Devo, não nego. Pago quando?

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O maior sonho do comerciante é vender cada vez mais e, na outra ponta, o do consumidor é satisfazer seus desejos de consumo. Triste é quando o vendedor não tem como receber o valor das vendas. Com a facilidade de crédito e pagamento em prestações a perder de vista, o risco do calote é uma situação desagradável e real. O que é pior, o brasileiro tem o habito (diga-se a temeridade) de não avaliar claramente o volume do seu endividamento, atentando apenas para o valor de cada parcela que a propaganda enganosa insiste em “caber no seu bolso”.

Tudo isso ocorreu devido à política de ampliação de crédito suicida

e estimulada pelo modo populista de governar dos últimos anos. Esse estímulo ao mercado consumidor interno criou uma falsa euforia na chamada “nova classe média”, com comerciantes esgotando seus estoques rapidamente, motivados pela farra consumista. Não sou pessimista; considero-me bem realista e entendia, naquela ocasião, ser possível antever os problemas que surgiriam  para o comercio, os pequenos e médios produtores e os consumidores.

Nestes tempos bicudos de hoje escancara-se uma outra realidade, vinda a galope, com alta dos juros e severas restrições ao crédito. Esta preocupação motivou a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo a realizar pesquisas para conhecer a atual situação do consumidor brasileiro. A pesquisa foi centrada no endividamento e na inadimplência deste consumidor e o resultado foi o mais trágico possível. 

Tomo a situação da nossa capital, Campo Grande, como exemplo com os seus números estarrecedores: mais de 153 mil famílias campo-grandenses estão endividadas. Destas, não conseguem pagar em dia suas dividas um número superior a 72.230 famílias. E, o mais grave, mais de 28.286 famílias não tem qualquer possibilidade de quitá-las. Como então explicar este endividamento realizado por pessoas com orçamento familiar capaz de suportar, com muito aperto, apenas os gastos básicos como aluguel, luz, água, alimentação, transporte, educação e quase mais nada. Mesmo assim, continuaram a comprar, a comprar... 

Creio que os sonhos de consumo, com a felicidade ao alcance das mãos, foram maiores que a sensatez que regula o “ter” e o “poder” pagar. Com a ficha suja no Serasa,

o cidadão endividado tem que rebolar para limpar seu nome. Uma divulgação de pesquisa recente nos grandes jornais registra um número assustador (veja bem, em termos de Brasil) de ligações de energia elétrica cortadas por falta de pagamento, cortes recentes que foram de 1 milhão para mais de 3 milhões. Uma informação bem recente publicada em todos os jornais dá conta do fechamento de 100 mil lojas de comércio varejista, no pais no último ano.

Isso leva a outro engodo da política econômica e das ações sociais do governo nos últimos anos, que ainda insiste em afirmar que governa para os mais pobres. A ascensão social de indivíduos e famílias classificados como de vulnerabilidade social e econômica criou a “nova classe média”, difícil de definir e avaliada tão somente pela sua capacidade de consumo induzido pela ampliação de crédito barato para a aquisição de eletrodomésticos (linha branca, básica e mais barata) e automóveis populares. O governo até incluiu nesses indicadores de crescimento e desenvolvimento socioeconômico a aquisição de casa própria popular, mediante o mesmo recurso de financiamento “para toda a vida”.

Afinal, o que é essa nova classe média? Na verdade, as classes sociais no Brasil, A, B, C, D e E, continuam no mesmo lugar. Basta observar nossa sociedade nos dias de hoje. Entendo esta situação como falta de transparência das estatísticas oficiais para alegar e festejar altos índices de aprovação de governantes e seus respectivos dividendos eleitorais. 

Entretanto, o choque de realidade já começou e sabe-se quem é que vai pagar o pato, ou melhor dizendo, as dívidas. Apesar das críticas ao governo e da choradeira dos setores mais privilegiados, como banqueiros (que em 15 anos aproximadamente lucraram “como nunca antes neste país”), empresários (acostumados a receber empréstimos e ganhar licitações como se fossem de “pai para filho”), multinacionais, etc., esta “classe A” continua como sempre esteve, no topo. Nem é necessário explicar mais alguma coisa.

Parodiando Euclides da Cunha, afirmo que o sul-mato-grossense é, acima de tudo, um forte e não perco as esperanças de ver meu estado crescer e desenvolver-se. Mas estou ciente das dificuldades que Mato Grosso do Sul enfrenta como uma região com população ainda diminuta, poucas industrias, infraestrutura e logística precárias e mais um somatório de problemas ambientais e  sociais (questão indígena, por exemplo) e, nesta conjuntura,  a situação climática provocada pelo fenômeno El Niño gerando secas prolongadas e chuvas torrenciais. O nosso MS como região produtora de commodities (matérias-primas, como soja e gado) deveria ser muito mais rico, porém as crises externas e equívocos da política atual empatam o seu desenvolvimento.   

O que é certo é que a corda rói sempre do lado mais fraco e ainda há um assustador índice de desemprego a aprofundar o desastre econômico e social que cresce a olhos vistos. As dívidas das famílias que abalam suas esperanças e que pendem sobre suas cabeças tornam mais tortuoso o caminho da redenção social deste Brasil varonil.

O futuro risonho para nós fica, assim, para mais tarde e mais distante. 

Valmir Batista Corrêa

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Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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