Mundo: Laboratório para o macabro experimento socialista chinês
02/05/2020 às 10:58 Ler na área do assinanteEstá em fase de implementação integral na China o sistema de “crédito social”. Embora esteja sendo colocado em prática desde 2014, a ideia é integralizar o sistema ainda em 2020.
Mas que significa esse sistema?
O sistema de “crédito social” pretende estabelecer avaliações dos cidadãos. Assim, indivíduos com pontuação baixa são punidos, enquanto aqueles com boas pontuações são recompensados. O sistema se assemelha a um Big Brother de proporções gigantescas, que permitirá ao governo chinês ter controle quase total de sua população.
Esse controle ocorrerá principalmente em virtude do monitoramento das redes sociais dos indivíduos e pelo reconhecimento facial obtido das milhões de câmeras instaladas por toda a China, as quais permitem um impressionante, e perturbador, reconhecimento facial dos indivíduos que circulam pelas cidades do país (pelo momento apenas por lugares públicos).
Os sistemas de reconhecimento facial (desenvolvidos e administrados especialmente pela empresa Hanwang Technology) mantêm os cidadãos continuamente vigiados.
Curiosamente, como se soubesse do que estava porvir, a Hanwang inclusive havia aperfeiçoado o sistema para que o reconhecimento facial pudesse ocorrer mesmo com o uso das máscaras que visam impedir a propagação do coronavírus.
Nesse momento ela avançou ainda mais nesse projeto (mantendo um percentual de sucesso de 95% - ele era de 50% quando envolvia uso de máscara).
Com efeito, o governo chinês sequer esconde seu propósito: ele pretende “recompensar os confiáveis e disciplinar os indignos de confiança”.
Mas quem são, por exemplo, os “indignos de confiança”?
Aqui temos principalmente aqueles que protestam contra a autoridade do partido comunista chinês e de seu líder vitalício, Xi Jinping.
Todo aquele que manifesta posturas contrárias ao governo (ao partido) é considerado “indigno de confiança”. Estando nessa categoria ele não pode matricular os filhos em uma boa escola, não pode viajar, não tem acesso a certos serviços sociais, não é elegível para cargo público e deverá sofrer retaliação pública (sendo inclusive exposto nas redes sociais e em redes de televisão como “indigno”), etc.
Em suma, o sujeito considerado “indigno” se tornará um pária. Aliás, mesmo aquele que mantiver contato com um “indigno”, um pária, também receberá pontos negativos.
Ou seja, aquele que se solidarizar com um “indigno” se tornará muito provavelmente outro “indigno”.
Para que se tenha uma ideia da “eficiência” desse sistema, o qual até o momento só funciona em algumas localidades da China, 23 milhões de chineses já foram impedidos de viajar nos últimos anos. Por serem “indignos”, não podem comprar nem passagens aéreas nem passagens de trem.
Ou seja, estão fadados ao isolamento. Sem falar nas demais punições aplicadas implacavelmente a “indignos”.
Parece algo surreal, retirado de algum episódio da série distópica ‘Black Mirror’. Mas não é mera ficção: é a distopia em que a população chinesa vive.
O que para nós costumava ser distopia científica é a realidade para quase um bilhão e meio de indivíduos.
Mundos como os descritos por George Orwell (“1984”) e Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”) estão se materializando na China. Mas não apenas na China.
Atualmente mesmo no Brasil testemunhamos a gradual materialização desses mundos sinistros.
Dessa maneira, mais aterrador do que a realidade chinesa é percebermos que democracias ocidentais, como a nossa, se curvam perante um sistema que escraviza sua população.
Aliás, desde o século XX, com a ascensão do comunismo na China, sua população passou a ser subjugada barbaramente pelo partido comunista chinês.
Fundado em 1921, ele comanda brutalmente a China desde 1949.
Um de seus líderes mais conhecidos foi Mao Tsé Tung, responsável, dentre outras atrocidades, pelo “holodomor” chinês, um projeto de políticas públicas nomeado de “o grande salto adiante”, que entre 1958 e 1962 causou a morte de ao menos 45 milhões de pessoas. Todas morreram de fome.
Hoje há estudos relatando o ocorrido, também chamado (mais apropriadamente) de “a grande fome de Mao”. Além de todo o sofrimento, são vários os relatos de canibalismo nesse período.
Portanto, a população chinesa está tragicamente habituada ao sofrimento e à subjugação. Para as atuais gerações da China, princípios como aqueles concernentes à liberdade são provavelmente desconhecidos.
Os poucos que têm contato com que é viver em uma democracia migram clandestinamente. Ou seja: fogem (assim como o desejam fazer todos aqueles que vivem em regimes socialistas).
Dessa forma, parece-me difícil que na China surjam vozes que se oponham ao regime comunista.
Afinal, ou o indivíduo se torna um “indigno” ou ele simplesmente “desaparece”.
E a China não faz distinção de classe quando se trata de violar liberdades. Mesmo o bilionário Ren Zhiqiang, que havia supostamente “desaparecido”, agora, sabe-se, está preso. Qual seu crime? Criticou a maneira como o líder supremo vitalício da China, Xi Jinping, estava lidando com a pandemia do coronavírus.
A história também nos oferece um exemplo do que ocorre na China em caso de manifestações públicas.
Em 1989 tivemos o massacre da praça da paz celestial. O assunto é tabu na China (e pouco se fala dele no ocidente, sobretudo agora que o ocidente tem se curvado perante o regime chinês). Mas milhares (estimativas variam) de chineses (especialmente estudantes) foram, naquela ocasião, brutalmente mortos pelo governo chinês por pedirem mais abertura política, liberdade e menos corrupção. Foram atropelados por tanques, atingidos por armas .....
Nós, que vivemos em democracias com algum grau de liberdade, por outro lado, não estamos acostumados com um governo que viola de forma tão escancarada liberdades individuais. Mas a questão é: não será possível que a China esteja espraiando seu modelo de violações das liberdades individuais para o ocidente?
Nos últimos meses, dado o pânico em torno do COVID-19, do “vírus chinês”, estamos começando a ter uma amostra do que é viver em um país socialista.
Estamos tendo nossas liberdades individuais violadas arbitrariamente (liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, liberdade econômica, etc), estamos sendo monitorados em nossos estados (as principais operadoras de telefonia móvel estão disponibilizando sua infraestrutura para que as autoridades públicas saibam onde estamos nos aglomerando) e estamos diante de um crescimento exponencial da miséria em virtude do isolamento social que nos foi imposto, o qual causou o estancamento da atividade econômica e, consequentemente, da geração de riqueza (a Organização Mundial do Trabalho - OMT – estima que em breve teremos, no Brasil, 25 milhões de desempregados).
Por certo nossos governos ainda não estão aparelhados com a tecnologia que hoje a China possui para controlar seus cidadãos. Mas não estaremos adentrando o “admirável mundo novo” chinês? Sob o pretexto de “cuidar da saúde” não estamos aceitando que nos subjuguem?
Toda a ‘histeria em massa’ em torno dessa pandemia não será uma maneira de nos tornar suscetíveis a um Big Brother? Os acontecimentos dos últimos meses são, no mínimo, preocupantes.
Nesse momento estamos vendo com certa “naturalidade” pessoas serem presas por estarem caminhando em locais públicos, sendo impedidas de assegurarem seu sustento mediante o trabalho, perdendo sua propriedade privada para que à mesma seja dado um “fim social” (por enquanto no Piauí), sendo obrigadas (até o momento em algumas cidades) a usarem máscaras mesmo em locais abertos, tendo sua liberdade religiosa violada (impedidas, em alguns lugares, mesmo de se reunirem em casa para rezar), bem como sendo impedidas de usarem sua liberdade de expressão – sob o risco de serem acusadas, por exemplo, de racismo caso teçam comentários críticos mesmo à ... China! Isso mesmo.
Até nosso Ministro da Educação está sendo cerceado judicialmente por sugerir que a China poderá se beneficiar da crise causada pelo COVID-19. Pesa sobre ele a acusação de “racismo”.
Mas o fato é que direitos fundamentais, ainda assegurados ao menos no texto da Constituição, estão sendo simplesmente ignorados por prefeitos, governadores e juízes.
Decisões que violam esses direitos nos estão sendo despoticamente impostas.
Ao nosso lado temos, até esse ponto, o governo federal, o qual também está tendo suas prerrogativas violadas em virtude de uma indevida interferência dos demais poderes, sobretudo do judiciário, sobre o executivo.
Temos, nesse momento, então, uma violação de direitos individuais, de liberdades asseguradas constitucionalmente, bem como da clássica separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), de tal forma que distopias como as já citadas, parte da imaginação de escritores talentosos, estão saindo da imaginação e se tornando realidade.
Penso que estamos, sim, começando a viver em um “admirável mundo novo”, um mundo sem liberdade no qual as pessoas vivem miseravelmente sob a constante vigilância de uma autoridade tirânica.
Ao menos nesse momento essa é a nossa realidade.
Assim, creio que o mais letal “vírus chinês” talvez não seja o COVID-19, mas aquele oriundo do “Pensamento de Xi Jimping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era”, do qual destaco o 13º princípio (são 14), a saber:
“Estabelecer um destino comum entre o povo chinês e outros povos do mundo com um ‘ambiente internacional pacífico’".
Estamos, nesse momento, pois, começando a viver nesse “ambiente internacional pacífico”. E por “pacífico”, aqui, entenda-se a submissão irrestrita ao "socialismo ao estilo chinês". “Pacífico” é apenas uma maneira enganadora, ardilosa, de se referir à “submissão”.
Dessa forma, parece-me que já estamos tendo uma amostra do que é ter um “destino comum” com o povo chinês.
A questão que resta é: até que ponto nosso destino será comum? Quanto falta para sermos categorizados ou de “confiáveis” ou de “indignos de confiança”? Quanto falta para a total submissão e negação de nossa individualidade e dignidade?
Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS.