A vida dentro de um sistema opressor e totalitário: Por que vale a pena ler 'O Homem no Castelo Alto'?

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Como pode uma alma perturbada, desnorteada e inquieta, vencer todas as possibilidades e torna-se imortal? Talvez, diante de uma realidade sufocante, o único modo de sobreviver seja construindo uma própria. Se é para viver rodeado de demônios que sejam estes os que nós mesmos criamos.

Philip Kindred Dick nasceu em 16 de dezembro de 1928 em Chicago, nos Estados Unidos. Apresentando desde cedo uma mente que não compreendia a realidade em que vivia, começou a fazer terapia aos 14 anos, sendo depois diagnosticado com agorafobia, medo de multidões, e esquizofrenia, doença mental responsável por gerar alucinação visual e auditiva. O que condenaria muitos foi um dos elementos que engrandeceu a evidente genialidade deste autor.

Suas obras conhecidas como Trilogia VALIS: VALIS, The Divine Revelation e The Transmigration of Timothy Archer, são um convite para adentrar a alma do autor. Na verdade, estudar a biografia deste autor é tão impactante e fascinante como ler as suas obras.

Igual que a obra que vamos analisar brevemente, foi Philip K. Dick um singular personagem dentro de um mundo ficcional seu, talvez, fora ele a porta mística ,como o armário no conto de C.S Lewis, O Leão , A Bruxa e o Guarda-Roupa, pela qual diferentes mundos puderam ser conhecidos.

Foi um contemporâneo de grandes nomes da ficção científica como Isaac Asimov, autor de entre muitas obras memoráveis do livro Eu, Robô, e Arthur C. Clark, autor do inesquecível conto The Sentinel of Liberty que inspirou o fantástico filme 2001 - Uma Odisséia do espaço.

A obra de Philip K. Dick oferece questionamentos filosóficos, críticas a políticas totalitárias através de personagens que encantam por ser cheias de nuances, indo além de estereótipos do que seria um típico herói ou vilão. Na verdade, o palco distópico e futurista onde se passam as histórias falam de angústias, incertezas, dores e conflitos que mergulham o leitor no drama de cada personagem.

A obra O homem no Castelo Alto retrata um mundo distópico onde a Alemanha nazista obtém a vitória na segunda guerra mundial junto ao Japão. Os nazistas se tornam detentores de um poder e domínio tecnológico futurista onde o imperialismo nazista ultrapassa as fronteiras terrestres, alcançando a lua, marte e vênus.

O livro retrata com bastante cuidado, graça a uma pesquisa sobre o período histórico da segunda guerra mundial, bem realizada e acurada, como seria essa realidade, a perseguição às minorias realizada pela Alemanha quase extermina povos como judeus e eslavos, os poucos que sobrevivem ocultam sua ancestralidade e qualquer traço que os identifique.

Os Estados Unidos da América tem seu território dividido entre a Alemanha e o Japão, sendo este último colocado como inferior tecnologicamente ao antigo aliado, embora a Alemanha em sua busca feroz por poderio bélico e tecnológico beire ao caos por escassez de recursos.

É um livro que surge num momento de maturidade artística do escritor, tendo este escrito já oito volumes e vários contos desde 1950, não à toa ganhou em 1962 o livro ganha o prêmio Hugo de melhor romance de ficção científica.

Utiliza a típica estrutura Character –driven fictional story , onde o elemento que desenvolve a estória está centrado nas personagens ( emoções, consciência) e não em eventos externos em que elas participam. Mr. Tagomi ,Juliana Frink, Frank Frink e Robert Childan possuem arcos de desenvolvimento próprios e bem trabalhados e , no fim, o livro tem na resolução que cada um constrói diante de suas crises , dramas e desafios todo seu encantamento,

O autor sobre usar bem a função metalinguística nesta obra, pois há um personagem chamado dentro deste livro chamado Hawthorne Abendsen autor do livro O Gafanhoto Torna-se Pesado, conhecido pelo epônimo “ O homem do castelo alto”. O livro escrito por ele retrata um mundo semelhante ao mundo real tendo somente pequenas distinções, as potências do eixo ( Itália , Alemanha e Japão) são derrotadas pelos aliados .

O encontro de Júlia Frink com o autor revela que sim, o mundo que eles vivem é uma ilusão e que no mundo real as vidas de cada um dos personagens segue diferente e com mais esperança.

Como Diria o próprio autor:

Sou um filósofo que ficção, não um romancista; minha capacidade de escrever histórias e romances é empregada como um meio para formular minha percepção. O núcleo da minha escrita não é a arte, mas a verdade. Logo, o que digo é a verdade, e não posso fazer nada para aliviá-la, nem por atitude nem por explicação.

O ser humano diante de um sistema totalitário e opressor pode seguir com a esperança de dias melhores, basta querer lutar e ter na liberdade sua maior arma.

Foto de Carlos Alberto Chaves Pessoa Júnior

Carlos Alberto Chaves Pessoa Júnior

Professor. É formado em Letras pela UFPE.

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