Reportagem inédita revela uma outra história sobre o crime que assombra o PT há quase duas décadas
03/01/2020 às 10:51 Ler na área do assinanteUm ex-amigo íntimo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu falar.
Durante 25 anos o fazendeiro Valter Sâmara foi muito próximo do petista.
Em 2018 ele mandou que um emissário procurasse a Operação Lava Jato. Pretendia colaborar.
No repertório apresentado aos investigadores, estavam fatos envolvendo o tríplex de Guarujá, a compra do segundo apartamento em São Bernardo do Campo e o assassinato de Celso Daniel, em janeiro de 2002.
Em excelente trabalho de reportagem da Revista Crusoé, Valter Sâmara revelou fatos inéditos vinculados à morte de Celso Daniel.
Tais fatos, ele pretendia contar para a Lava Jato, mas um episódio criminoso cometido contra familiares, fez com que recuasse.
Narra a Crusoé:
“Passava das cinco horas da tarde quando dois homens, um deles de boina e bengala, desceram de um Spacefox preto em frente a uma loja de roupas de grife em um bairro residencial de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Era quinta-feira, 26 de abril de 2018, e a rua estava calma, como de costume. Armada, a dupla rendeu duas pessoas logo na entrada e anunciou o assalto. Outros dois comparsas chegaram em seguida para invadir a casa que fica nos fundos do mesmo imóvel, fazendo 11 reféns, entre eles uma idosa e uma criança. Mas em vez de dinheiro e objetos de valor, os bandidos queriam ‘os documentos do PT’. As vítimas foram amarradas, amordaçadas e agredidas, enquanto parte da quadrilha quebrava as paredes atrás de um cofre onde o material poderia estar escondido. Após mais de uma hora de terror e destruição, o bando não achou nada e fugiu levando apenas carteiras, celulares, bijuterias e algumas peças da loja. Apesar da explícita conotação política, a Polícia Civil do estado concluiu, poucos meses depois, que o caso foi um típico crime comum, contra o patrimônio, sem indiciar ou prender ninguém.”
Porém, a soltura do meliante petista encorajou Valter Sâmara a quebrar o silêncio.
Eis o relato do fazendeiro:
Sâmara conta que, em abril de 2002, três meses após o assassinato de Celso Daniel, recebeu uma fita cassete com a gravação de uma conversa entre Gilberto Carvalho e Miriam Belchior, que eram secretários da administração petista na cidade do ABC. Ele diz que obteve o material das mãos de um antigo amigo, Álvaro Lopes, um lobista conhecido nos corredores do poder de Brasília. que, à época, segundo o fazendeiro, atuava como emissário do então deputado Michel Temer, ex-presidente da Câmara.
Na conversa, relata Sâmara, Carvalho pede para Miriam continuar de luto pela morte de Celso Daniel, com quem foi casada por dez anos antes do sequestro e assassinato dele. E diz à então secretária municipal de Habitação e Inclusão Social de Santo André para guardar por mais alguns dias uma misteriosa encomenda que ele iria retirar em outra ocasião — o fazendeiro diz acreditar que, pelos termos da conversa, os dois tratavam de dinheiro. O conteúdo da fita impressionou Sâmara. Na mesma semana, ele foi a São Paulo mostrar a gravação a Lula, no apartamento do petista em São Bernardo. ‘Fiquei bem preocupado quando ele disse que era uma montagem. Eu tinha ouvido a fita e falei que não, aquilo não era montagem nenhuma’, diz o fazendeiro. Ele conta ter deixado a gravação com o petista. À época, Lula já rodava o país em pré-campanha na sua quarta e, desta vez, vitoriosa tentativa de chegar ao Planalto.
O áudio ouvido por Sâmara chama a atenção por dois fatos importantes: 1) ao contrário dos grampos feitos pela PF, cujas cópias chegaram a ser apresentadas na CPI dos Bingos em 2005, a gravação contida na fita cassete, segundo ele, não era de uma ligação telefônica, mas produto de uma escuta ambiental, o que indica tratar-se de áudio inédito; 2) a conversa fazia alusão à arrecadação ilícita de dinheiro na Prefeitura de Santo André, um suposto esquema nunca comprovado, mas que converge com a acusação feita pelos irmãos de Celso Daniel, João Francisco e Bruno Daniel, contra Gilberto Carvalho, de que o então secretário e futuro chefe de gabinete de Lula coletava propinas provenientes de um esquema de corrupção municipal, para entregá-las a José Dirceu, à época o presidente nacional do PT.
Para Sâmara, o assassinato de Celso Daniel foi um crime político, ao contrário do que concluiu a polícia de São Paulo em duas investigações segundo as quais o ex-prefeito petista foi vítima de um sequestro seguido de morte por uma quadrilha da favela Pantanal. Pela tese do ex-amigo de Lula, também defendida pelos irmãos do petista, o ex-prefeito era conivente com os desvios de dinheiro para o partido, mas teria reagido contra o enriquecimento ilícito pessoal de aliados e empresários amigos do setor de transportes. “Ninguém até hoje teve interesse em descobrir os fatos verdadeiros sobre isso”, afirma Sâmara. O fazendeiro acredita que os bandidos que invadiram a casa de sua irmã em abril de 2018 estavam atrás da fita cassete que ele diz ter deixado com Lula em 2002. Sâmara jura que não ficou com nenhuma cópia da gravação.
A gravação ouvida pelo ex-amigo de Lula nunca chegou ao conhecimento das autoridades que investigaram a morte de Celso Daniel. O promotor que apurou o caso, Roberto Wider Filho, diz que o áudio, se ainda existir, pode contribuir para iluminar a história do crime.