O Regime Democrático já foi rompido e não foi por Sara Winter ou pelos 300 do Brasil

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Quem não lembra das milhares de pessoas sobre o teto e espelho d´água do Congresso Nacional na noite de 17/06/2013, há exatos 7 anos? Fato histórico e que desencadeou uma virada de politização no Brasil. Dali sucedeu-se a Lava-Jato (2014), o Impeachment da Dilma (2016) e a eleição de Bolsonaro (2018), fatos que, concatenados, revelaram um povo firme que não mais admite a oligarquia, o “jeitinho” ou qualquer forma de corrupção ou abuso de poderes no Brasil.

Alguém se lembra de algum brasileiro preso por isso ou algum inquérito penal por violar “a segurança nacional”?

Obviamente que não.

A Lei de Segurança Nacional é inconstitucional. Mas, quando se quer perseguir inimigos, qualquer ato pode virar um crime e qualquer norma esquecida pode ser usada para fundamentar a agressão às liberdades fundamentais!

A Segurança Nacional pode ser um valor abstrato, mas a sua violação, enquanto crime, para ser configurado, precisa de potencialidade delitiva, em palavras fáceis: atos concretos praticados por alguém ou grupo de pessoas identificadas e que correspondam a alguma das condutas especificadas em lei – autoria e materialidade, sem o que não há crime e a prisão torna-se impossível.

Há uma lei que trata disso, é verdade: a Lei 7.170 de 1983, promulgada ainda no Regime Militar, com o intuito de coibir manifestações de caráter político e prevendo a Justiça Militar como competente para processar e julgar os seus malfeitores. Mas o que está lei tem a ver com o Estado Livre e Democrático de Direito inaugurado com a Constituição Cidadão de 1988? Resposta: nada!

Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, em julgamento do RC 1472 no STF, em 2016, manifestou-se contra a constitucionalidade desta lei ao afirmar categoricamente:

“Já passou a hora de nós superarmos a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, do tempo da Guerra Fria, que tem um conjunto de preceitos inclusive incompatíveis com a ordem democrática brasileira. Há, no Congresso, apresentada de longa data, uma nova lei, a Lei de Defesa do Estado Democrático e das Instituições, que a substitui de maneira apropriada.”

Neste mesmo processo, ao proclamar seu voto, seu colega Ministro Ricardo Lewandowski concluiu:

“Vossa Excelência tem razão. E há um aspecto importante, ao meu ver: com a superação da Carta de 69, a maior parte do fundamento constitucional da Lei de Segurança Nacional caiu por terra. Portanto, hoje certamente ela não seria recepcionada pela nova Ordem Constitucional em sua maior parte”.

Ou seja, amigos, pasmem: o STF tem razão! Esta lei é ultrapassada porque não se amolda a nosso regime constitucional, só não foi oficialmente declarada inconstitucional pelas vias de controle concentrado: ADI ou ADC!

Certamente que, por isso, o grupo de “ANTIFAs” que deu entrevista à CNN no último dia 08 de junho tiveram suas identidades preservadas e afirmaram com acesso público no próprio site da emissora jornalística:

“Sem dúvida nenhuma é necessário violência. A violência é revolucionária. A gente se utiliza da violência porque a gente tem amor pelos nossos, a gente tem amor pelo diferente, e é isso”!
O título da “matéria” é “´Podemos usar da violência’, dizem integrantes dos ANTIFAS à CNN”.

Vide Link: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/06/08/podemos-usar-de-violencia-dizem-integrantes-do-antifas-a-cnn

Além do vandalismo concreto do domingo anterior na Avenida Paulista e em Curitiba, a confissão de mudança de regime através da violência, razão de ser da Lei de Segurança Nacional, o que o MPF, a PGR ou o STF, de ofício como tem agido, fizeram?

Se a lei existe e é constitucional precisa valer para todos, ou não?

Oficiou-se à emissora CNN como se fez, de modo mais drástico, ao invadir a sede do Terça Livre para realizar ordem de busca-e-apreensão como se ali, sede jornalística, que não esconde identidades, funcionasse um “escritório do crime” ou uma “associação criminosa” para derrubar o Estado de Direito?

Não. Nada fizeram, nem vão fazer!

Certa imprensa classificou tudo isso como “atos pró-democracia” e o MPF e o STF ou qualquer organização com poder no meio jurídico, como a tal AJD ou a própria OAB sequer se mobilizou para punir esses marginais!

A desculpa é, talvez, que o enquadramento penal deles é o “terrorismo” e este, quando feito com viés político, tem a sua ilegalidade afastada pelo Art. 2º, § 2º da Lei 13.260/16. E isso é verdade? Sim.

Então se é verdade, se a Lei de Segurança Nacional não foi recepcionada pela Constituição de 1988 e as manifestações políticas não podem ser enquadradas como “atos de terror”, por determinação expressa da própria lei que afasta a sua punição o que Sara (Winter) Giromini e os outros cinco patriotas estão fazendo presos numa cela imunda, sem direito de defesa, ao contraditório e, sequer, a conhecer os fundamentos de sua prisão, cuja ordem e pedido nem aparecem no próprio Inquérito 4.828 ?

Isso nos faz concluir que o Estado Democrático foi, sim, rompido, mas não por Sara Fernanda Giromini, a Sara Winter, ou nenhum outro dos presos perseguidos políticos ou os jornalistas que tiveram suas casas e estúdios invadidos e seus sagrados direitos fundamentais violados, muito menos pelo Presidente Bolsonaro que até hoje, desde seu primeiro dia na cadeira presidencial, vem aguentando verdadeira usurpação de seus poderes constitucionais com intromissões indevidas do Legislativo e do chamado “ativismo judicial” que anula até nomeação para cargo de confiança de competência exclusiva.

A Democracia brasileira foi rompida pelo próprio STF, através da Portaria-GP 69/2019 de 14/03/2019 (INQ 4.781) que instaurou o “Inquérito do Fim do Mundo”, nas exatas palavras do único Ministro que votou contra isso, Marco Aurélio, colocando em risco a segurança jurídica e nacional ao ser referendado pela decisão por 10 votos a 1 na ADPF 572, sessão do último dia 18/06/2020, que certamente marcará um triste capítulo da História do Brasil.

Foto de Henrique Quintanilha

Henrique Quintanilha

É advogado formado e pós-graduado pela UFBA, com Mestrado em Direito Público e pesquisa sobre as Políticas Públicas de afirmação de direitos no Brasil e Estados Unidos, também pela UFBA, Professor de Pós-graduação em Direito e analista político.

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