A vida pela “janela” do Smartphone: Armadilha letal
09/07/2020 às 05:39 Ler na área do assinanteUma pergunta (na verdade duas): quantas horas por dia você “passa mergulhado” no seu smartphone? Você conseguiria passar uma semana sem ele? Acredite... a vida é analógica mesmo que o sistema neurológico humano seja “quase” digital.
Em tempos de confinamento e distanciamento social, o que já era um risco pode estar se tornando um marco sociológico da humanidade e já é um problema de saúde pública: me refiro à quantidade de horas que passamos online, “conectados” e também ao fenômeno social que está sendo chamado de “low touch Society” e que se baseia na chamada “Low Touch Economy”... ou a era do distanciamento que, de certa forma estou questionando na série Digitalização Social (escrito em três partes duas das quais já estão disponíveis aqui no JCO).
Assim, resolvi atualizar um alerta sobre o tema que tenho pesquisado e sobre o qual tenho falado reiteradas vezes visto que a cada dia apresenta desdobramentos, principalmente em meio a pandemia e aos processos de manipulação em curso, principalmente pela mídia.
O texto é longo, mas recomendo a leitura, não importa qual seja a sua idade...isso pode te salvar de muitas formas.
Dito isso, vamos juntos...
Foi a Wi (Wilma Bolsoni) que me motivou a escrever sobre o tema, quando disse “... Espero que o seu Blog possa “mexer” com as pessoas que assistem o mundo se transformar pela janela...”
Isso me fez refletir sobre uma preocupação recorrente que tenho nos últimos anos e que está relacionado à revolução de conceitos que os meios de comunicação, principalmente a internet, trouxeram para as nossas vidas. Falo de comportamento mesmo, não de informação...
De imediato me vieram duas diferentes imagens a mente. Numa delas vi a pequena cidade do interior onde aparentemente nada acontece, como foi descrito por nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade em “Cidadezinha qualquer” ... Nesse texto brilhante, encontra-se retratado o cotidiano pacato e sem brilho de uma comunidade do interior onde a vida passa sem sobressaltos e nem novidades, tornando seus moradores em protagonistas de um roteiro sem graça, ou como decreta o texto ao final: “Êta vida besta, meu Deus”.
Na outra imagem, quase oposta, vi muitas outras pessoas que conheci, dentre tantas que não conheço e jamais conhecerei que, como na antiga música do Kid Abelha, “Nada tanto assim”, vivem “ensaiando” ou sendo “conduzidas” para vidas que jamais viverão, por absoluta falta de foco, de objetivos claros. Na música temos a seguinte frase: “Eu tenho pressa, tanta coisa me interessa..., mas nada tanto assim”!
Em comum, o fato de que, de um jeito ou de outro, essas pessoas veem a vida passar pela “janela” o que, por um paradoxo, configura os dois extremos convergindo para uma única constatação, que representa o fato de que essas pessoas, tão diferentes, compartilham um vazio existencial que pode adoecer suas almas. Talvez o “vazio de uma vida digital” possa ser pior pelos conflitos que encerra.
Em psicologia, definimos o ser humano como sendo um ser eternamente em falta, ou seja, fragmentado e incompleto. Logo, o que melhor caracteriza o homem é a eterna falta ou por outro a eterna busca por saciar uma lista interminável de desejos e aspirações ao longo de sua existência. O que Freud chamou de “princípio do prazer”, algo que pode ser uma doença grave na era do “vazio ou do hiperconsumismo” (em todos os sentidos), como descreveu Gilles Lipovetsky. Estamos falando de um “vazio existencial digital”, se não percebeu.
Nesse contexto eu vejo a “janela” do Smartphone como uma armadilha letal para as pessoas. Se por um lado a "rede" representa, como dizia o Sidnei, meu ex-sócio, “o buraco da fechadura”, pelo qual se enxerga o universo sem “aparentemente”, ser visto, por outro lado pode remeter a um processo de alienação sem precedentes na história da humanidade...uma forma de criar um universo paralelo dissociado da realidade.
Vocês se lembram do aplicativo “second Life”, pois bem, ele vem se materializando de diferentes formas: estão manipulando você, de todas as formas imagináveis e outras inimagináveis possíveis.
A DESCONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA (O DESCONSTRUTIVISMO)
Um dos marcos históricos na evolução da Educação foi o Construtivismo de Jean Piaget, para quem “o principal objetivo da educação e criar indivíduos capazes de fazer coisas novas e não apenas simplesmente repetir o que outras gerações fizeram”. Ora, isso somente e possível pela experimentação ou, em outras palavras, pela ação e não apenas pela informação. O que quero dizer e que informação e conhecimento que não se apliquem a ações concretas e efetivas, não serve para nada. E é aí que mora o perigo... boa parte de nossas crianças e adolescentes (e agora os adultos) estão sendo “criados”, educados ou “informados” pela telinha dos celulares, ou seja, veem o universo pela “janela” dos smartphone e, cada vez mais, trocam a experiência construtivista, por teorias ou por “caminhos prontos” que podem ser “baixados” pela internet.
Eu próprio, um “havy user” de internet, sei exatamente o quanto ela pode alienar ou mesmo criar um “universo” paralelo entre a realidade e a fantasia. Isso traduzido em números significa que as pessoas no mundo estão passando, em média, 6 horas e 42 minutos por dia conectadas (fonte Canaltech/The Next web) à Internet, o que representa 100 dias inteiros (ou seja 27,4% de um ano e que se considerássemos 8 horas de sono, representaria 41,10% do tempo ativo das pessoas ao longo de um ano).
No Brasil, que é o segundo do mundo (com base em estudo da Hoopsuite em parceria com a We Are Social) em termos de tempo de pessoas conectadas, esse dado é ainda mais alarmante, os brasileiros passam em média 145 dias (em horas somadas) por ano conectados (ou seja 39,73% do tempo que se deduzíssemos as horas de sono elevaria esse percentual para algo em torno de 60% do tempo considerado ativo). Vocês conseguem analisar o impacto desse índice no comportamento e na vida das pessoas? E vai piorar... Há sem dúvida, em relação a esta estatística uma espécie de alienação digital da vida real: um grande risco, principalmente para os jovens, mas hoje como sabemos, para toda a sociedade.
Mas o que de fato gostaria de colocar em discussão ou em questão, representa o fato de que sinto uma dissociação entre acesso à informação e ao conhecimento e ações concretas por parte de muita gente ou, em outras palavras, há um processo em marcha que transforma um grande número de pessoas, principalmente jovens, em meros espectadores da vida que “passa” simplesmente, seja pela janela dos Smartphones uma espécie de “ópio” da sociedade (e não há como não associar isso a uma doença social, uma espécie de epidemia: pandemia).
Considerando que no planeta cerca de 5,11 Bilhões de pessoas (de um total de 7.79 Bilhões de pessoas que a ONU considera em 2020) tem acesso a um celular, não é difícil imaginar para onde a Humanidade está sendo “conduzida”.
Refletindo sobre essa realidade, a ideia deste artigo é, de alguma forma, chamar a todos para um profunda reflexão que nos permita, não apenas avaliar os riscos desse comportamento, mas sobretudo para o fato de que a vida deve ser feita de escolhas/arbítrio e que, no fim do dia, somos agentes e pacientes de nossa conduta e comportamento. Quando o sociólogo Domenico Di Masi nos alerta para a necessidade do que chama de “ócio criativo”, é óbvio que a sociedade está perdendo o que teria de mais preciso nessa equação: o tempo.
Minha proposta para escapar dessa armadilha está num breve roteiro que coloco a seguir, e que pode representar a possibilidade de retomarmos o “leme de nosso barco”:
Estabeleça objetivos claros para sua vida (o que, como, quando):
Pense em coisas que você gostaria de fazer ou conquistar. Não importa o que, mas pense em “fazer”, ou seja, ações e não apenas abstrações ou coisas imaginárias. Objetivos são coisas que a gente tem que escrever e planejar sua execução: nada é possível sem disciplina e ações. Com isso em mente pesquisamos, coletamos e agrupamos informação, transformamos essas informações no conhecimento necessário que a prática requer daí é... fazer, fazer, fazer, eis a palavra chave. Depois avaliar, ajustar e... fazer, fazer, fazer.
Melhore seus relacionamentos com Gente “de verdade”, nada substitui o contato humano
Entre em todas as comunidades virtuais que achar que deves, mas acima de tudo, pense em gente real, ou seja, procure encontrar fisicamente (e não apenas virtualmente) o maior número de pessoas que conseguir, com a frequência que julgar necessária. Tem coisas que só fazem sentido quando são feitas ou ditas, olho no olho. A internet permitiu que você encontrasse gente que talvez jamais encontrasse de outra forma, mas contato físico continua sendo essencial. Você pode conhecer uma pessoa, por exemplo, num site de relacionamentos, mas a relação somente poderá evoluir se você conhecer fisicamente essa pessoa, do contrário não passa de ilusão/fantasia. Claro, cuidado com as armadilhas que representam pessoas inescrupulosas e má intencionadas (mas existem muitas maneiras de se defender disso).
Seja um profissional melhor e mais estratégico: faça das informação suas escravas.
Quem sabe seja este o melhor momento para você avaliar (auto avaliar...) que tipo de profissional você tem sido. Um bom profissional hoje, na minha opinião, será sempre aquele que vê a empresa onde trabalha, como sendo sua, ou seja, que está entranhado, envolvido até os ossos com os objetivos do negócio. Somente se pode crescer se o negócio cresce também. Então, qual o grau de envolvimento, comprometimento, você tem tido como “empregado”. Você tem sido um empreendedor ou apenas um cumpridor de rotinas e tarefas...
Se você quer ser um profissional melhor, estabeleça isso como objetivo e daí têm duas frentes de pesquisa que resultarão em ações.
- Número um... conheça muito mais e melhor o negócio em que você trabalha, seus objetivos e seus desafios, em todos os sentidos. Pense como empresário...
- Número dois... determine os atributos que você como profissional, empreendedor desse negócio, precisa ter e busque essas competências lembrando que competência, como diria meu amigo Álvaro de Souza (um dos meus mentores), sempre representa aquilo que te mantém (que mantém seu emprego e sua posição) e conceito, representa tudo que “seu chefe” espera de um colaborador para que possa promovê-lo ou lhe dar missões mais importantes: aquilo que vai te fazer crescer...
Se é o dono da empresa, pense nos teus concorrentes e nos clientes, que são na realidade “os seus patrões”, pois não existe ninguém sem “patrão” nessa vida.
Seja um ser humano melhor – e Melhore o “universo”. Melhore o Brasil
Sempre será possível ser melhor e, para isso acontecer, será preciso não deixar “o mundo se transformar pela janela”: as pessoas que melhoram o mundo estão nas ruas, nas empresas, nas escolas enfim, em ação. Ser melhor significa não ser alienado; participar da construção de uma empresa, de um bairro, de uma cidade, de um clube, de um país, de si mesmo... de um planeta melhor. Se hoje podemos ver tudo de ruim que acontece em todos os lugares e, se estamos mais e mais conectados, isso significa que podemos ter uma postura ativa e proativa em relação aquilo que afeta a própria humanidade.
Não por acaso, o “voluntariado” cresceu significativamente depois do advento da internet. Porque sabemos dos problemas e de como podemos ajudar, mas muitas vezes, ajudar significa fazer pequenas coisas... li uma vez uma frase, se não me engano, atribuída a Henry Ford, que dizia mais ou menos isso “entre as grandes coisas que não conseguimos fazer e as pequenas que não fazemos, o risco maior representa não fazermos absolutamente nada”.
Assim, o melhor mesmo será seguir o que disse Charles Chaplin: “Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível”.
Melhore a sua saúde, mude de atitudes e de comportamentos
Você quer viver muito (atualmente, é possível estabelecer uma expectativa de vida ao redor dos 100 anos) ou quer viver bem e com saúde. Sabemos que embora haja uma relação entre qualidade de vida e a longevidade o importante talvez seja a qualidade com que se vive. Qualidade de vida está estreitamente ligada a atitudes e hábitos saudáveis. Atitudes são decisões pessoais que você tem que tomar, ninguém pode fazer isso por você, ou pelo menos, não deveria: você não é um robô, como muitas vezes querem que você seja.
Se você quer saber quais são as atitudes e os comportamentos relacionados a uma melhora significativa da sua saúde, basta meia hora de internet (isso é uma das magias da rede)... depois, vá ao médico fazer check-ups, pois ninguém tem bola de cristal. Respeite seu corpo, respeite o ambiente, respeite seus limites e saiba que boa parte do que chamamos de vida saudável está, em grande parte, ligado a atitudes e comportamentos.
Um balanço honesto do que tem feito nos últimos tempos pode ser o melhor ponto de partida para estabelecer novas regras e virar o jogo que eu sei que te incomoda.
Invista em Bom Humor – A energia que atrai coisas boas
Talvez uma das piores doenças de nosso tempo seja o mau humor, isso tem nome em psicologia, se chama “transtorno de humor”, ou nos casos mais graves “transtorno Bipolar de Humor (Psicose maníaco depressiva) e, das duas uma, ou você aprende a lidar com causa e efeito do mau humor ou precisa de médico e remédio, pois ninguém aguenta mau humor.
Atitudes de isolamento e introspecção levam, frequentemente a condutas antissociais e a uma inaptabilidade de vida social. Bom humor não significa apenas dar risadas vendo pegadinhas ou memes ou aqueles vídeos malucos que nos mandam via redes, em geral humor “negro”.
Bom humor está mais relacionado a um estado de espírito, quando nos encontramos “leves” de alma e conseguimos “digerir” mesmo coisas pesadas com um toque de humor. Pense nisso, pois “bom humor contagia e mau humor contamina”. Como diria meu amigo Carlos Escobal (outro grande mentor), um estado positivo de humor está em não querer “apagar fogo com gasolina” ... o que de per si, já evitaria pelo menos 70% dos conflitos.
Viva mais ao ar livre (não seja doutrinado pelo fique em casa) – Você faz parte da natureza
Estamos todos e cada vez mais, confinados em casas (ainda mais em tempos de pandemia), escritórios, escolas e hoje, Smartphones (sim o confinamento digital é brutal). Muitas vezes nos esquecemos a última vez que saímos simplesmente para tomar sol, tão necessário para nosso equilíbrio e saúde. Imagine todos aqueles lugares maravilhosos que você pode visitar “virtualmente” e que jamais irá conhecer efetivamente... e por que não? Porque não fazem parte dos teus objetivos.
O ser humano carece de verde, de montanhas, de lagos, de campos, de praias... quantas vezes a gente mora na praia e “não vê o mar”, ver no sentido de “sentir” de admirar essa dádiva da natureza. Curioso que até mesmo presidiários tem seu “banho” de sol e, muitos de nós, passam dias e dias sem sair para tomar aqueles minutinhos básicos e necessários de sol diário. Então, livre-se, pelo menos parcialmente, dos seus “grilhões” ... Visite lugares nunca dantes visitados, saia, vá para a rua... tome os necessários cuidados, mas não se deixe manipular.
Canalize seus Estudos – Foco, foco, foco nos seus objetivos
Como disse mais acima, informação só pode se transformar em conhecimento mediante ações. De que adianta um excesso de informação se não vamos fazer nada com ela. Melhor então, será você decidir claramente seus objetivos e focar seus estudos e pesquisas em como proceder para atingi-los. Sempre me lembro, quando penso nisso, daquele célebre frase do filósofo Sêneca...” Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”.
Crie uma lista de benfeitorias – “Somos seres inacabados: em permanente construção”
Como já diria meu amigo e grande filósofo Mario Sergio Cortella (um filósofo extraordinário), “não nascemos prontos”, ou seja, somos um projeto de construção que deveria ser melhor a cada ano. Se você pretende ser um profissional melhor, um amigo melhor, um filho melhor, um pai ou uma mãe melhor e, enfim, um ser humano melhor... construa-se continuamente: seja a sua melhor versão a cada ano.
Você não vai ter uma melhor oportunidade do que essa, mas claro que isso não será uma tarefa simples e nem fácil. Para chegar Lá, você precisa elaborar uma lista de melhorias e, para isso, conhecer suas imperfeições que são melhoráveis. E, por mais que a crítica alheia seja um instrumento, somente por meio da autocrítica você vai poder “melhorar o produto” que você representa e que as pessoas vão querer comprar ou descartar.
Espiritualize-se: o mundo objetivo é ótimo, mas insuficiente para te preencher
Não importa em que você acredita: o importante é ter a consciência de que existe um universo espiritual onde o próprio sentido ético se materializa. O universo e a própria vida são mistérios que requerem abstrações sem as quais forma-se um vazio existencial que é talvez, a maior doença do nosso tempo. O sentido da vida é, sobretudo acreditar nos universos ocultos que criam e recriam as conexões que mantém a vida e as relações do homem com o universo.
Nada se dá ao acaso: somos frutos de fenômenos interconectados que tem misteriosas relações de causa e efeito. Aos mistérios da sincronicidade e da eterna conspiração que muitas vezes chamamos de coincidências... é a isso que me refiro. Logo, encontre espaços para meditar e para limpar sua mente de toda essa poluição (hoje estratosférica) de estímulos a que estamos submetidos. Só é possível encontrar o necessário equilíbrio pelo cultivo da espiritualidade que nos permite adentrar, sem ter que explicar, nos mistérios divinos da criação.
Ah! E se conseguir, passe pelo menos um dia da semana sem smartphone... imagine o que você poderia fazer para você mesmo tendo um dia inteiro só seu!
JMC Sanchez
Articulista, palestrante, fotografo e empresário.