Confesso que já fui um pescador fanático, ainda jovem, no estado de São Paulo e, depois, durante os 26 anos que vivi na bela e querida Corumbá (MS). Cheguei até a ter motor de popa e barco de alumínio. Foram tempos bons de convivência com a natureza. Quantas vezes, após as aulas do período noturno do Centro Universitário, eu descia com amigos até o porto da cidade, subia em “chatas” e barcos ancorados e passava horas jogando conversa fora ouvindo o estalar dos peixes que pulavam fora d’água e, o que era melhor, pegando belos exemplares. Eram tempos da abundância de peixes de todos os tamanhos e espécies.
Hoje, distante de Corumbá, leio e escuto notícias sobre o desaparecimento dos peixes nas margens da região portuária que não resistiram a uma exploração predatória sem fim. Foi uma conjunção de fatores que fragilizou o estoque pesqueiro da região pantaneira corumbaense. O grande responsável é a omissão governamental, que mesmo com denúncias e evidências pouco fez para coibir o desastre que se avizinhava. Depois, como atividade econômica, a “indústria sem chaminés” implantou-se ali como turismo inconsequente que privilegiava o turista sem consciência preservacionista e ganancioso, que não se contentava com alguns exemplares de peixes, querendo levar cada vez mais e mais. Dizia-se até que falsos turistas transportavam grande quantidade de peixes para a comercialização em suas cidades de origem. Isso sem contar com a atividade predatória de frigoríficos. Tudo com a conivência e omissão dos pescadores profissionais.
A tudo isso veio somar o lixo e os esgotos das cidades do entorno do Pantanal, que sem qualquer pudor continua sendo escoado para a malha fluvial pantaneira, apesar das promessas de instalação de usinas de despoluição de águas servidas urbanas.
Com o tempo, e com manifestações da sociedade, intelectuais, estudantes e até organizações não governamentais, foram sendo implementadas políticas e legislações para conter a poluição, a pesca predatória e o assoreamento da planície alagadiça pantaneira. Mas um grande estrago já foi feito. Uma legislação aprovada na Assembleia Legislativa tempos atrás, para disciplinar a pesca, apesar das boas intenções assustou a todos por liberar apetrechos predatórios.
Vem sendo divulgadas ideias e projetos que merecem uma ampla discussão pela sociedade, que, em última análise, deve ter a opinião final sobre o assunto. Uma delas, radical em sua concepção, prevê simplesmente a proibição da pesca por um número determinado de anos. Isso já foi testada em outras regiões e em Corumbá, no caso dos peixes conhecidos como Dourados, com resultados definitivos para a política preservacionista. Sabe-se, porém, que tais propostas radicais podem trazer em seu bojo uma grave consequência social. O que fazer com os verdadeiros pescadores profissionais que usam técnicas artesanais e dependem, com suas famílias, desta arriscada e solitária atividade? Nesta perspectiva, deveria haver então um sério comprometimento político e, acima de tudo, muita coragem dos governantes estadual e municipais para propor alternativas ao impasse, mesmo porque o peixe é um alimento vital à sobrevivência humana. Ação difícil de ser concretizada, mas não impossível.
Outra ideia é a chamada atividade do “pesque e solte” que atende principalmente a atividade turística e esportiva, mas também é uma proposta polêmica. A pergunta é como deve ser o procedimento para não prejudicar o peixe ao soltá-lo? O próprio pescador sabe como fazê-lo?
Tenho visto que em muitos casos os peixes soltos não conseguem sobreviver aos ferimentos provocados pelos anzóis. Fico a pensar se alguém perguntou a um Pintado ou a um Pacú, por exemplo, se a fisgada dói. Nos meus velhos tempos de pescador, levei várias fisgadas no dedo, e olhe, doeu prá burro.
Continuo a gostar de comer peixe, mas perdi completamente a vontade de ser pescador e, muito menos, ver programas de pesca na TV. Minha consciência dói.
Valmir Batista Corrêa
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Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.