A disputa pelos espaços na cidade e o cenário das eleições paulistanas

12/01/2016 às 08:29 Ler na área do assinante

As cidades são ocupadas desigualmente pelas classes sociais. A riqueza ocupa pequenas áreas, dentro da cidade e as transformam em ambientes construídos, com as suas edificações, seja para fins residenciais como comerciais, e atrai a classe média (moderna ou "evoluida") que busca as áreas do entorno dessas áreas, mediante a verticalização. Por vários meios de poder faz com que o Estado supra essas áreas de infraestrutura e serviços públicos.

A classe média tradicional ocupa áreas periféricas, quando da sua ocupação, mas que se tornam intermediárias com a expansão da cidade e criação de novas e imensas periferias, distantes do centro principal. São regiões para onde são "empurrados" os mais pobres, que não tem condições de concorrer com a classes mais altas na ocupação dos espaços adequados na áreas mais centrais. Quando o conseguem são em frestas inadequadas que não interessam ao mercado imobiliário. 

Ou quando invadem áreas com valor imobiliário, acabam sendo removidos pelas reintegrações de posse.

Nessas áreas periféricas se instala a maior parte da população, a maior parte dos eleitores. Eles decidem as eleições, em função da quantidade,  e tendem a ser "seduzidos" pelas promessas dos políticos populistas que prometem melhoria imediata da sua condição de vida.

A riqueza e a classe média, não disputam esses espaços, tampouco os serviços públicos, mas sempre se apropriam de maior volume dos recursos públicos para aplicação nas áreas onde se instalaram. Deixando menos recursos para atender à maioria da população (vale dizer dos eleitores).

A disputa territorial só ocorre quando essas áreas periféricas passam a ser servidas por infraestrutura transformadora. São linhas metroviárias, implantação de grande equipamento público ou privado e amplas reurbanizações.

Nesse caso a melhoria produz a chamada "gentrificação", ou seja, a expulsão dos antigos moradores que não conseguem se manter na área com a elevação dos custos de vida: provocada pela valorização imobiliária e elevação dos níveis de consumo.

Já nas áreas melhor servidas por infraestrutura e serviços públicos há uma disputa maior pelo "habitat".  

Há três visões políticas (ou ideológicas) básicas sobre essa partição da cidade e as disputas.

Uma primeira, que chamaria de esquerda ortodoxa, defende uma ação pública predominantemente nessas regiões mais pobres, buscando prover de serviços públicos e de infraestrutura não transformadora. Por que essa, conforme indicado acima, provocaria a gentrificação. A reivindicação é ampliar a destinação dos recursos públicos para essas áreas, mesmo em detrimento das aplicações nas área dos mais ricos. Opõe-se a grandes obras públicas nessas áreas e de medidas que favoreçam a valorização imobiliária, estigmatizada como especulação imobiliária. Para eles o maior inimigo da cidade seria o mercado imobiliário que, segundo eles, desfigura a cidade e incentiva o crescimento desordenado.

O direito à cidade é entendido como levar a infraestrutura, os serviços públicos, assim como os empregos para essas áreas desprovidas. E onde moram os que mais precisam. A visão é paternalista.

A segunda seria de uma esquerda "burguesa" que centra o foco da ação pública nas áreas melhor servidas buscando garantir nessas a inclusão das classes de menor renda. Busca a contenção da valorização ("especulação") imobiliária, e tenta - através de medidas regulatórias e outras - assegurar a presença da população de menor renda, nessas áreas melhor servidas. Tem como lema o direito à cidade, subentendida como a cidade provida de infraestrutura.

Dois são os instrumentos urbanos criados para esse objetivo: as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) e a obrigatoriedade de dar função social aos imóveis. 

A terceira posição é que busca atender prioritariamente as áreas melhor servidas, melhorando-as em função das demandas da população local, desconsiderando os objetivos de acesso universal a essas áreas. Para atender aos objetivos político-eleitorais buscam dar uma atenção mínima. Argumentam que essas áreas mais ricas é a que mais contribui com os tributos e, portanto, teriam direito a receber a contrapartida em infraestrutura e serviços públicos. Ademais essas obras, tanto públicas como privadas, modernizam a cidade e geram muitos empregos.

É dentro dessa divisão que se situam as disputas políticas. 

No município de São Paulo, a Prefeitura passou pelas diversas posições.

Luiza Erundina representou a visão esquerdista mais ortodoxa e autêntica. Procurou levar - preferencialmente - a infraestrutura e os serviços públicos para a Periferia. Só conseguiu parcialmente, com a oposição do PT. Marta Teresa levou mais investimentos para as periferias, principalmente através dos CEUS. A imagem era levar o padrão de classe média para as periferias. Mas, diferentemente, de Erundina que tinha uma visão autêntica, a proposta de Marta tinha características populistas, visando a reeleição que não ocorreu. 

Marta tenta a volta à Prefeitura enfatizando a sua atuação nas periferias, o que é favorecida pelo abandono do atual Prefeito, ainda que do PT, dessas áreas.

O foco dele é levar a pobreza para o centro, ou para as áreas melhor servidas, buscando garantir o direito de todos à cidade. A essa parte da cidade, com infraestrutura. Toma partido dela na disputa pelos espaços com a riqueza. Para ele representada pelos usuários de carro particular, do "famigerado" automóvel. As ciclo faixas,  as faixas reservadas para ônibus são medidas precárias, de baixo custo, para antecipar a implantação dessa visão. Ampliou as ZEIS, no Plano Diretor, esta implantando as medidas de exigência da função social da propriedade urbana, estabeleceu restrições para os estacionamentos e proibiu o trânsito de carros na Av. Paulista, para entregá-la ao povo. 

Esse povo, que não são os mais pobres, mas predominantemente a classe média moderna, irá votar nele, satisfeita que está com a sua gestão. Mas mesmo nessa área ele enfrenta uma grande oposição. Principalmente da classe média mais tradicional e dos mais ricos.

Contando apenas com esse segmento da classe média, e tendo deixado de lado o seu principal eleitorado que o elegeu em 2012, não terá condições de se reeleger. 

Pode contar com uma eventual expansão dessa classe média moderna e também de parte da classe média emergente que conseguiu espaço nessa sua cidade. Mas não consegue a adesão dos conservadores, insatisfeitos com essa sua visão democrática da cidade dos que tem.  

O PT quer que ele reconquiste o eleitorado da periferia, com ações voltadas a ele, mas além da sua resistência pessoal, esse já foi tomado pelos adversários.  Não se trata apenas de reverter uma eventual insatisfação por uma satisfação. Corações e mentes desse eleitorado já foi ou  está sendo tomado pelos adversários e será difícil retomar. 

Jorge Hori

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