Década estagnada, perdida ou esquecida, que importa se ela (a que estamos vivendo) será apenas mais uma da longa história de descalabros nesta sofrida Pindorama. Pero Vaz de Caminha se equivocou quando descreveu a Terra de Santa Cruz como um perpétuo paraíso habitado por seres cordiais. Ele, assim como o deputado Tiririca, desconhecia a capacidade destruidora de seu povo (principalmente de suas elites). Assim, em pouco tempo as matas se transformariam em desertos e os caudalosos rios em depósito de lama e de lixo.
O Brasil é um país do improviso, do jeitinho onde tudo dá certo porque “Deus é brasileiro". A terra é rica, mas a população é pobre, diria alguém, porque seu povo tem a vocação de riqueza, mas não a de trabalho. O brasileiro sempre espera que algo mágico caia do céu para equacionar os problemas materiais e metafísicos que os atormentam; todos querem subornar a Divindade em troca de indulgências, trapaceiam no dia a dia e aceitam as quirelas ofertadas pelos salvadores da pátria. Os políticos dizem uma coisa, insinuam outra nas entrelinhas e terminam fazendo uma terceira, completamente diferente. Esse é o exemplo transmitido de geração à geração.
Dessa forma tornam-se vítimas dos pregadores espertalhões que se tornam missionários e profetas de novas igrejas, de novos cultos e novas verdades; bem como são presas fáceis de políticos inescrupulosos que criam siglas e mais siglas partidárias (sem nenhum conteúdo ideológico ou programático) para se perpetuarem no poder. Tudo pago pelo dízimo dos incautos que acreditam nos milagres dos novos messias e pelos impostos dos inconsequentes contribuintes. O gordo Fundo Partidário
sustentado pelos cofres públicos é insuficiente, por isso aparece a generosa contribuição de empresários beneficiados por empreendimentos públicos.
De 1910 a 1920 foi uma década perdida para os ex-escravos e imigrantes europeus. Desemprego, greves, repressão policial e desesperança foram as características marcantes. O anarco-comunismo, inspirado pela revolução russa de 1917 e pelos movimentos europeus, foi a bandeira dos trabalhadores.
A década de 20, marcada pela semana de arte moderna e pelas revoltas tenentistas, terminou com a deposição de Washington Luiz, presidente da República, e com o fim da “República Velha”, mas não com a “Primeira República”. Destaque para a Coluna Prestes que sacudiu o país com suas românticas bravatas inconclusas, mas sangrentas. Na prática nada mudou, apenas transferiu o comando de algumas oligarquias tradicionais, remanescentes do final do império, para outras mais recentes. O descontentamento e as lutas continuaram.
A década de 30 melhorou as condições do proletariado, mas as aristocracias permaneceram se desentendendo: Revolução Constitucionalista, Intentona Comunista, Movimento Integralista, golpe e contragolpe de estado, intrigas, repressão, tortura, crises econômicas, legislação trabalhista. Culminou com a instalação de uma ditadura e forte repressão policial-militar. Não foi um retrocesso político porque as condições anteriores não eram melhores do que as vigentes.
A década de 40 foi plena de contradições. Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Góes Monteiro, Juarez Távora, Eduardo Gomes e demais lideranças militares eram favoráveis ao fascismo, mas o Brasil declarou guerra à Alemanha e lutou ao lado da Inglaterra, da França e dos EUA. Ao término da guerra o povo gritava “Nós queremos Getúlio”, mas os militares derrubaram Vargas, que se elegeu deputado federal e senador, retirando-se para o Rio Grande do Sul. A presidência da República foi disputada entre o Exército (general Eurico Gaspar Dutra) e a Aeronáutica (brigadeiro Eduardo Gomes). Explodiu a “guerra fria”, um novo maniqueísmo global, tendo de um lado os EUA e seus periféricos e de outro a URSS.
Dutra, com o apoio de Getúlio, venceu o pleito, tomou posse e “queimou” as reservas nacionais por meio de uma abertura comercial irresponsável que inundou a mercado interno de bugigangas e sobras de guerra. Fechou os cassinos, incentivou o desemprego e a estagnação econômica. Em 1949 foi criada a Escola Superior de Guerra para a definição e consolidação de uma política de segurança nacional que marcaria os próximos trinta anos.
Getúlio venceu as eleições presidenciais de 1950,
tomou posse e implementou o ideário político do nacional-desenvolvimentismo com pesados investimentos em infraestrutura e substituição de importações, desagradando o capital internacional e seus aliados tupiniquins. Sob o brado nacionalista de “O petróleo é nosso” criou a Petrobrás (sob os protestos da Standard Oil), depois criou a Eletrobrás (o que desagradou a Light and Power Co. e a American & Foreign Power Co.) e a Fábrica Nacional de Motores (para a produção de automóveis, caminhões e tratores em parceria com empresas multinacionais).
As forças conservadoras, apoiadas pelos militares e pelo capital multinacional, descobriram um “mar de lama” (insignificante frente ao sistema de corrupção dos dias atuais) escorrendo pelas beiradas do poder constituído. A chamada “banda de música” da UDN, liderada pelo furibundo Carlos Lacerda, levou o presidente Vargas ao suicídio em 1954, e a um período de instabilidade política. Mas seus herdeiros políticos, João Goulart e Leonel Brizola, continuaram com a bandeira do trabalhismo.
Juscelino Kubistchek
assumiu a presidência da República em 1956, adotando um programa de metas onde a construção de Brasília era destaque. Sem um plano de governo consistente e integrado, as principais metas sociais (educação, saúde e previdência) e econômicas foram esquecidas, aprofundando os desequilíbrios internos. Sua política levou ao desbaratamento das ferrovias e das hidrovias. Para bancar sua megalômana meta de construção de Brasília emitiu tanto dinheiro que triplicou a base monetária do país e gerou uma incontrolável hiperinflação. Foi um desastre mas, inexplicavelmente, passou para a história como um dos melhores presidentes brasileiros.
A gestão JK gerou, além da inflação desenfreada, corrupção, crises políticas, endividamento (interno e externo), problemas cambiais que se projetaram para o futuro, até os dias atuais. Culminou na eleição e na renúncia de Jânio Quadros, na ascensão e deposição de João Goulart, no golpe militar de 1964 e no retorno ao maniqueísmo histriônico entre capitalismo e comunismo.
O período militar foi cheio de profundas contradições, com sucessos e fracassos econômicos, guerrilhas e repressão policial violenta. Os partidos foram extintos e os políticos profissionais acomodados em dois grupos: os que apoiavam irrestritamente o regime ficaram na ARENA, e os que apoiavam veladamente foram para o MDB. Os outros, chamados de radicais de esquerda, tiveram seus direitos políticos cassados – os mais perigosos foram deportados ou fugiram do país, os mais dóceis ficaram em território nacional como cidadãos de segunda categoria.
Um dos generais Presidente certa ocasião teria dito que “o povo vai mal, mas o país vai bem”, como se isso fosse possível. O Milagre Econômico foi pago com empréstimos internacionais, inflação e repressão policial. Entretanto o Ministro Mario Henrique Simonsen afirmava que o “Brasil é uma ilha de tranquilidade em meio a um mar revolto”, porque este é “abençoado por Deus”, como dizia uma canção ufanista da época. Mas esqueceram de avisar a OPEP que decretou duas crises de petróleo, uma em 1973 e outra em 1979. Na primeira, o general Presidente não deu bola e continuou pegando empréstimos, agora em petrodólares. Na segunda o bicho pegou feio, garroteando a economia nacional, apesar do “prá frente Brasil, Brasil” da canção popular.
Outra década perdida, reconhecidamente por todos, foi a dos anos 80. No início a promessa de uma abertura democrática gradual e segura, depois o movimento das “Diretas Já”, todos sabendo que isso não aconteceria. Veio a eleição indireta de Tancredo e a posse de José Sarney,
com todos os desequilíbrios possíveis e imaginários: desemprego, hiperinflação, negociatas e a tradicional corrupção. A década chegou ao fim com a inacreditável eleição de um famigerado “caçador de marajás” inovando a sistemática de corrupção e desmandos administrativos.
Os anos 90 trouxe o neoliberalismo exigido pelo Consenso de Washington e a consequente privataria da era FHC, da desmoralização do legislativo para a aprovação do sistema de reeleição, do mensalão de Minas Gerais, que na década seguinte assumiria caráter nacional. Sabe-se hoje que o petrolão (roubalheira na Petrobrás) começou nessa época, o sucateamento das Universidades federais foi outro feito histórico marcante; aí começaram, também, os programas de assistencialismo eleitoreiro que se transformaria, mais tarde, no Bolsa Família; o tripé macroeconômico foi decorrência do “plano real”. O PT assume o poder em Mato Grosso do Sul e em outros estados brasileiros criando musculatura nacional.
O sindicalista Lula da Silva foi a grande revelação de terceiro milênio. Contrariando todas as expectativas se elegeu presidente da República com a promessa de grandes reformas políticas, administrativas, econômicas e sociais. Levou para a chefia da Casa Civil o principal teórico do petismo, José Dirceu, que passou a atuar como verdadeiro “primeiro ministro”. Para contrabalançar, o deputado federal Henrique Meirelles (PSDB) renunciou ao mandato para assumir a presidência do Banco Central e dar continuidade ao neoliberalismo exigido pelos banqueiros. O “poderoso” ministro da Fazenda, Palocci (PT), apenas seguia as orientações do ex-diretor do Banco de Boston, principal credor do Tesouro nacional.
O primeiro mandato de Lula foi um sucesso,
apesar de as promessas não terem sido cumpridas. A reeleição foi um passeio e uma festa nunca antes visto em Pindorama. No segundo mandato as coisas não foram tão tranquilas por dois motivos básicos: de um lado, os escândalos e os desmandos administrativos vazaram por todos os poros do poder, comprometendo famosas lideranças políticas; por outro lado, uma crise internacional de grande porte se instalou devido ao estouro da bolha imobiliária nos EUA. O presidente Lula, na ocasião, demonstrando que o Brasil é uma ilha blindada por forças ocultas, declarou que o tsunami que devastava as finanças ocidentais se chegasse ao Brasil seria uma marolinha insignificante.
O prestigio de Lula era tão grande que elegeu a economista Dilma Rousseff, brizolista convicta, mas sem condições técnicas e políticas para administrar o colosso que ainda continuava adormecido. Com a conivência do Congresso Nacional ela camuflou as contas públicas e, acompanhada por uma formidável equipe de marqueteiros, prometendo tudo a todos e comprando apoio como fez FHC para conseguir sua reeleição, conseguiu um segundo mandato.
Dilma tomou posse e convidou a Febraban para administrar o País.
Esta indicou Joaquim Levy para defender os interesses do capital financeiro (nacional e internacional). Deu no que deu, aconteceu o que aconteceu. O ano de 2015 foi perdido, atribulado e triste porque os políticos enxovalharam as instituições públicas a credibilidade nacional. O estelionato eleitoral repercutiu no segundo mandato da Presidente, acontecendo as Operações Sangue Negro, Lava Jato, Passe Livre e Catilinárias, entre outras, culminando com a aprovação de uma proposta de impeachment aceita na Câmara dos Deputados, presidida pelo manipulador Eduardo Cunha, também enrolado em um processo de cassação de mandato.
O senador Delcídio do Amaral (PT-MS) foi outra surpresa desagradável ao ser preso no exercício de um mandato parlamentar; poderoso empresários, antes intocáveis, também foram conhecer o xilindró, ao lado de ex-diretores da Petrobras e de líderes políticos. Os senadores Jader Barbalho e Romero Jucá, ambos do PMDB, citados na delação premiada de Nestor Cerveró como recebedores de propina, dizem nada saber a respeito. O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, fez declarações perigosas; Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais, foi condenado no Mensalão do PSDB, Renan Calheiros, presidente do Senado, teve o sigilo bancário quebrado e Aécio Neves teria recebido R$ 300 mil do esquema de Alberto Youssef, segundo depoimento de Carlos Alexandre de Souza Rocha, um dos entregadores de dinheiro.
Pelas palavras de um doleiro beneficiado pela delação premiada e de um diretor de uma das empresas corruptoras, não escapa nenhum político brasileiro: todos recebem dinheiro para as campanhas eleitorais. E ainda dizem que este país é a “Pátria do Evangelho” e que “Deus é brasileiro”.
Constatou-se fraude nos Fundos de Pensão e financiamentos “subvencionados” foram concedidos pelo BNDES para os amigos dos mandatários de Pindorama. Finalmente, o governo conseguiu aprovar a legalização dos recursos não declarados (inclusive os de origem no tráfico de drogas, de armas, contrabando, roubos, corrupção), antiga reivindicação dos banqueiros e daqueles que desviaram recursos dos cofres públicos.
Enfim, em 2015 aconteceu a “tempestade perfeita”. Que venha 2016, na certeza de que tudo permanecerá como está, porque com Dilma Rousseff ou com Michel Temer na Presidência, a “coalizão de interesses políticos” e a distribuição de benesses aos parlamentares serão as mesmas. Já nas áreas econômica e social as coisas continuarão piorando para os trabalhadores e para os pequenos empresários.
A paciência do povo está se esgotando, na mesma velocidade em que a inflação corrói sua renda, apesar de os desempregados ainda não terem ido para as ruas. Até quando resistirão calados é a pergunta que não cala. O grande perigo é que nesse contexto de vilanias, traições e mentiras, surja um “caudilho salvador da pátria” (nos moldes de Getúlio ou Castelo Branco), ou pior ainda, que apareça um maluco no padrão de Jânio Quadros ou do famigerado Fernando Collor de Melo..
Nada é impossível nesta “Pátria Educadora” que destruiu a credibilidade do sistema político e está destruindo a educação pública. O povo está saturado de tantos desmandos, descaramentos e escárnios descarregados pelos donos do poder.
Como seria bom se o povo, no ano do macaco (calendário chinês), bradasse para os políticos: “!que se vayan todos!”, e que não voltem jamais.
LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.
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Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.