A elusiva tentativa de revisionar as representações de Jesus

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Vivemos tempos estranhos imersos em um revisionismo histórico que deve ser visto com cautela e avaliado na sua intenção.

Inclui-se neste processo o trabalho de artistas gráficos que tentam resgatar o que eles clamam ser uma “aproximação mais realística da figura de Jesus”, e que é divulgado na mídia quase sempre como uma crítica à forma refinada com que Jesus é tradicionalmente retratado em obras de arte de uma Europa que, outrora, ainda exibia uma identidade cristã.

Examinarei neste texto se é mesmo merecida a reivindicação desses artistas gráficos quanto à autenticidade das suas representações de Jesus. https://www.theguardian.com/media/2001/mar/26/bbc.broadcasting1

Inicialmente, observamos que não temos registros fotográficos revelando as feições de Jesus, assim as várias representações artísticas, quer sejam antigas ou atuais, são frutos da concepção subjetiva do artista. Contudo, é possível aferir se uma representação faz justiça as Escrituras segundo o critério que apresentaremos a seguir.

Na fase final da época dos juízes, com Samuel, Israel torna-se um reino em que Jesus se insere como sucessor dos reis Saul e Davi e que as Escrituras descrevem como sendo belos israelitas cuja aparência os distinguia de seus contemporâneos.

Com efeito, sobre Saul lemos em 1 Samuel 9:2

“Seu filho Saul era o jovem mais atraente de todo o Israel; era tão alto que os outros chegavam apenas a seus ombros.” [Almeida atualizada]

E sobre Davi lemos em 1 Samuel 16:12 que

“... Era ele ruivo, de belos olhos e boa aparência.” [Almeida atualizada]

Assim, tendo Jesus em seu ministério uma magnitude infinitamente superior ao de Saul e Davi, por que não haveria de ter também, na sua aparência, uma diferenciação em relação ao cidadão comum de seu tempo, tal qual Saul e Davi tinham?

Este critério que assinala uma superioridade em tudo que se refere a Jesus (algo inato à sua natureza divina) permite agregar à produção artística um elemento adicional que é ignorado pelo crítico de arte, mas que não passa despercebido pelo cristão e que se refere à intenção do artista em retratar Jesus.

Assim, torna-se legítimo que artistas do passado e alguns do nosso tempo tenham retratado Jesus com reverência procurando exaltá-lo apresentando-o com traços referenciados aos mais elevados padrões estéticos prevalentes no tempo e no meio em que o artista vivia, ou como expressão da complexidade das relações entre o espaço e as formas geométricas que Salvador Dali notavelmente inseriu em obras como “Corpus Hypercubus”. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/488880

Agora, há uma tensão no trabalho dos artistas gráficos quanto ao propósito da obra que eles produzem, pelo menos no olhar dos cristãos.

Assim, certamente que o trabalho de modelagem gráfica é legítimo se a intenção em reconstruir a fisionomia de Jesus, a partir do que eles julgam ser o homem comum que viveu naquela região há dois mil anos, for o de enfatizar que a distinção conferida à pessoa de Jesus não advém de seu aspecto físico, mas sim da sua natureza divina, e é exatamente aqui que o trabalho torna-se ilegítimo se pretender, sob qualquer forma, delimitar Jesus como sendo apenas um homem comum, negando sua divindade.

Feitas essas ressalvas, na perspectiva cristã o revisionismo que deseja dar novos contornos a figura de Jesus também deixa de ser legítimo quando reivindica ser a única forma autêntica de conceber o que seria o semblante de Jesus, criticando a sublimidade da representação das obras de arte do passado, pois ignora aquela dificuldade já mencionada de que é possível conjecturar, baseado nas Escrituras, que Jesus não tinha a aparência do homem comum de seu tempo, da mesma forma que Saul e Davi não tinham, sendo este elemento sublime o que os artistas do passado tanto tentavam registrar em suas obras.

Isso reforça a tese que qualquer consideração sobre Jesus que se fixe em fatores desconectados das Escrituras nunca será capaz de capturar o Jesus real, sendo esta a crítica que deve ser feita a qualquer revisionismo que tente redefinir Jesus.

Felizmente, ao cristão vale sempre a advertência de que as Escrituras não endossam a representação de Deus através de imagens e tampouco de gravuras de modo que nunca se deve tentar associar Deus a imagem de algo, mas sim pelo que o Espírito Santo comunica aquele que crê.

Com isso em mente, qualquer que seja a intenção, boa ou má do artista gráfico, nada do que ele produz é capaz de alterar a fé que o cristão carrega em si mesmo.

Marcelo Carvalho. Professor da UFSC.

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