prêmio Engenharia Mecânica Brasileira da ABCM. Detentor da Medalha de Reconhecimento da UFSC por Ação Pioneira na Construção da Pós-graduação. Detentor da Medalha João David Ferreira Lima, concedida pela Câmara Municipal de Florianópolis. Criador da área de Vibrações e Acústica do Programa de Pós-Graduação em engenharia Mecânica. Idealizador e criador do LVA, Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC. Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.