Nos dias atuais, o confronto entre o Congresso Nacional e a presidência da República tem levado alguns setores e o próprio povo a exigir do governo uma medida capaz de impedir a anarquia que se vislumbra em decorrência da falta de entendimento sobre como solucionar os problemas trazidos pelo COVID-19.
Por enquanto, o poder mais contestante é o Legislativo, mas o Judiciário, embora em menor escala, também decide contra o governo, principalmente em relação às medidas tomadas por este para recompor uma economia que tem tudo para ser um desastre.
Para que possamos sair dessa crise, os poderes da República, incumbidos da realização dos objetivos de um estado democrático de direito, deviam atuar harmonicamente, sem acusações diárias de uns contra os outros.
Diante de uma crise que pode colocar em risco nossa própria democracia, os poderes têm atuado uns contra os outros, fragilizando sua própria estrutura e colocando em perigo nossa frágil democracia.
De fato, a crise funcional do Estado vem sendo demonstrada pelas manifestações abertas e explícitas de um poder contra o outro e de todos entre si, principalmente quanto às deliberações do Executivo em matéria de sua competência. Essa interferência impede o bom funcionamento da administração pública, criando uma anarquia capaz de inviabilizá-la.
Daí a constante menção de um ato tipo AI-5 para acabar com a crise.
Para os que não se lembram, na noite de 13 de dezembro de 1968, em rede nacional de rádio e televisão, o então ministro da Justiça, Gama e Silva, divulgava à nação os termos do AI-5 e do Ato Complementar nº 38, este decretando o recesso do Congresso.
Com o recesso do Congresso, o presidente da República foi autorizado a legislar sobre todas as matérias previstas na Constituição Federal, nas constituições estaduais e nas leis orgânicas dos municípios.
Além disso, podia decretar a intervenção nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição Federal, bem como cassar mandatos e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos.
Também ficaram suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade.
Na verdade, as causas que radicalizaram o regime foram muitas. O caso Moreira Alves foi apenas o estopim.
O Ato foi uma resposta ao clima de agitação social que assolou o país naquele ano. A participação do empresariado nacional na medida ajudou o regime a se manter por mais alguns anos.
O clima atual nos lembra aquele. Os poderes não foram configurados para medir forças. Cada um deve cumprir com sua função, sob pena de se abrir um espaço para uma manifestação contrária à situação por que passa o país com a crise do coronavírus e contra a guerra entre os poderes.
Os poderes não podem, nem devem se digladiarem entre si; tampouco foram configurados em sua concepção originária para medir forças.
Cada um deve cumprir com sua função, e quando assim não o fazem, ocorre o desequilíbrio, a distorção e uma abertura de espaço para as críticas e interferências muitas vezes inevitáveis, comprometendo a manutenção da própria democracia.
Os políticos de hoje não sabem fazer política. Fazer política pressupõe a existência do debate, da discordância, da crítica e da reflexão sobre o bem comum.
Daí a constante menção do AI-5 como uma forma de salvar a pátria da anarquia em que estamos vivendo.
Se ele vier, muitos terão saudades do coronavírus.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário