Tive que rir quando Lula foi ao Facebook manifestar sua solidariedade a Chico Buarque, hostilizado por uma turma de brucutus no Rio de Janeiro. Lula é engraçado. Com aquele tom de justiceiro, enfileirou frases de impacto que serviriam como um perfeito puxão de orelha nele mesmo.
Por exemplo: "É muito triste ver a que ponto o ódio de classe rebaixa o comportamento de alguns que se consideram superiores". Uma boa frase, faz sentido. Só que ninguém nos últimos 12 anos insuflou tanto o ódio de classe como o próprio Lula. Toda a fúria dessa direita autoritária, que hoje vai às ruas ofender quem ousa pensar diferente, foi alimentada por um presidente — e o presidente é o líder maior de uma nação — que se empenhou em dividir o Brasil em dois. E conseguiu.
— A elite brasileira é perversa, nunca acreditou neste país — é um clássico de Lula.
— Precisamos extirpar o DEM da política brasileira — talvez seja a frase mais ditatorial da trajetória de Lula.
— A crise foi causada por gente branca de olhos azuis — outra famosa declaração de Lula.
Ricos versus pobres, direita contra esquerda, brancos contra pretos. Impelidos pelo líder, outros petistas sentiram-se autorizados a reproduzir o ódio de classe, que agora Lula reprova. Um belo exemplo, este aqui:
— Eu odeio a classe média! A classe média é um atraso de vida! A classe média é a estupidez! É o que tem de mais reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista! A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista! É uma abominação ética, porque ela é violenta! E é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante!
Credo, é para irritar mesmo a classe média. Quem deu essa elegante declaração foi a filósofa Marilena Chaui, há dois anos e meio, aplaudida por um entusiasmado Lula que dividia o palco com ela.
Tudo isso foi dito quando o PT gozava de alta popularidade. Não havia clima para contestar, a elite enfiava o rabo entre as pernas e ouvia quieta. E, vale frisar, nem tudo o que Lula dizia era mentira: de fato, concordo que uma parcela da classe alta se incomodava em dividir espaço com egressos da pobreza. E concordo que um metalúrgico na Presidência importunava endinheirados. Mas Lula, como líder, preferiu dividir a agregar — embora não lhe faltasse capacidade de agregação, até porque, vamos combinar, quem financiou suas campanhas foi sempre a "elite perversa"; banqueiros faturaram como nunca nos governos petistas; oligarcas como Sarney, Maluf e Collor jamais tiveram do que se queixar.
Tudo bem. Só que agora, com o governo em baixa e uma classe média ressentida, a elite perversa se insurgiu. E mostrou que às vezes é perversa mesmo, como no repulsivo episódio envolvendo Chico Buarque, um resumo da virulência que tomou 2015. No Facebook, Lula escreveu que Chico "não merece ser ofendido". É verdade. Por isso, deveria ter lhe pedido desculpas.
Paulo Germano
Reproduzido do jornal Zero Hora - http://zh.clicrbs.com.br/rs/
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