Muitos livros foram escritos sobre o Judas, que traiu Cristo.
Esse personagem tão complexo não pode simplesmente ser acusado de “traidor”. Existem muitos tipos de “traição’’.
Alguns acusados desse crime poderiam até sentar na cadeira do doutor Freud por 10 anos, que nem o psicanalista nem o analisado chegariam a qualquer conclusão. Assim é a mente humana. A “culpa”, no fundo e no raso, não existe.
No mundo do inconsciente se acumulam fatos aleatórios, que acabam gerando a imagem de um assassino ou um santo. Os dois tocados pela mesma ânsia de se fazer compreender, se afirmar. Enfim, estou aqui chutando.
Mas o que eu queria mesmo aqui, é compreender o ex-ministro Moro, ainda que só uma lasca do seu pensamento.
Preciso avisar, logo de cara, que eu admirava o Moro, antes de seu pedido de demissão do Governo Bolsonaro.
Seu currículo, na época da Lava Jato é ótimo, ‘otimíssimo’.
Bati palmas, virei tiete do seu show de personalidade profissional.
Depois, sua imagem foi desmilinguindo. Seu queixo quadrado de super-homem foi afilando com o tempo, talvez pela necessidade de se enfiar em múltiplas negociações nas salas dos políticos palacianos. O Moro mudou, aos poucos.
Percebia-se um desencaixe que ia se instalando entre o Bolsonaro presidente e o Moro ministro.
As fotos mostravam um mise-en- scène forçado entre os dois. Ische! pensei, vai dar merda.
Os motivos, não interessa analisar agora, quando um casamento acaba, até esquecer a toalha molhada em cima da cama é motivo para suspiros resignados e gestos bruscos. Bem, a relação entre os dois azedou. Na hora errada e sem aviso prévio.
Quem errou mais?
Pra mim o Moro. Não se tratava de um bar demitindo um garçom. Mas sim um garçom se demitindo subitamente e indo direto para a mídia a fim de explicar seus motivos. O patrão sendo duramente acusado, como que obedecendo a uma estratégia dele com os inimigos do governo.
Pegou mal. No meio de uma pandemia, diagnósticos da doença assustando todo o Brasil. E uma oposição implacável tirando proveito da repercussão das desgraças
da doença, pegando o governo ainda abalado com a saída do Ministro da Saúde.
Se tivesse realmente provas cabais contra o Bolsonaro, deveria tê-las apresentado na coletiva em que se demitiu e não na TV para contraditar suas razões com prints no telefone celular, suando e desviando o olhar das câmeras.
Cada um pensa de um jeito.
Eu dou razão ao Bolsonaro.
Tanto pessoalmente, do ângulo do brasileiro comum, quanto institucionalmente, como presidente o Bolsonaro insistiu em ser direto e franco.
O Brasil não merecia a traição do Moro.
Enio Mainardi. Jornalista
Publicado originalmente em A Reunião