Masculinidade em vertigem: Uma “verdade inconveniente” silenciada pela ideologia
06/06/2020 às 05:06 Ler na área do assinanteTodas as épocas enfrentaram seus problemas. Doenças, guerras, miséria, catástrofes, etc, sempre fizeram parte dos relatos que nos chegaram e que deixam claro que não há mundo perfeito. Colocado noutros termos, todas as gerações enfrentam seus problemas, sejam eles novos sejam eles reincidentes (alguns causados pela natureza, outros pela humanidade mesma).
No entanto, existem também problemas novos e “invisíveis”, os quais, apesar de não serem evidentes, podem se tornar ainda mais perniciosos. Apercebemos-nos deles por alguns de seus efeitos, mas dado eles não serem óbvios não nos colocamos a questão fundamental: qual é, exatamente, o problema?
Uma dessas questões concerne à masculinidade. Estará ela definhando? Os homens de hoje diferem, no quesito masculinidade, dos homens de outrora? Será essa uma questão meramente cultural ou estaremos testemunhando uma mudança causada por fatores endocrinológicos despercebidos?
Para especularmos sobre esse problema precisamos entender a “teoria da alteração hormonal causada por contaminantes”.
Sabemos que somos, em grande parte, aquilo que comemos (consumimos). Isso foi colocado de forma indisputável pelo filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804 – 1872) o qual afirmou, em sua obra “Pensamentos sobre morte e imortalidade”, que “o homem é aquilo que come”.
Isso corresponde a uma parte considerável de nossa natureza, dado que somos, também, “máquinas biológicas”. Nesse sentido somos, obviamente, moldados inclusive por aquilo que consumimos. E nesse ponto muitas das reivindicações dos ambientalistas fazem sentido.
Preocupações com o ar que respiramos, com a água que bebemos e com os alimentos que consumimos são, certamente, legítimas. No entanto, talvez na maioria dos casos aqueles que nos envenenam sequer saibam das consequências de suas ações, as quais muitas vezes têm efeitos colaterais que só serão descobertos após muito tempo de “envenenamento”. E aqui entra a “teoria da alteração hormonal causada por contaminantes”.
Para esclarecê-la tomo como base um livro intitulado “O Futuro Roubado” (1996), especialmente seu nono capítulo (‘Crônica da perda’).
Nesse capítulo são apresentados estudos com alguns animais, como baleias belugas, panteras, tartarugas, jacarés, dentre outros. Segundo os autores da obra (de 24 anos atrás, cabe enfatizar), há “evidências crescentes de que muitos agentes químicos sintéticos alteram hormônios, comprometem a reprodução, interferem no desenvolvimento e minam o sistema imunológico”.
O que eles estavam investigando, aliás, era a causa da diminuição dessas espécies. Eles partiram da suspeita de que sua diminuição não estaria relacionada unicamente com causas visíveis, como caçadas, desmatamentos e avanço das zonas urbanas, por exemplo. Talvez existissem causas invisíveis atuando.
E é aqui que se torna interessante o caso, descrito no livro, a saber, dos jacarés do lago Apopka (Flórida/USA). Diversos biólogos da Universidade da Flórida, do Serviço de Peixes e da Vida Silvestre dos USA, bem como da Comissão de Caça e Peixes de Água Doce da Flórida, conduziram uma pesquisa para identificar a causa do fracasso reprodutivo dos jacarés do lago Apopka.
Um dos primeiros a associar o fracasso reprodutivo dos jacarés a agentes químicos sintéticos foi o biólogo Lou Guillete, da Universidade da Flórida. Ele associou esse fracasso reprodutivo a um vazamento da Companhia Química Tower, o qual ocorrera uma década antes do estudo (em 1980). Como podemos ler no livro, esse fracasso só começou a “fazer sentido quando ele descobriu que agentes químicos sintéticos podiam agir como hormônios”.
Esse, aliás, é o ponto central do problema (sua causa): agentes químicos sintéticos atuam como hormônios.
Assim, no vazamento da Companhia Química Tower foi liberado abundantemente o agente químico dicofol, “parente próximo do DDT”, o qual “também interfere nos hormônios”. Um dos efeitos dessa interferência química sobre os jacarés foi a significativa diminuição do tamanho de seus pênis, os quais passaram a medir “entre um terço e metade do tamanho normal” (relativamente ao tamanho dos pênis de jacarés que habitam lagos mais limpos).
Mas esse é um aspecto visível do problema. O aspecto invisível concerne ao desequilíbrio hormonal: “os machos apresentam um perfil que parece tipicamente o de uma fêmea normal, com altos níveis de estrógeno e bastante reduzidos de testosterona em seu sangue”.
Nesse ponto, a propósito, o problema não está restrito aos “machos”: “esses níveis significativamente aberrantes de hormônios em machos e fêmeas sugerem que seus órgãos sexuais funcionem mal ou, simplesmente, estejam paralisados”.
Com efeito, conforme lemos no livro, o maior suspeito para esse problema, que inclui a “feminização” dos jacarés “machos”, seria o DDE, um metabólito do DDT. Ele foi encontrado em altas concentrações nos ovos de jacaré, sendo que poderia ter se originado do dicofol que vazou da Companhia Química Tower.
Além disso, como dizem os autores da obra, “outros que também alteram o sistema endocrinológico também estão presentes, inclusive os organoclorados dieldrin e clordane. Em testes nos quais os pesquisadores pintaram ovos de jacaré com DDE, uma quantia de apenas uma parte por milhão foi suficiente para produzir índices mais altos do que o esperado de ambiguidade dos órgãos sexuais – aberrações que lembravam aquelas encontradas em pássaros contaminados, conforme as observações do pesquisador Michael Fry, da Universidade da Califórnia.
Análises químicas dos filhotes de jacarés do Apopka demonstraram que eles contêm de quatro a cinco partes por milhão de DDE”.
Em resumo, a alteração hormonal causada por contaminantes tornou os “machos” estudados mais “femininos”, ocasionando inclusive seu desinteresse pelas fêmeas.
Diante de pesquisas como essa obviamente nos colocamos uma pergunta que não se deixa silenciar: somos também afetados, em nível hormonal, por agentes químicos sintéticos?
Por mais assustador que seja admitirmos, a resposta é: ‘sim’!
Sim, pesquisas têm demonstrado que também estamos sendo afetados pelo que consumimos. E não se trata apenas de câncer e outras moléstias, as quais também se desenvolvem a partir do que consumimos. Além disso, estamos sendo afetados no plano reprodutivo, seja pela esterilidade seja pela “feminização” masculina.
Por exemplo, estudos com o ‘bisfenol A’, o qual é um composto orgânico usado como matéria prima para a produção de plásticos, têm demonstrado que a exposição a ele afeta a masculinidade, a qualidade do esperma e sua contagem.
Comparando a urina de centenas de homens, o estudo intitulado “Urine bisphenol-A (BPA) level in relation to semen quality” (publicado no Journal ‘Fertility and Sterility’. Vol. 95, No. 2, February 2011) revelou que quanto maior o nível de ‘bisfenol A’ na urina, menor a concentração (e vitalidade) de esperma (comparativamente a homens sem ‘bisfenol A’ na urina).
Outro dado interessante é que, nos USA, 90% dos homens apresentam ‘bisfenol A’ na urina. Além do problema reprodutivo, oriundo seja da baixa contagem de esperma seja da pobreza de sua qualidade, há também o decréscimo da função sexual e, mesmo, da satisfação sexual naqueles com alto índice de ‘bisfenol A’.
Há, inquestionavelmente, uma correlação entre a presença de ‘bisfenol A’ no organismo e problemas reprodutivos. Não apenas isso, desinteresse por fêmeas e “feminização” foram identificados nas pesquisas feitas até esse ponto, assim como mostram que o ‘bisfenol A’ também reduz a testosterona e, em consequência, a masculinidade.
O estudo “Bisphenol A May Cause Testosterone Reduction by Adversely Affecting Both Testis and Pituitary Systems Similar to Estradiol” (publicado em ‘Toxicology Letters. Vol. 194, issues 1-2) esclarece esse ponto, corroborando seu efeito na disfunção de hormônios sexuais, algo já identificado em pesquisas com ratos.
O ‘bisfenol A’ tem uma estrutura molecular muito semelhante ao estrogênio (hormônio feminino), sendo usado especialmente na produção de plásticos. Por essa razão ele está presente em diversos recipientes de alimentos e bebidas (mamadeiras, diversas embalagens, copos, garrafas, revestimento interior de latas, etc).
Mas ele também está em outros produtos, como computadores, eletrodomésticos, ferramentas, etc. Quando aquecido o produto libera moléculas, as quais, com o tempo de exposição, aumentam os níveis de ‘bisfenol A’ no organismo.
Nesse sentido, ele passa a atuar como um “disruptor endócrino” (isto é, uma substância química semelhante a um hormônio que causa alterações no sistema endócrino, “imitando” hormônios).
Dentre os resultados de sua atuação como “disruptor endócrino” a bibliografia sugere, por exemplo, o início precoce da maturação sexual, diminuição da produção de esperma, alterações no desenvolvimento da próstata, da tireoide e da glândula mamária, mutações no útero e nos ovários, bem como alterações de comportamento, o que inclui hiperatividade, déficit de atenção e maior propensão ao uso de drogas.
Se pesquisarmos por artigos em publicações disponíveis no ‘American Journal of American Medical Association’, no ‘National Health and Nutrition Survey’, na ‘Nature Reviews Endocrinology’, no ‘Science News’, no ‘Environmental Health Perspectives’, no ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’, dentre diversos outros, encontraremos pesquisas que não apenas corroboram o que indiquei acima, mas que ainda apresentam outros problemas de saúde oriundos do consumo, ainda que inconsciente, do ‘bisfenol A’.
Mas, para o problema que foi colocado no início desse texto (estará a masculinidade definhando?), importam alguns dos efeitos em específico do ‘bisfenol A’, especialmente a redução do hormônio masculino testosterona (dimorfismo cerebral) e alterações ligadas ao dimorfismo sexual (diferenças físicas nos corpos do macho e da fêmea).
Embora o declínio da masculinidade possa ser multifatorial, envolvendo mesmo questões ideológicas, políticas, culturais, etc, fica evidenciado que há um relevante aspecto endocrinológico, ligado ao que consumimos crescentemente nas últimas décadas, sobretudo produtos embalados em plástico, em sua maioria aquecível no aparelho de microondas.
Eu já havia abordado a questão cultural e ideológica aqui:
Contudo há também elementos endocrinológicos relacionados a esse problema, o qual é obliterado por uma agenda ideológica que sustenta a ideia, absurda, de que se escolhe ser ou homem ou mulher.
Na verdade, o problema do ‘bisfenol A’ revela uma “verdade inconveniente”: nascemos ou homem ou mulher. Excetuando raros casos de disforia de gênero, não existem “diversos tons de cinza” no que diz respeito à sexualidade. As coisas são bem mais simples (ou preto ou branco – se alguém “escolhe” ou ser homem ou mulher, qual a razão de aqueles que desejam ser do sexo oposto ao seu sexo biológico necessitarem de tratamento hormonal?).
No entanto, o problema com o ‘bisfenol A’ escancara o distúrbio oriundo de interferirmos na natureza, nesse caso na natureza masculina. Quando isso ocorre enfrentamos diversos problemas, especialmente ligados à reprodução. E, lembremos que a questão central de um ponto de vista biológico, evolutivo, é: propagar os genes, especialmente aqueles que adaptam excelentemente as próximas gerações.
No entanto, seja por interferências ideológicas seja por causa do que consumimos, está em crescente e sério risco nossa “descendência com modificação” (“evolução”). Trata-se de um grave assunto biológico que deve ser discutido sem preconceitos emotivos e ideológicos.
Carlos Adriano Ferraz - (Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS).