Uma fábula sobre o "Ministério do Achismo do Brazubequistão"
06/09/2020 às 17:30 Ler na área do assinanteEscreve-me do Brazubequistão um amigo contando uma Fábula de seu país. Antes de iniciar chamo sua atenção para dois detalhes: o primeiro, que é um fato raro nos dias de hoje, alguém escrever e mandar cartas pelo correio; o segundo, é que ninguém mais conta Fábulas. De qualquer modo, eis o relato:
“Existiu em nosso país uma bruxa que dominava onze espíritos do mal. Esses espíritos viveram na terra em diferentes épocas. Ela os reuniu e soprou sua maldade sobre o Brazubequistão, dizendo:
- Pronto, senhores, está criado o Ministério do Achismo, que ele domine sobre a vida política do país a partir desse momento!
E assim aconteceu. Apareceu do nada. Simplesmente apareceu quando todos aqueles que perderam as eleições uniram-se e descobriram que eles perderam, mas ganharam. Quem venceu com 57,8 milhões de votos contra todos os partidos, contra os institutos de pesquisa, contra os jornais falados e escritos, contra os pseudos-intelectuais, contra os pseudos-artistas-filósofos -cantores, contra os informantes de plantão, contra os coronéis de barranco, contra os donos das verbas públicas...não ganhou as eleições, perdeu. Ganhou, mas perdeu.
O que ganhou e convenceu o povo sobre aquilo que era melhor para eles não manda nada. Quem manda no Brazubequistão é a pauta dos que perderam; são as propostas dos que perderam.
Os que perderam devem ter cargos de confiança em todos os setores do governo. E afirmam os donos do Ministério que é um gravíssimo crime se o mandatário que ganhou tiver qualquer amizade com um nomeado.
Terá que nomear sempre um inimigo seu ou do contrário sofrerá processo de impeachment.
Já existem 3 mil novecentos e setenta e sete processos contra o Presidente eleito no Brazubequistão, a maioria porque ele nomeou conhecidos para cargos de confiança e não inimigos. Mesmo que os cargos sejam de confiança.
Quem preside e divulga essas reuniões é Vilhoum Bônnus. Nestas reuniões todas os assuntos relevantes e irrelevantes são tratados. Sua assistente é Reidhrata Jazcomcielo. Seus assessores imediatos são os especialistas Celsius I e Celsius II, uma dupla de Imperadores vinda do além-mar e seus companheiros imediatos, uma dupla sertaneja chamada Maiorais e Autotofille.
Abaixo deles vem Cheilipe Senta na Cruz, Jooão Mamanasaia e Oocoolambe Medaomeu e fechando a retarguarda o ex-sábio-cientista-que era-ortopedista, Perneta e seu amigo, também ex-sábio-ético-prendedor-de-bandidos “Ensaboando o Mouro”, conhecido por “Marreco”.
Os comentaristas da Rede Lobo e Lobo News tem cargos de terceiro escalão, pois estão respaldados pela “lei que proíbe dizer quem soprou o assunto bomba” e na parte de baixo, os puxa-sacos de sempre: repórteres, especialistas de plantão e a arraia-miúda que faz a torcida: os antifas. Na parte internacional, sempre de plantão, a OMS, dando aquela canja e orientando “corretamente” o uso da cloroquina.
Eis como se passou a primeira grande reunião do Ministério do Achismo: Bônnus abriu a sessão com algumas informações e a pauta de sempre:
- Boa-noite. Informo a todos que o Presidente saiu sem máscara. A cloroquina e seus derivados estão proibidos. O Presidente comeu cachorro-quente e estava sem máscara.
Agora Reidhrata:
- Boa-noite. 300 morreram no Norte. 700 no Nordeste. 50 no centro-oeste. 250 no sul. Aguardem que deixamos pendurados 3.600 na Europa. Voltamos já.
Na volta, Celsius I tomou a palavra e disse:
- Tô mandando buscar os generais debaixo de vara! Quem desobedecer vai direto pra penitenciaria. Aplausos. E continuou: - Mando processar quem for contra a democracia.
Eu sou um democrata que processa quem é contra qualquer coisa. Foi contra, toma processo. Mais aplausos.
Animado, Cheilipe Senta na Cruz, afirmou que vai abrir mais um processo contra o Presidente. Parece que ele cheirou a mão ou alguém cheirou a mão dele. Mais aplausos.
Jooão Mamanasaia e Oocoolambe Medaomeu tomaram a palavra e discorreram longamente como a Câmara e o Senado são democráticos e constituídos por homens probos, diligentes e empenhados no progresso do Brazubequistão.
Mais aplausos.
O ex-sábio-cientista-que era-ortopedista, Perneta, pediu a palavra e previu que em alguns meses o país alcançará a marca de 2 milhões de mortos, o que provocou um tumulto na reunião. Bônnus pediu calma e disse que tinha um plano:
- Tudo que o governo fizer nós contestamos. Até as coisas mais simples. Por exemplo: se nomear um cargo de 3º escalão nós procuramos saber se o sujeito é gay. Se for nós contestamos. Se não for nós contestamos também.
A dupla sertaneja Maiorais e Autotofille quis saber mais detalhes. E Bônnus continuou:
- O Governo lança uma portaria, nós contradizemos através da Rede Lobo e da Lobo News. Imediatamente chamamos os “especialistas” que denunciam o fato. Combinamos com os pseudos-artistas-filósofos-cantores para fazerem um abaixo-assinado com todos os que perderam as eleições condenando o ato. Em seguida um dos partidos de esquerda entra com um processo contra o Presidente. Os Antifas se organizam e botam para quebrar, gritando “Democracia”, queremos “Democracia!” Aí entra em cena o “Maiorais” mandando investigar e prender...
Bravo! Aplausos! Muitos aplausos!
Tomou a palavra Autotofille e Maiorais, dizendo:
- Somos “Supremos” e como “Supremos” ensinaremos o povo a ler! Assim, no dia de hoje, um Inquérito foi aberto para investigar o povo que fala mal de todos nós. Isso é um acinte. Uma afronta. Em nosso Regimento Interno está escrito no artigo 43: Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal....a partir de agora será lido assim: “em qualquer parte do país” o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
Ouviram-se gritos fora da reunião e uma voz potente disse:
- O inquérito é um ato de "um tribunal de exceção...”
Autotoffile, imediatamente, mandou prender a voz e continuou:
- “Vamos votar!”
Um vento frio soprou, vindo não se sabe de onde, e os 11 espíritos malignos dos genocidas mais cruéis da história da humanidade rodearam e abraçaram os 11 ministros que votaram, um por um, dizendo SIM à proposta ilegal. Avivaram, no coração de cada Ministro, sua maldade os espíritos malignos de: Mao Tsé-tung – matou 77 milhões de pessoas; Stálin – 43 milhões; Hitler – 20 milhões; Kublai Khan – 19 milhões; Imperatriz Cixi – 12 milhões; Leopoldo 2º – 10 milhões; Chiang Kai-Shek – 10 milhões; Gêngis Khan – 4 milhões; Hideki Tojo – 4 milhões; Pol Pot – 3 milhões; Idi Amin – 300 mil civis...
Houve, porém, uma exceção. Ao chegar a vez do ministro Arcus Aurellius, ele levantou uma cruz e inspirado repetiu palavras ditas por uma alma gêmea, disse:
“Presidente, estamos diante de um inquérito natimorto. Diria mesmo um inquérito do fim do mundo, sem limites. Peço vênia à maioria acachapante de oito votos para dissentir. Eu faço acolhendo pedido formulado na ADPF para fulminar o inquérito, porque o vício inicial contamina a tramitação. Não há como salvá-lo em que pese a ótica revelada posteriormente pela mesma PGR. Devo ressaltar que inicialmente, esse inquérito foi encoberto pelo sigilo, e receio muito coisas misteriosas... Só se deu margem a acesso de investigados passados 30 dias. É como voto”, proferiu.
Rugiu o Ministro Supremo Autotoffile:
- Proclamo escrito o que não está e é assim porque está! Deve ser lido assim e assim será! Eu sou Supremo! Nós somos 11 Supremos. Somos Deuses. Mudamos e mandamos. As pessoas desse país devem nos agradecer e os repórteres, comentaristas, analistas, especialistas da TV, da imprensa escrita e falada devem dizer que isto é apenas “uma polêmica do Supremo” e não um crime! Entenderam? Nada de acusações!
Todos os jornalistas lambe-botas quando se referirem esse assunto devem dizer “APENAS UMA POLÊMICA DO STF E NÃO UM CRIME COMETIDO POR 10 MINISTROS DO SUPREMO CONTRA O POVO DO BRAZUBEQUISTÃO!” Todos devem repetir isso. Afinal somos “Supremos!” Tenho dito!
E encerrou a reunião. E assim continua a vida no Brazubequistão.
Moral da história: “Essa fábula não tem moral, é uma fábula imoral.”
Mostrei ao meu vizinho que leu, ficou horrorizado e disse:
- Ainda bem que aqui no Brasil não é assim!
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)