Luciferianismo e Marxismo: Duas faces de uma mesma moeda
14/05/2020 às 06:16 Ler na área do assinante“toda a existência é merecedora da destruição”. Goethe (“Fausto”)
“Quero me vingar d’Aquele que está no alto”. Karl Marx
“Nesta revolução, devemos despertar o demônio no povo a fim de estimular as suas paixões mais inferiores”. Bakunin
Independentemente de se acreditamos ou não em Deus ou em Lúcifer, o fato é que muitíssimas pessoas acreditam neles. E por essa razão elas criam instituições, desenvolvem rituais, práticas, teorias, etc.
Assim, de um lado temos aqueles que creem em um único Deus, sobretudo no Cristianismo, no Judaísmo e no Islamismo, as três mais importantes religiões monoteístas das quais se tem notícia, as quais são muito próximas em diversos aspectos centrais.
E, de outro lado, temos aqueles que adoram a representação do mal e da “rebeldia”: Lúcifer (usarei o termo genérico “Luciferianismo” para indicar a ideologia que subjaz à adoração dos princípios expressos na figura de Lúcifer, especialmente seu ódio a Deus e sua postura como “adversário” Dele e de tudo aquilo que Ele representa).
De qualquer maneira, especialmente no ocidente, quando falamos em Deus, pensamos imediatamente no Deus da tradição cristã.
Nesse sentido, esse será o Deus combatido violentamente pelos adoradores de seu “opositor”, os quais visam causar o colapso de tudo aquilo que tenha qualquer relação com a tradição cristã, um dos pilares, aliás, da civilização ocidental.
Tão importante é essa tradição que mesmo ateus, quando não contaminados pela malignidade, a defendem, como ocorre com Bruce Sheiman, especialmente em seu livro “An Atheist Defends Religion” (2009), no qual ele argumenta em defesa da religião cristã. Independentemente de se Deus existe (algo em que Sheiman não acredita – ele é “um ateu defendendo a religião”), é possível reconhecer sua importância (cultural e civilizatória) fundamental. A tese central de Sheiman é que a religião é incomensuravelmente benéfica para a humanidade. Em seus termos, a “religião fornece uma combinação de benefícios psicológicos, emocionais, morais, comunitários, existenciais e, mesmo, de saúde física, que nenhuma outra instituição pode reproduzir”.
Tratei desse ponto aqui no JCO em outro texto:
No entanto, há também o “outro lado”, o lado daqueles que se opõem a todos os benefícios referidos por Sheiman.
Por essa razão acredito que no ocidente enfrentamos, hoje, não apenas uma guerra cultural, mas, acima de tudo, uma “guerra espiritual”, uma guerra na qual combatem duas forças: a força divina (encetada por cristãos) e a força diabólica (liderada por adoradores de Lúcifer).
Mas, enfatizo: isso não é uma “prova concreta” de que Deus e Lúcifer existam, mas, sim, de que existem agentes que, crendo em ambos, assumem uma guerra em defesa daquilo que essas ideias representam. Há, pois, o Cristianismo e o Luciferianismo.
De um lado temos a defesa de um dos pilares da civilização ocidental (cristianismo); de outro, a luta pela ruína desse pilar.
Com efeito, a tradição cristã estabeleceu instituições que promoveram um mundo mais humano, focado especialmente na ideia de “dignidade da pessoa humana”, a qual (pessoa humana), criada à imagem de Deus, possuiria, dessa maneira, um valor intrínseco absoluto.
Por essa razão, a tradição cristã se opõe ao aborto, à pena de morte, à eutanásia, à escravidão, à promiscuidade, etc.
É inerente à tradição cristã a proteção da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, do ponto de vista cristão não haveria pessoas que, enquanto pessoas, seriam “mais pessoas” do que outras.
Alguns são mais ricos, alguns são feios, outros belos, altos, baixos .... há diferenças que nos particularizam. Mas, do ponto de vista de nossa humanidade, somos todos iguais.
Essa é uma ideia que herdamos do Cristianismo, a qual se consolidou secularmente no conhecido princípio segundo o qual “somos todos iguais perante a lei”.
Além disso, o Cristianismo assoalhou o caminho para o Liberalismo. Ambos têm muito em comum (embora não haja identidade entre eles).
Um dos elementos em comum diz respeito a um ponto central do Liberalismo, a saber, a ideia de “livre comércio”.
Essa ideia teve como predecessora a já referida ideia de que somos “iguais” enquanto pessoas. Dessa concepção adveio a ideia inovadora acerca de uma “irmandade de homens” (de que todos somos “filhos de Deus” [“... e todos vós sóis irmãos”], independentemente de elementos étnicos, raciais, etc.
Essa noção se mostraria posteriormente essencial à ideia mesma de “livre comércio”. Dessa maneira, os pensadores liberais tomaram do Cristianismo a ideia consoante a qual todo ser humano possui direitos inalienáveis em sua própria pessoa, como o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade.
Assim, as pessoas são moralmente iguais. Elas possuem o mesmo status moral. Isso significa que elas não podem, por exemplo, ser escravizadas, prostituídas, ou seja, reificadas. Elas devem sempre ser consideradas também fins em si mesmas, e nunca somente meios para outros fins.
Em tal condição, elas podem pensar por si mesmas sem coação. Assim, tanto para o Cristianismo quanto para o Liberalismo há uma ‘igualdade moral’ entre os indivíduos.
Aqui temos a ideia de uma sociedade liberal, uma ideia desposada por Adam Smith e assimilada por autores como Hayek e Mises.
O Cristianismo assentou, portanto, uma ideia valiosa para o Liberalismo, a ideia segundo a qual nascemos iguais, com direitos iguais, proprietários de nós mesmos e do fruto de nosso labor, livres para negociar nossa propriedade, o resultado de nossos esforços.
O Luciferianismo, por sua vez, seria uma antítese de tudo o que vimos acima. Ele representaria uma força opositora tanto ao Cristianismo quanto ao Liberalismo.
Embora muito mais antigo, ele pode ser identificado claramente na modernidade, atuando de tal maneira que hoje percebemos manifestamente sua nefasta influência.
Um dos primeiros eventos que claramente o evidenciam na modernidade é o Iluminismo. Como disse a historiadora britânica Nesta Webster, “o culto a Satã floresceu na Bavária junto com o Iluminismo”.
E, cabe lembrar, uma das grandes influências sobre o Iluminismo foi Rousseau, o qual assentou as bases para o futuro socialismo, especialmente com sua crítica à sociedade e à propriedade privada.
Não apenas isso, ele sustentou o ideal pagão de um retorno às origens, ao resgate de uma suposta “bondade originária” na natureza humana (algo hoje refutado pela antropologia evolutiva: nunca existiu o “bom selvagem” descrito por Rousseau).
Mas com o Iluminismo testemunhamos uma grande mudança de paradigma. Ocorreu uma revolta contra a religião, especificamente contra o Catolicismo romano.
Autores responsáveis pela ‘Enciclopédia’, como Voltaire e Diderot, se tornaram, a exemplo de Lúcifer, “adversários” do Cristianismo em geral e do Catolicismo em particular. Ignorando a contribuição da Igreja Católica para o desenvolvimento da civilização ocidental (algo hoje demonstrado de forma incontestável por historiadores como Christopher Dawson e Thomas Woods) e, mesmo, da Ciência, os mais influentes intelectuais iluministas deram inicio ao fim da Ciência e iniciaram o que hoje poder-se-ia denominar de cientificismo ou, mesmo, como mais recentemente, cientocracia. Ou seja, passaram a adotar uma visão dogmática do conhecimento, considerando tudo o que não lhes fosse conveniente “superstição”. Mas não nos enganemos, pois seu pensamento não era tão incompatível com perspectivas metafísicas.
Por exemplo, profundamente influenciado por Rousseau o bávaro Adam Weishaupt fundou, no seio do Iluminismo (e em harmonia com ele), a ‘Illuminatenorden’, a qual tinha um propósito muito alinhado com a filosofia de Rousseau (e do Iluminismo em geral).
Para Weishaupt a civilização seria um erro. Caberia reformulá-la. Não apenas ela, mas mesmo o humano precisaria ser, digamos, “refeito”.
Na verdade, desde esse momento temos uma tentativa moderna para a instituição de um governo global de aspecto “socialista” (uma tirania global).
Assim, em Adam Weishaupt já encontramos a ideia da criação de uma nova ordem mundial, bem como a defesa da abolição dos governos nacionais, da herança, da propriedade privada, da soberania nacional, do patriotismo, da vida familiar e das religiões, especialmente do cristianismo (uma vez que esse é um obstáculo à instituição da nova ordem mundial).
Desse ponto de vista há muitas similaridades entre o projeto de Weishaupt e aquele intento descrito posteriormente no panfleto “Manifesto Comunista” (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels.
Além disso, neles também encontramos outras ideias atualmente correntes, tais quais as da criação de um banco central, centralização das comunicações e do transporte, controle sobre a indústria (estatização), etc.
Aliás, uma vez que mencionei Karl Marx, é interessante citar aqui a obra “Marx and Satan”, do Pastor luterano Richard Wurmbrand, o qual foi prisioneiro do regime comunista da Romênia por 14 anos. Muitos creem que Marx era um ateu materialista, descrente de tudo que pudesse ter relação com aspectos, digamos, “espirituais”. No entanto, talvez ele não fosse tão materialista assim. Por exemplo, é conhecida sua afirmação “anseio vingar-me daquele que dita as regras do alto” (Deus).
Não apenas isso, em um poema (“Conjuração de alguém caindo em desespero”), ele nos diz que “estabelecerei o meu trono acima”, o que se assemelha à frase de Lúcifer no texto bíblico, em que ele diz “hei de subir até o céu e meu trono colocar bem acima das estrelas” (Isaías 14:13).
Também importante para as considerações que faço aqui é o texto “Oulanem”, escrito por Marx em seus anos de estudante. Inicialmente, “Oulanem” é um anagrama de Emanuel, que em hebraico significa “Deus conosco”.
Um dos aspectos centrais do Luciferianismo é a inversão: em suas práticas há sempre uma inversão dos símbolos cristãos (pois eles, os luciferianos, visam o efeito contrário).
Há muitos elementos típicos de magia negra em “Oulanem”, como um ritual sendo realizado à meia noite, no qual há uma Bíblia sendo queimada, participantes jurando cometer todos os sete pecados capitais, bem como praticando (não poderia faltar) uma orgia.
Poderia aqui ser citada também sua poesia “As orações”, na qual ele recita que “vapores infernais sobem e preenchem o meu cérebro, até eu enlouquecer e o meu coração se transformar dramaticamente. Vê esta espada? Foi o Rei da escuridão quem me vendeu”.
Além disso, na correspondência entre Marx e seu pai encontramos muitos elementos interessantes. Por exemplo, lemos que “a máscara caiu, o meu Santo dos Santos se esvaziou e houve necessidade de colocar novos deuses ali” (10 de novembro de 1837).
Ao responder (10 de fevereiro de 1838) seu pai comentou que “não exigi qualquer explicação sobre tal coisa misteriosa, embora pareça controverso”.
Seu pai se referia a algum evento “misterioso” e “controverso” que causou uma “conversão” em Marx, o qual abandonou sua inspiração cristã e adotou “novos deuses”.
Posteriormente Marx parece escrever algo relacionado com esse evento: “Perdi o céu,
e o sei com certeza. Minha alma, outrora bela a Deus,
está agora destinada ao inferno”.
Assim, a biografia de um indivíduo pode ser muito reveladora.
Além das incursões no Luciferianismo, Marx também teria sido responsável (segundo seu biógrafo Arnold Kunzli) pelo suicídio de suas duas filhas que sobreviveram até a vida adulta.
Outro ponto que seria interessante explorar, também esclarecido por Kunzli, é seu antissemitismo, seu racismo, o que nos revela que não havia ‘humanismo’ algum em Karl Marx. Além disso, a exemplo de outros indivíduos perturbados, ele morreu em desespero, como indica uma carta (25 de março de 1883) escrita para Engels, na qual lemos: “quão sem sentido e vazia é a vida, no entanto, quão desejada”.
Com efeito, apesar de o marxismo revelar um profundo ódio pela humanidade, ele teve uma influência terrível na história. Seu legado nefasto ainda está presente. E ele foi eficiente graças ao apoio de outras correntes Luciferianas.
Nesse sentido, se engana aquele que pensa que megacapitalistas são, necessariamente, inimigos do socialismo.
Em um cartoon publicado no importantíssimo jornal ‘St. Louis Post-Dispatch’ (fundado em 1878 por Joseph Pulitzer), datado de 1911, temos Karl Marx cercado por entusiastas milionários de Wall Street, como J.P. Morgan, John Rockefeller, Andrew Carnegie, Franklin Delano Roosevelt (à época líder do partido Democrata), e outros magnatas.
Todos, de alguma forma, subsidiaram a revolução bolchevique (1917), a qual derrubou a monarquia russa e colocou Lênin no poder.
Isso está amplamente documentado em obras como “The Creature from Jekyll Island” (1994), de G. Edward Griffin, e “Wall Street and the Bolshevik Revolution” (2001), de Antony C. Sutton. Essas obras nos mostram, de forma incontestável, que magnatas supostamente “capitalistas” subsidiaram movimentos como a revolução bolchevique, responsável por milhões de mortes.
E aqui entra meu ponto (que pretendo explorar em um próximo texto): Karl Marx estava em harmonia com outros indivíduos cujos (anti) valores se alinhavam com os dele.
Assim, o comunismo foi um experimento inicial para que fosse criada uma nova ordem mundial, um experimento que se estende até os dias de hoje, o qual visa à criação de uma distopia socialista da qual serão expurgados irreversivelmente Deus e liberdade individual. Luciferianismo e Marxismo são, pois, duas faces de uma mesma moeda.
Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS.