Reforma Política: É preciso mudar para ficar do jeito que está

21/02/2016 às 02:33 Ler na área do assinante

O escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa escreveu um livro, “O leopardo”, transformado em filme com o ator Burt Lancaster, que retrata a revolução burguesa na Itália. Era uma época de crise da nobreza e ascensão da burguesia comercial italiana. Assim, um dos personagens do livro propõe o casamento da filha de um burguês endinheirado com um jovem nobre arruinado, coisa inconcebível para aquela sociedade. Para justificar a proposta, ele diz “que é preciso mudar para que tudo fique como está”, numa tradução aproximada do texto italiano. Em outras palavras, de vez em quando o governo precisa mudar para continuar dominando.

Este é o perigo que todos estão correndo com a tão falada reforma política. Em primeiro lugar, a reforma passa pelo Congresso Nacional, ou seja, por políticos que sempre usufruíram da estrutura que está por aí e que é criticada por todos. Será que esses políticos farão uma reforma que no futuro poderá prejudicá-los? Ou vão dar uma de “João sem braço” e “mudar para que tudo fique igual”, preservando seus privilégios. Ninguém sabe onde isso vai dar.

Como uma prática usual, depois de muitas discussões, malabarismos e surpreendentes votações, esta tal reforma vai acabar nas barras dos tribunais. É o que está acontecendo com algumas questões pontuais da reforma. Lembro que uma reforma nada mais é que mudanças pontuais sem alterar o conteúdo principal: a famigerada mudança enganosa. É como reformar uma roupa velha. Ela pode ficar bonita, mas na sua essência continua a mesma. À verdadeira mudança e transformação dá-se o nome, que arrepia o cabelo de muita gente, de revolução. Mas isso é outra história.

Assim, de forma paralela às discussões no Congresso sobre reforma política, é sempre convocado o Supremo Tribunal Federal para dar pareceres sobre assuntos que terão impactos políticos na sociedade. O que me admira é que nesta democracia tupiniquim a população nunca é chamada a opinar. Todas essas mudanças deveriam passar por uma ampla discussão da sociedade. E o seu resultado deveria ser aprovado, em última instância, pela própria população através de plebiscito.

Já passaram ou estão passando pelo STF algumas questões cabeludas como “ficha limpa” (que, pelo andar da carruagem, não está sendo levada a sério), posse de suplentes, salário mínimo e até novos partidos, aliás muitos com características notórias de legendas de aluguel. O caso da ficha limpa refere-se ao questionamento da lei que impede políticos que renunciaram (para evitar cassação ou que foram condenados em segunda instância) de se candidatarem a novos cargos eletivos. É o famoso “jeitinho brasileiro”.

Quanto aos suplentes, o que está em jogo (e isso pode mudar a composição dos parlamentos federal, estaduais e municipais) é o preenchimento de uma vaga aberta com a saída de um parlamentar pelo suplente do partido ou da coligação. Já existe uma bela confusão sobre este assunto. Agora abriu-se uma esdruxula “janela” que permite durante a mudança de parlamentares de partidos sem perda de mandato. É o famoso toma lá, dá cá.

Sobre o reajuste do salário mínimo houve uma esperteza da maioria do Congresso que mudou a lei transformando-a em decisão por decreto presidencial. A oposição afirma que foi dado um nó na Constituição. É preciso, portanto, esperar a decisão do STF.

Em outro prédio, no Congresso, discutem-se as possíveis brechas para uma reforma política palatável (ou seja, para os próprios políticos). Entre as questões mais polêmicas estão: o financiamento público de campanha (já modificado para a contrariedade de muitos), a unificação do calendário eleitoral, o mandato de cinco anos, o fim do estatuto da reeleição, a fidelidade partidária (um dos pontos mais importantes para o fortalecimento dos partidos) e o voto distrital, aliás, um perigo que pode limitar as opções do eleitorado. E, finalmente, está também em pauta uma arte grossa chamada “voto em lista” que tem o objetivo de privilegiar os chamados “donos” dos partidos. É um grande perigo à democracia.

Entendo que o brasileiro deve acompanhar com muita atenção o andamento dessas reformas, senão teremos a mudança que nada muda. E pode piorar.

Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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