A política existente no Brasil desde a era Vargas marca a eterna luta entre o proletariado dominado pelos sindicatos e a elite capitalista garantida pelos militares.
Os sindicatos sempre defenderam uma política estatizante, nacionalizando setores que deveriam estar sob o comando da iniciativa privada. Essa visão, patrocinada por Vargas, nunca foi aceita pelos militares mais intelectualizados, principalmente depois da criação do Ministério do Trabalho e a legalização de milhares de sindicatos amparados pelo estado.
Foi preciso que Carlos Lacerda, líder anticomunista e contrário aos sindicatos, chamasse a atenção para o poder dessas corporações e sua influência no governo varguista, taxando-o de República Sindicalista.
Com isso adquiriu a simpatia dos militares que não aceitavam a política corporativista de Vargas como base social de sustentação do seu governo.
Com a queda do PT, os sindicatos passaram a ter pouquíssima influência no governo. Já os militares, peça importante de sustentação do novo governo, retornaram ao poder com força total.
Quando os sindicatos imperavam, a farda temia que a pelegada (“pelego” era o nome que a imprensa dava aos dirigentes sindicais, e que até hoje permanece) pudesse influenciar os militantes comunistas infiltrados nas Forças Armadas, como de fato ocorreu com Marighela na organização da “Greve dos 300 mil” em São Paulo, em 1953. Como os tempos são outros, os sindicatos, atualmente, preferem sobreviver à custa do erário a lutar pelo retorno do governo anarco-sindicalista do PT.
Agora, a política é tentar barrar as investigações contra a roubalheira através de meios como a prisão dos condenados somente após o trânsito em julgado de centenas de recursos (coisa que não existe em nenhum país do mundo) e a recente criação do Juiz de Garantia. Essa figura não foi inventada agora; estava em discussão no Senado para ser introduzida numa possível modificação do nosso Código de Processo Penal (CPP) desde 2009.
A proposta que tramita na Câmara visa também atualizar o CPP de 1941. A pressa para introduzir o juiz de garantia antes da reforma do CPP tem como fundamento retardar qualquer investigação contra a corrupção, principalmente pela Lava Jato, conforme declaração do deputado Marcelo Freixo, autor da emenda reformista: “proteger os direitos dos cidadãos contra abusos praticados pelo ex-juiz Sérgio Moro”.
Sancionada pelo presidente Bolsonaro junto com o pacote anticrime, o juiz de garantia, segundo uma grande parte de nossos magistrados, é mais uma forma de se atrasar o andamento de grandes investigações como a Lava Jato e garantir a impunidade dos corruptos, conforme declaração do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio Nóbrega.
Essa figura ainda vai gerar muita discussão antes de entrar efetivamente em vigor. A previsão foi incluída nas propostas enviadas ao Congresso pelo ministro da Justiça com teses defendidas pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
O texto determina que o juiz que instruir o processo não seja o mesmo que o julgará. Por outro lado, a criação desse instituto não pode prescindir de lei que promova uma alteração na organização Judiciária pátria, nem de uma regra de Transição que não pode ser de apenas 30 dias (vacatio legis), conforme dispõe o art. 20 da lei impugnada.
As associações de magistrados contrárias a essa criação afirmam que ela, além de violar o princípio do juiz natural, não permite sua implementação de imediato, haja vista a falta de estrutura para organizá-la em tão pouco tempo.
Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) já foram protocoladas no STF, todas com pedido de liminar.
O relator é o ministro Luiz Fux. Uma delas, de Autoria da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), argumenta que a lei sancionada por Bolsonaro dispõe sobre normas processuais de competência da União.
É possível que haja atraso no início, pois o Poder Judiciário vai ter que adequar seus procedimentos para fazer o instituto andar, particularmente nos casos mais complexos, envolvendo os criminosos de colarinho branco.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário