Uma proposta para emenda que permite prisão após condenação em 2ª instância
04/07/2020 às 14:08 Ler na área do assinanteO Congresso está às voltas com o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que autoriza o cumprimento da pena (e seja que pena for) após condenação criminal pela segunda instância. A pretensão é acabar com a garantia prevista no artigo 5º, item nº LVII da Constituição que diz:
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Garantia que pode durar décadas até que a sentença transite em julgado, isto é, torne-se definitiva e que até mesmo poderá causar a prescrição da pena imposta, tantas são as manobras protelatórias que a legislação permite em benefício de um réu condenado por um tribunal, seja qual for a pena, seja qual for o crime.
Discute-se, também, os efeitos de uma eventual alteração constitucional, caso a emenda venha ser aprovada: se retroage, para alcançar os processos já instaurados e que estão em andamento, mas ainda não findos, ou se passa a valer apenas para os processos futuros, abertos após à promulgação da emenda.
De início, é preciso levar em conta que a garantia constitucional do artigo 5º, LVII da Carta da República constitui uma das normas pétreas e, como tal, insusceptível de sofrer abolição, conforme dispõe o parágrafo 4º, IV, do artigo 60 da Constituição:
"Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir...
.IV - os direitos e garantias individuais".
Aí reside um primeiro obstáculo. Mas não é um obstáculo intransponível, estando a merecer apenas aperfeiçoamento e adequação para assegurar a eficácia e a imediata execução das condenações criminais diante da prática de toda sorte de delitos e que a cada dia vai-se tornando maior em nosso país.
Uma solução plausível seria não abolir a garantia do artigo 5º, item LVII da Constituição e mantê-la com a mesma redação dada pelos constituintes originários.
A garantia continuaria íntegra, vigente e pétrea. Mas para que o cumprimento da pena criminal viesse a ocorrer após a condenação por um tribunal (segunda instância) e sem delongas e protelações, bastaria acrescer ao referido dispositivo constitucional, a obrigatoriedade de o condenado, sempre dentro do prazo recursal, dar início ao cumprimento da pena como condicionante para a interposição de recurso.
Exemplo: se a pena imposta pelo tribunal for a de prisão, o apenado que pretende dela recorrer, se obriga a dar início ao cumprimento da pena, recolhendo-se ao cárcere no prazo recursal para, só então, ingressar com recurso para a chamada terceira instância, que seria o Superior Tribunal de Justiça e/ou o Supremo Tribunal Federal, eis que nada impede a impetração de ambos os recursos, concomitantemente.
A condicionante sugerida - o apenado iniciar o cumprimento da pena para obter a admissão do seu recurso à(s) instância(s) superior(es) - poderia ser acrescida num só parágrafo ao artigo 5º, nº LVIi da própria Constituição, sugerindo-se esta redação:
"LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
parágrafo único - o trânsito em julgado de decisão penal condenatória proferida por tribunal se dará quando não mais couber recurso, quando o condenado dela não recorrer ou quando o recurso interposto não for precedido do início do cumprimento da pena no prazo recursal".
Observe-se que o "caput" (a cabeça) do referido artigo constitucional foi preservado. A norma permanece inteira, intocável e pétrea. Apenas foi-lhe acrescido um parágrafo a merecer, da legislação ordinária e infraconstitucional - no caso o Código de Processo Penal -, os detalhamentos do recurso à instância superior ao tribunal que proferiu a condenação. Dentre eles, a possibilidade de se fazer constar no recurso, Extraordinário para o STF e Especial para o STJ, como preliminar, justificado, motivado e sólido pedido ao ministro relator de concessão de liminar para suspender o cumprimento da pena a que o réu-condenado se viu obrigado a se submeter para garantir o direito de recorrer. No caso de prisão, por exemplo, para lhe dar liberdade, até que o mérito do recurso interposto venha ser julgado pela turma ou pelo plenário do tribunal
No tocante aos efeitos da aprovação da PEC relativa ao cumprimento da pena após sua imposição por um tribunal (segunda instância), o debate que está sendo travado no Congresso é bizarro. Isto porque até os formados em Direito, mas reprovados no exame da OAB para obterem sua inscrição na entidade e poderem advogar, até eles sabem e conhecem o basilar princípio do Direito Processual segundo o qual as leis processuais, sejam penais, sejam cíveis, têm efeitos imediatos e se aplicam a todos os processo em curso na data da sua publicação.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)