Quando da assinatura da Lei Áurea, em 1888, nós comemoramos a extinção da mancha da Escravidão sobre nosso país. Passamos a ser todos livres, a despeito de nossa cor, de nossas diferenças.
Sim. Nossas diferenças passaram a ser motivo para nos unir.
Mas o desejo de poder sádico e destruidor não acabou nesse dia. Ele já tinha entendido que usando das armas que tinha, que seria derrotado. Ele já estava mudando de estratégia, muito antes desse dia.
Hoje não são nossas diferenças que nos escravizam. Não. É nossa igualdade.
Através da mentira que somos tão iguais na esfera concreta, quanto somos nas idéias, removem pouco a pouco nossa liberdade.
Primeiro, disseram que aquele que tem e aquele que trabalha para quem tem são iguais, e para garantir essa igualdade, primeiro todos deveriam não ter nada, para depois todos terem um pouco de tudo.
Depois disseram que as mulheres são iguais aos homens, e que para garantir essa igualdade, que todos deveriam deixar de fazer o que estavam fazendo bem, para que todos pudessem fazer as mesmas coisas.
Depois, outras igualdades falsas vieram. Homossexuais se tornaram iguais aos heterossexuais. Todas as religiões se tornaram iguais à cristã. Os criminosos se tornaram iguais aos cidadãos de bem, mais uma série de outras, sempre desejando corrigir a diferença pretensamente injusta entre as pessoas.
A estratégia sempre foi a mesma. Tirar dos que injustamente tinham mais, dar a uns poucos, para que eles pudessem igualar a todos.
O resultado sempre foi o mesmo. Todos perderam. Empregadores e empregados, homens e mulheres, católicos, protestantes, kardecistas, umbandistas, candomblecistas, homos e héteros, pretos, brancos, pardos.
Fomos igualados no pior de todos nós. Todos somos maus. Todos somos perversos. Todos visamos apenas nosso próprio interesse. Todos mentimos. Todos estamos errados.
Os únicos que ganharam? Aqueles que ficaram com tudo o que perdemos, sob o pretexto de "corrigir injustiças". Só eles estão certos. Só eles falam a verdade. Só eles são justos. Só eles são bons.
Só eles dizem o que é certo e o que não é, o que é real e o que é ilusão.
Assim a Escravidão Igualitária se estabeleceu, suprema e onipresente em todo mundo, sempre observando alguma coisa a mais do qual pode nos tirar, para nos devolver num futuro que jamais chegará.
E assim, acostumados a receber nossas migalhas e acreditar nas mentiras diárias com os quais nos alimentam, permanecemos escravos.
Não somos livres.
Você pode votar, mas eles decidem se sua escolha foi acertada. Você pode escolher, mas apenas entre as opções que lhe permitem. Você pode protestar, mas apenas por aquilo que eles consideram legítimo. Você pode recorrer à Justiça, mas apenas naquilo que eles consideram justo.
Não somos livres.
Você não pode ter algo só seu. Não pode ter sem que ninguém te tome ou te observe continuamente. Não pode ter sem ter que pagar para manter sua posse. Não pode impedir que alguém subtraia o que é seu, mesmo que injustamente.
Não somos livres.
Só voltaremos a ser livres, quando insistirmos que somos aquilo que sempre fomos: diferentes.
Em patamares diferentes sim, mas ligados pela fraternidade concreta do auxílio mútuo. Com necessidades diferentes que devem ser atendidas conforme seu grau. Com pesos de opinião diferentes, mas sempre dispostos a esclarecer os que estão no erro por desconhecimento, e mostrando os males dos que voluntariamente permanecem na mentira. Todos melhores do que os demais em alguma coisa, mas compartilhando uma parte dos frutos.
Só voltaremos a ser livres quando admitirmos que fomos enganados, denunciarmos os que mentiram para nós, mostrarmos quanta miséria custou a prosperidade em que eles vivem e pararmos de nos curvar a eles.
Quando abrirmos os olhos para o fato que sim, o mal pode nos tomar se não há vigilância, mas o bem é possível a todos aqueles que o cultivam dentro de si. E que apesar dos esforços daqueles que nos escravizam, essas sementes ainda florescem pelo mundo, e ainda estão guardadas no fundo de nosso coração.
Aceite sua diferença. Volte a enxergar a daqueles que te cercam. Não peça para si o remédio que só cura a doença do outro. Não exija o fardo que o outro carrega - ele não foi feito para os seus ombros, mesmo que pareça mais leve. Ajude-o, e seu esforço fará o seu próprio peso parecer mais leve.
Enxergue o mal que nos cercou por nossa falta de atenção e pelas falsas promessas. Ele parece gigantesco, mas se você tirar seus joelhos do chão e se erguer, verá que ele não está fora da sua capacidade de o enfrentar.
É um monstro forte, mas sua escravidão o alimenta. Pare de o servir, e ele minguará até não precisar de mais do que um sopro seu.
Olhe para os seus pulsos. As correntes estão lá. Mas são de isopor, não de aço. Quebre-as, e enxergará todos os outros que já o fizeram. Junte-se a eles. Pare de obedecer aos maus que se dizem bons.
O mundo pertence a todos. Tome-o de volta dos que se consideram únicos donos dele.
Tércio Rodrigo de Azevedo Lima