Será que o Amapá vai reagir?

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A maioria dos brasileiros não sabe onde fica o Amapá. Entre os mais jovens, então, Brasil afora, muito poucos sequer sabem que ele existe.

E as causas de tal desconhecimento são várias. Mas, entre estas, há uma que, como veremos, pode ser superada pelo povo amapaense.

Desmembrado do Pará, o Amapá virou território em 1943. E adquiriu autonomia como Estado em 1988: faz 32 anos. Autonomia?

Com status de território federal, ele era mantido pela União com o dinheiro dos impostos que, do Oiapoque ao Chuí, todo mundo paga. Virando Estado, deveria viver dos próprios recursos. Porém, segundo a historiadora Maura Leal da Silva, o Amapá segue sendo sustentado com o suado dinheirinho de todos os brasileiros.

E por que não decola?

Em parte, explica-se pela qualidade de seus representantes em Brasília, para os quais a política é um negócio, incapazes que são de planejar o futuro do Estado. Nesses 32 anos, por exemplo, o Amapá deu três mandatos de senador a José Sarney, que nem amapaense é e nunca morou lá. E que, ao se aposentar, deu lugar a Davi Alcolumbre, que é réu em vários processos - coisa que, tudo indica, os amapaenses não sabem.

Só no STF (Supremo Tribunal Federal), Alcolumbre é investigado em dois inquéritos por crimes eleitorais, contra a fé pública e uso de documento falso.

Um deles (n. 4677) traz detalhes da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal do Amapá, apontando irregularidades em sua campanha de 2014. Um segundo corre em segredo de Justiça. Há outros.

Mas, além de ruim para o Amapá, ele faz mal ao Brasil: hoje, Alcolumbre preside o Senado, exatamente o órgão legitimado para fiscalizar a conduta do STF.

Ocorre que, usando anomalias regimentais, ele engaveta qualquer processo contra a Suprema Corte. Chegou ao ponto de dar uma espécie de habeas corpus preventivo aos ministros.

Sim, em 13/04/19, entrevistado pelo Estadão, ele garantiu que vai usar a sua atual condição de presidente do Senado para barrar qualquer reclamação contra ministros do STF (como tem feito). É como se um juiz desse uma sentença antes de conhecer as razões das partes.

E como se conduz o STF? Em outubro de 2019, entrevistado por Rogério Mendelski, então na Rádio Guaíba, Porto Alegre, o Sen. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que o presidente do STF, Dias Toffoli, costuma ir ao Senado para "conversações" - leia-se "defender interesses difusos".

Com efeito, o STF faz o que bem entende. Até já proibiu a polícia de entrar numa área conflagrada do Rio de Janeiro, atropelando o executivo local e fixando área livre para bandidos.

Agora, violando a Constituição e parodiando o AI-5, instaurou o famigerado "Inquérito das Fake News", fazendo papel de polícia, de Ministério Público e de julgador, acumulando uma penca de atos ilegais.

O mecanismo é este: Alcolumbre tem, contra si, processos que gostaria de trancar até prescrever. E aquele que poderá vir a julgá-lo, Dias Toffoli, é dado a frequentar gabinetes do Senado.

Alcolumbre é, pois, fiador do pior que pode suceder ao país: a ditadura da toga. E vale recordar a advertência de Rui Barbosa: "A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer."

E é o que se está desenhando no Brasil. Até quando?

Para Alcolumbre, porém, está bom. Como a maioria dos seus pares, ele vive para o autointeresse: o Amapá só serve para, nas urnas, garantir-lhe o mar de rosas do Senado; e a vassalagem ao STF alimenta-lhe a expectativa de ficar livre dos processos.

Hoje, o melhor que pode acontecer para fazê-lo parar de enganar o eleitor e de causar danos ao Brasil é o povo amapaense, que lhe deu procuração para "operar" em Brasília, reagir e dizer "basta!" a seu descompensado egoísmo e à sua mal dissimulada esperteza.

A palavra-chave para a superação do Amapá (o seu salto para o futuro) é "protagonismo". E seria um bom começo o povo nas ruas, dando limites a Alcolumbre, o que serviria de recado também para os demais políticos.

Só falta saber se o amapaense está a fim de escolher entre "ser dependente" e "ser protagonista", quer dizer, entre "seguir ignorado" e "entrar de vez no mapa do Brasil".

Foto de Renato Sant'Ana

Renato Sant'Ana

Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br

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