O excelente J. R. Guzzo, em recente artigo publicado no Estado de São Paulo /1/, faz uma radiografia jurídica e moral do STF, aquilo que deveria ser uma corte suprema e preocupada apenas com o zelo constitucional. Está longe disso, aquele nada colendo tribunal. Primeiro pela péssima qualidade de seu conjunto, cujos membros não são, em geral, juízes de verdade.
Em sua quase totalidade, esquivaram-se de concurso público, de uma escola de magistratura e da progressão de carreira, começando do começo necessário para, aos poucos, ir adquirindo experiência, maturidade, tirocínio e, finalmente, respeitabilidade profissional. São, quase todos, togados por conveniência ou simpatia em gabinete presidencial, não raro gabinete suspeito de malandragens, quando não ocupado por um corrupto.
Segundo porque em muito o STF – ao contrário das Supremas Cortes de democracias consolidadas - não se restringe a definir se um ato legislativo, executivo, ou de outra origem fere ou não o texto constitucional. Ele age mais como uma corte penal comum (aliás deficientíssima, com a celeridade de uma lesma, um molusco gastrópode) cuidando do dia-a-dia de processos como se fosse um juízo de primeiro grau.
Cito um exemplo, para esclarecer o que acima afirmo.
Em 1950, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o ‘apartheid’ nas escolas era inconstitucional. No estado do Arkansas (terra de Bill Clinton), sob a liderança racista de seu governador, a decisão da Suprema Corte não foi considerada e obedecida.
O que se viu então?
Recursos e mais recursos chegando àquela corte para que ela tomasse as providências de impor a integração? Não, nada disso.
A Suprema Corte já havia cumprido o seu papel. Ela não é um juízo de primeiro grau e não se comporta como tal.
O que aconteceu foi que o então presidente dos Estado Unidos, Dwight Eisenhower, interferiu no caso, dizendo que um Estado não poderia viver à margem de uma decisão da Suprema Corte. Federalizou a guarda nacional do Arkansas, enviou mais tropas federais e garantiu o império da lei e da ordem naquele Estado.
Se fosse no Brasil, com Toffoli e Alexandre de Moraes, certamente um inquérito (ilegal!) seria instaurado no âmbito da corte para punir o governador refratário. Ordens e mais ordens seriam emitidas para isso e para aquilo a não mais terminar, elevando a temperatura social do Estado e da Nação. Coisa de República Bananeira.
No artigo citado acima, Guzzo, com a precisão de um tiro de besta de Guilherme Tell, escreve:
“O inquérito de Moraes é algo jamais visto na história deste País. É um procedimento secreto; nem o público, nem os investigados e nem mesmo os seus advogados têm acesso à papelada legal da operação. Os envolvidos não são acusados oficialmente de nenhum crime previsto nos 341 artigos do Código Penal. Na verdade, nem sabem o que são. Suspeitos? Indiciados? Réus?”
Eu acrescento, é um inquérito aberto em favor da suposta vítima (o STF, ou um ou mais de um de seus ‘eminentes’ ministros), investigador, acusador, julgador e, quem sabe no futuro, juiz executor da sentença.
E Guzzo completa:
“É claro que não existe nenhuma possibilidade de se levar a sério o show ora em cartaz.”
Um show kafkiano, classifico em aditamento.
Sim, prezado Guzzo, levar a sério este show kafkiano de horrores é impossível. Levar a sério este Supremo – que através daquele sexteto que você chama de “Fação-Pró-Crime” (Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber) destruiu a possibilidade de se continuar a passar o Brasil a limpo pelo combate à alta corrupção, já que criou o Estado Cleptocrático Brasileiro /2/ - é algo impensável, pelo menos a pessoas inteligentes, informadas e sérias.
Não dá para levar a sério este Supremo que, sob a égide de Ricardo Lewandowski, afrontou a Constituição e a Gramática Portuguesa, para proteger a “cumpanhera” Dilma, fazendo com que, embora impedida pelo Senado, continue habilitada para exercer cargos públicos, inclusive cargos eletivos. /3/
O advogado Cristiano Caiado de Acioli estava pleno de razão quando, na cara de Lewandowski, gritou:
“Este Supremo é uma vergonha. Tenho vergonha de ser brasileiro quando olho a cara de vocês”.
O mesmo acontece comigo, Guzzo: tenho vergonha e nojo, não da instituição STF, mas destes oportunistas que - feitos juízes em gabinetes presidenciais - a aparelham, a envergonham e a tomam como instrumento para suas ambições nada republicanas.
Claro, prezado Guzzo, o STF agora se superou com este processo Kafkiano. Kafkiano porque, como você diz e eu o cito e repito: “é um procedimento secreto; nem o público, nem os investigados e nem mesmo os seus advogados têm acesso à papelada legal da operação. Os envolvidos não são acusados oficialmente de nenhum crime previsto nos 341 artigos do Código Penal. Na verdade, nem sabem o que são. Suspeitos? Indiciados? Réus?”
É um processo, Guzzo, liderado pelo “jurista” sem obra jurídica e reprovado em dois concursos para juiz substituto (Dias Toffoli) e pelo ministro parido no gabinete nada recomendável de Temer, Alexandre de Moraes, mas com o apoio expresso da maioria do STF.
Franz Kafka, autor do livro ‘O Processo”, descreveu, com perfeição, há quase um século, o que estão passando as vítimas de Moraes, Toffoli e demais ‘supremos’ acuados. Se aqueles ‘juízes’ do STF tivessem ao menos lido Kafka, talvez (e este é um imenso ‘talvez’) se dessem conta da monstruosidade a que se entregaram.
Pobre Brasil!
REFERÊNCIAS:
José J. de Espíndola
Engenheiro Mecânico pela UFRGS. Mestre em Ciências em Engenharia pela PUC-Rio. Doutor (Ph.D.) pelo Institute of Sound and Vibration Research (ISVR) da Universidade de Southampton, Inglaterra. Doutor Honoris Causa da UFPR. Membro Emérito do Comitê de Dinâmica da ABCM. Detentor do Prêmio Engenharia Mecânica Brasileira da ABCM. Detentor da Medalha de Reconhecimento da UFSC por Ação Pioneira na Construção da Pós-graduação. Detentor da Medalha João David Ferreira Lima, concedida pela Câmara Municipal de Florianópolis. Criador da área de Vibrações e Acústica do Programa de Pós-Graduação em engenharia Mecânica. Idealizador e criador do LVA, Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC. Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.