A Covid-19 de Bolsonaro, a GloboNews, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a letra da lei
08/07/2020 às 17:19 Ler na área do assinanteÉ normal e até salutar, concordar ou discordar sobre o que fala e sobre o que faz o presidente Jair Bolsonaro. Mas o exagero, o confronto, e outras expressões nada nobres, nada ortodoxas, nada construtivas - mas destrutivas -, não podemos aceitar.
Nesta terça-feira (7), a programação da GloboNews vinha se mantendo no ar como acontece no cotidiano. A mesma mesmice. As mesmas pessoas. Os mesmos entrevistados. Os mesmos apresentadores. Os mesmos assuntos, para uma emissora de grande porte, muita audiência, nacional e mundo a fora e alta tecnologia.
Até aí, nada de anormal. Mas foi por volta das 12:20h/12:25h desta terça-feira que, de súbito, apareceu na tela aquele aviso de fundo vermelho-sangue e letras brancas com uma chamada sonora difícil de explicar como soa - mas de muito mau gosto - indicando Notícia Urgente.
E a inesperada interrupção da programação foi para que a apresentadora do programa noticiasse que o exame para covid-19 do presidente Bolsonaro havia dado "positivo".
Tanto é notícia?. Sim, é notícia. Notícia do interesse do povo brasileiro e notícia que percorreu o mundo.
Mas foi daí em diante, até quando desliguei a TV por volta das 20:30h, que o assunto foi um só. Rigorosamente um só: "Bolsonaro está com a Covid-19".
Debates, comentários, entrevistas, vídeos, fotos, tudo, enfim, sobre um tema só: "Bolsonaro está com Covid-19".
Foi um exagero. E um exagero que passou dos limites do respeito que se deve tributar a um presidente da República, seja ele quem for. Dele seja aliado ou não. Dele seja adversário ou não.
E o desrespeito consistiu na visível e indiscutível confrontação que a emissora preparou e editou e que foi repetida em todas as edições dos noticiários das 13, das 16, das 18 e das 20 horas.
Depois fui dormir, exausto com tantas repetições. Nelas, foram apanhar e exibir vídeos e momentos em que Bolsonaro se mostrava incrédulo com o potencial abrangente do coronavírus, vídeos com o presidente sem máscara, vídeos de Bolsonaro no meio do povo, vídeos em que o presidente defendia a cloroquina e/ou hidroxicloroquina... Aquela fala da tal "gripezinha". A outra fala "não sou coveiro". E mais outra "todos vamos morrer um dia". E mais outra. E outras mais....
A finalidade que deu a perceber era mostrar e relembrar o que não era para ser mais mostrado nem relembrado. Pois de tudo aquilo, mostrado e relembrado, todo o povo brasileiro sabia, tinha conhecimento, viu e ouviu do presidente.
A pandemia nos prende em casa e a televisão é que faz passar o tempo.
Então, fazer matéria historiando o contraste de postura de Bolsonaro, no trato com a pandemia, desde que o vírus surgiu no Brasil até o dia que o maldito vírus contaminou o presidente, isso é jornalismo ético?.
É jornalismo solidário?.
Ou deixa entender uma espécie do "viu só?".
Do "Agora chegou sua vez"?.
Do "queimou a língua"?.
Do "aqui se faz aqui se paga"?.
Do "bem feito"?.
Reconheço que posso estar errado. E se errado estiver, antecipo meu pedido de desculpa. Mas o empenho da emissora foi tão intenso neste sentido que chegou a fazer uma "arte" mostrando em quadrinhos horizontais, fotos e nomes de todos aqueles com quem o presidente esteve nos últimos dias e que poderiam ou estariam correndo risco de contaminação!.
Escrevi atrás que o assunto "Bolsonaro está com Covid-19" foi um só. Mas teve uma exceção nos noticiários. Foi a anunciada queixa-crime -- assim entendi -- que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ingressou ou estava para ingressar na Justiça contra Bolsonaro. A acusação: desobediência a decreto do governador do Distrito Federal que obriga o uso de máscara, mais exposição de jornalistas a perigo. Creio que a tal queixa gira em torno disso.
Uma análise, ainda que ligeira e superficial. Sabemos que "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".
Este chamado "Princípio da Reserva Legal" está escrito no artigo 1º do Código Penal Brasileiro.
Então a pergunta: qual teria sido o "crime" que Bolsonaro cometeu?.
Vamos ao Código Penal. Seria um daqueles previstos no Capítulo III, do Título VIII, que trata "Dos crimes contra a saúde pública"?. O crime do artigo 267 ("Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos") não é.
Bolsonaro não causou epidemia e/ou pandemia alguma.
O crime do artigo 268 ("Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa"), a princípio até poderia ser. Mas um exame cuidadoso se constata que também não é. E não é porque a aparição desta terça-feira, quando Bolsonaro anunciou que seu exame deu positivo para o Covid-19, o anúncio foi feito nas dependências de próprio federal, cujo interior não está sob a circunscrição administrativa do governo do Distrito Federal.
Mas digamos que em outras aparições de Bolsonaro sem máscara tenha ocorrido no território do governo do DF, indaga-se: Bolsonaro assim agiu com dolo, ou seja, com vontade e intenção deliberada de propagar o coronavírus que este último teste concluiu ser positivo?. Claro que não. A resposta é induvidosamente negativa. E sem dolo, o crime do artigo 268 do Código Penal, não se configura.
É o que nos ensina o renomado jurista Celso Delmanto ao tratar do chamado "tipo subjetivo" do crime. Delmanto é taxativo na exclusão da "culpa" para a prática do delito. Só com a presença do dolo existe o crime. Ensina Delmanto no seu clássico e festejado "Código Penal" (Editora Saraiva, 1980, página 268):
"Tipo subjetivo - O dolo, representado pela vontade livre e consciente de infringir a determinação. Na doutrina tradicional é o "dolo genérico". Não há forma culposa".
Todos estamos em sofrimento. Toda a Humanidade sofre. É preciso ser solidário. Ser generoso. Ser piedoso. Não podemos politizar a dor, as mortes, as saudades. A hora é de perdoar. Não sejamos pérfidos.
E a ninguém é dado o direito de atirar pedra alguma contra quem quer que seja. Todos somos vitimados. Mas é preciso ter esperança também.
Essa dolorosa quadra pela qual o mundo passa vai acabar.
Vamos deixar o confronto político de lado. Vamos abrandar nossas vozes, gestos e ações. E ao invés do acirramento dos conflitos, das paixões, e de qualquer sentimento que seja menos nobre, vamos nos unir em ações e orações.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)