A digitalização social – Parte II: A disseminação Digital e a dimensão desse universo

01/07/2020 às 15:27 Ler na área do assinante

Quando comentei sobre a determinação dos Grupos Digitais com base em Gerações, na Parte I deste ensaio, a ideia é que até um certo tempo, embora tivéssemos a possibilidade de “migrações Digitais”, uma boa parte da sociedade, ou por não ter acesso à Internet e às redes, ou por sentir uma espécie de “barreira Digital” que perdurou por um tempo razoável, digamos até uns 5 anos atrás, o que poderíamos chamar de “analfabetos digitais”, uma forte segregação, promovendo uma divisão entre “gente Digital” e “gente Analógica”, algo que, como fotógrafo, me faz lembrar do encontro das águas do Rio Negro com as do Rio Solimões que por algum tempo, por uma ser barrenta e a outra cristalina, mas sobretudo porque têm temperaturas diferentes, não se misturam, por vários kms dadas as suas características próprias, até que pelo contato, vão se mesclando até se fundir: algo que é inevitável, quando deságuam no Rio Amazonas.

Lembro que mesmo antes de ter ido de “mala e cuia” para o universo digital por volta de 1996 ainda em 1992, quando então eu dirigia o Banco Real em BH, recebi como ferramenta de trabalho um telefone Celular.

Era um Motorola, que a gente chamava de “tijolo” e representava um dentre os primeiros 1.000 aparelhos que a Telemig Celular colocará no mercado (BH foi um dos primeiros Estados a Implantar a telefonia celular no Brasil). Hoje no Brasil, só para terem uma ideia, temos algo como 215 milhões de linhas (uma penetração de 102% da população em dados do ano passado).

Eu não imaginava à época, mas esse “aparato” determinaria, gradativamente, a possibilidade de ser localizado em tempo real e promover uma tremenda confusão em termos do que seria ambiente de trabalho e ambiente doméstico. Hoje, por exemplo, em tempos de confinamento (e distanciamento social), costumo dizer que “todos os dias são Segundas-Feiras” ... o que para alguns devem ser Sábados ou Domingos... sorte deles, ou não. Tenho trabalhado 15 horas por dia...

UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA

A Internet não é tão nova quanto parece. Ela foi criada na década de 1960, portanto há mais de 50 anos, como uma espécie de “alternativa” para os tempos da “guerra Fria” que movia os relacionamentos antagônicos entre os EUA e a Ex-união Soviética (hoje, ao que parece, substituída pela China). A Rede seria uma espécie de contingência acadêmica para o caso de um acirramento dos conflitos.

Mas foi em 1989 que o Cientista Britânico, Residente no MIT, Tim Beerners – Lee criou o www (world Wide Web), a Web como ficou inicialmente conhecida e que a seguir passou-se a chamar de Internet. Dessa forma, o acesso e compartilhamento de dados e informações passava a ser acessível pelo cidadão comum.

É preciso lembrar que, as tecnologias e ferramentas, são criadas para dar respostas a desejos e necessidade humanas. A ideia de estabelecer conexões e se comunicar com outros seres humanos é sim, uma necessidade intrínseca das pessoas, de tal forma que muito foi escrito sobre tais relacionamentos, mesmo antes do surgimento da Rede Mundial, que apenas serviu para exponenciar tais possibilidades.

Outra coisa importante das Redes, que permitiram a sua propagação acelerada, deve-se ao fato de que as pessoas gozavam de uma certa privacidade o que lhes permitia, inclusive “viver papéis”, ou seja, assumir a personalidade que bem entendesse, o que num certo momento, era algo bem divertido... ainda é.

Lembro de que quando desenvolvíamos o ZEEK, nossa tecnologia de buscas, utilizávamos além da ferramenta de pesquisas, a criação de diretórios temáticos que eram produzidos editorialmente por gente contratada por nós: numa entrevista para contratação de uma nova funcionária, tivemos contato com uma “senhorinha” que se disse ser a “verinha” do “almas gêmeas”, uma comunidade de relacionamentos do ZAZ. Ao perguntar quem seria a “verinha” que, segundo ela, tinha uma legião de seguidores, ela que deveria ter seus 50 anos nos disse que “verinha” era uma adolescente de 18 anos, ou seja, ela era a “verinha” e a “Verona”.

Nesse momento, ficava claro para mim que na rede, você pode ser o que se comporta, alargando amplamente as fronteiras de consumo, por exemplo. Estávamos em 1997 e o mundo já não era mais o mesmo... mesmo que ainda não soubéssemos disso completamente.

E COMO SE CONSTITUI ESTRUTURALMENTE A WEB

A Internet é constituída, pelo que podemos chamar de TRÊS CAMADAS (ou duas sendo que uma delas pode ser subdividida em duas) distintas:

Como podemos ver, a Internet ao mesmo tempo que tem aspectos muito positivos pode ser vista como um ambiente de altíssimo risco, uma bomba relógio para muitas de nossas atividades (encontra-se em curso o Marco Legal da proteção de dados pessoais. Lei que entra em vigor neste ano e que pode levar à falência quem não cumprir as melhores práticas de segurança estabelecidas nesta lei). Como sabemos, um Grupo de Hackers talentoso (na verdade nem precisa de um grupo, basta um), pode invadir praticamente qualquer sistema restrito, em poucos minutos. Logo, segurança é um dos graves problemas das redes... e a verdade é que a segurança sempre está correndo atrás do prejuízo.

A EXPANSÃO DAS REDES E A QUESTÃO DA PRIVACIDADE

A população mundial está mais e mais conectada a cada dia, e o Brasil desde sempre é uma das sociedades mais conectadas do mundo. Vejam os quadros abaixo:

Em que pese a posição acima se referir a dados de há mais de um ano, e que obviamente os números já devem ser maiores, duas coisas são marcantes: a exponencial expansão e penetração da rede no Planeta, além do fato de que o Brasil é ainda mais posicionado que a média mundial: o que pode ser ótimo por um lado e ruim por outro. Tais indicadores servem para nos dizer que a sociedade está tomada pelo processo de DIGITALIZAÇÃO SOCIAL, algo que, como quero discutir, vai muito além da TRANSFORMAÇÃO DIGITAL dos negócios, dos serviços, dos produtos...me refiro mesmo a COMPORTAMENTO e de como ele pode ser MANIPULADO por gente inescrupulosa, além de significar um divisor de águas para a Humanidade. A História será contada a partir do estabelecimento de um novo ciclo/nova era: a da DIGITALIZAÇÃO SOCIAL.

A PERDA DA PRIVACIDADE E AS INVASÕES SELETIVAS

Uma ampla discussão nos últimos anos, tem sido a questão da privacidade, principalmente a partir da expansão das redes móveis cuja penetração é exponencial, como vimos nos quadros.

A Internet bem como as Redes Sociais, nasceram para ser livres e para se autorregular (algo chamado Netiqueta e que hoje contempla processos individuais de Curadoria), mas não é o que acontece. A destruição da privacidade é flagrante. E é essa a preocupação expressa recentemente por seu criador, o cientista Tim Beerners – Lee. Mesmo que essa invasão seja crime, estamos a cada dia mais vulneráveis a três tipos de práticas:

DESDOBRAMENTOS DOS PROCESSOS DE DIGITALIZAÇÃO SOCIAL

Para começar, acho que agora é o melhor momento para estabelecer a diferença entre A SOCIEDADE DIGITAL e a DIGITALIZAÇÃO SOCIAL, que é minha proposta neste ENSAIO:

O que é uma SOCIEDADE DIGITAL:

Representa o uso intensivo e progressivo de tecnologias relacionadas ao universo digital e que tem seu principal veículo na Internet e principalmente agora, à internet móvel. A partir dos Grupos de Gerações que comentei, as pessoas não tiveram escolha e tiveram que ir se ajustando e esse novo e inevitável ambiente digital/tecnológico.

Como disse, foi sendo estabelecido uma espécie de movimento de EQUALIZAÇÃO ou de “inclusão digital”, visto que, quem não se daptava era visto como uma espécie de “analfabeto digital”. Conheci pessoas muito esclarecidas, inteligentes e preparadas que, de alguma forma se recusavam a aderir a tecnologias digitais: FORAM VENCIDAS...

Eu, como fotógrafo há mais de 30 anos, quando surgiu a Fotografia digital, mais que depressa procurei aderir o que me poupou muito sofrimento e despesas. Me lembro que o extraordinário fotografo Sebastião Salgado, assim como muitos outros colegas analógicos, se recusou o quanto pôde, mesmo sendo economista e esclarecido, a aderir à tecnologia Digital: mas não resistiu e há alguns anos já é digital. Percebeu, assim como eu, que a Tecnologia está a serviço do Talento e não o contrário. É assim que tem que ser...

O que é DIGITALIZAÇÃO SOCIAL:

Ao contrário do processo de TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DIGITAL a que as várias gerações foram submetidas e tiveram que se adaptar (ou perecer), no que chamo de DIGITALIZAÇÃO SOCIAL me refiro a um processo bem diferente e sem volta onde a SOCIEDADE vai sendo “Digitalizada pelo SISTEMA” de tal forma que seu comportamento vai sendo moldado pela própria tecnologia digital, sem que o saibamos, sem que tenhamos consciência, e assim, não conseguimos nos proteger para evitar.

Num processo de DIGITALIZAÇÃO SOCIAL, as pessoas podem ser submetidas a um modelo de dominação e manipulação social, para o qual é muito difícil resistir, uma vez que representam a invasão permanente e sistemática de privacidade por incontáveis métodos sobre os quais não se tem controle e sobretudo, pela sutileza como são aplicados.

Num modelo de DIGITALIZAÇÃO SOCIAL, pressupomos que já houve o estabelecimento de uma EQUALIZAÇÃO DIGITAL o, que de fato, estamos notando durante o confinamento onde o comportamento está sendo moldado em altíssima velocidade. É comum ver nossas avós participando de LIVES, por exemplo... e a partir disso trocando receitas com outras vovós.

Mas ainda existem outros riscos sobre os quais falarei na terceira parte do ensaio...

DIGITALIZAÇÃO SOCIAL: UTOPIAS E DISTOPIAS

Quando chegamos nesse ponto da discussão, penso que é hora de dar uma pausa. Deixo apenas para sua reflexão as DISTOPIAS, principalmente a TRILOGIA que muitos de nós já conhece e que são assustadoramente pertinentes num momento em que a ficção pode ser parte da realidade. Assim, deixo links para três distopias, que podem servir para ilustrar a discussão que este tema representa, me refiro ao fato de que o atual momento apresenta polos muito perigosos. Recomendo, como disse, ver as resenhas nos links abaixo, o que facilitara a compreensão do que falarei na parte III:

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (Em 1932 por Aldous Huxley)

FAHRENHEIT 451 (Em 1953 por Ray Bradbury)

1984 (Em 1959 por George Orwell)

Até o terceiro texto com a conclusão propositiva deste ENSAIO.

JMC Sanchez

Articulista, palestrante, fotografo e empresário.

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