Está feito. A menina não está mais grávida. Mas as acusações dos dois lados, favoráveis e contrários ao aborto, continuam.
Não é a dor da criança que sofria há quatro anos abusos por pessoa da própria família, nem a morte de um bebê que já era capaz de ouvir, deglutir e ter sensações, que estão sendo levadas em conta.
É o julgamento, a crítica, os conceitos de certo ou errado, a culpa que estão em jogo nesse drama de repercussão nacional.
Por um lado, há aqueles que defendem o aborto como melhor solução para o caso. Cerca de mil pessoas, entre elas, magistrados, promotores, defensores, advogados, assinaram um manifesto em apoio à decisão judicial de interrupção da gravidez da menor vítima de estupro.
A justificativa principal é de que há previsão legal para a realização de aborto e que o direito da vítima foi resguardado, para evitar que se compactue com o que foi feito e com a continuidade das violações de seus direitos.
Os especialistas alertam que é obrigação do Estado a autorização de aborto seguro e não criminoso. A medida garante a proteção integral da criança que sofreu violação de seus direitos e para quem a manutenção da gravidez consistiria em crime grave contra sua incolumidade física e psíquica, assim como a demora em fazer cumprir a lei, a interrupção da gravidez, o quanto antes.
Um fator decisivo alegado é o prosseguimento da gestação decorrente de estupro colocar em risco a própria vida da criança grávida.
Complicações na gravidez são a principal causa de morte de meninas com idades entre 15 e 19 anos, e ela, tendo em conta seu pequeno corpo, ainda não se desenvolveu suficientemente para levar, sem sérias consequências, a gravidez a termo. E tanto a menina, quanto a família, queriam interromper a gravidez prematura.
De outro lado, há aqueles contra a prática do aborto. Entre eles, o segmento religioso, que se posicionou por meio de nota contra o procedimento.
Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o estupro e o assassinato de um bebê de cinco meses são ambos crimes hediondos contra a infância. Artigo publicado no portal da CNBB condena o desprezo a outras possíveis soluções em prol da vida ao afirmar que “o silêncio e a omissão dos órgãos institucionais que têm a prerrogativa de defender a vida, se entregaram às manobras de quem defende a morte de inocentes”. Quanto aos riscos de vida, afirmam que complicações do aborto são a causa mais comum de óbito entre mulheres de 15 a 19 anos no mundo.
A verdadeira solução ética, na visão religiosa, consistiria em salvar as duas vidas e fazer tudo que fosse humanamente possível para tornar as duas viáveis. Quanto ao aspecto legal, praticamente nada se falou do bebê, como forma de acelerar a realização do aborto e manter a opinião pública focada no estupro.
Esse bebezinho, de quase meio quilo, já estaria com seu rosto formado e seria capaz de sentir os movimentos e a voz da mãe.
Médicos que acompanharam o caso explicaram que a gestação não colocava em risco a vida da menor e que os próprios médicos do estado onde mora a criança não quiseram fazer o aborto por considerar ser menos invasivo ter o bebê do que a interrupção da gravidez.
Em resumo, esse foi um dos assuntos mais comentados da semana, rendeu matérias, posts, discussões virtuais, tumulto, investigação do Ministério Público, posicionamentos políticos, religiosos, legais, feministas, morais, mas a realidade é que o debate dessa questão se desenrola há anos e qualquer consenso ainda está longe de ser alcançado. O caso, mais um exemplo do embate sem solução entre os pró-vida e os pró-escolha, mostra o quão urgente é tratar essa realidade de violência que não seja por meio de discursos vazios e medidas de última hora.
Simone Salles
Jornalista, Mestre em Comunicação Pública e Política